No dia 19 deste mês, no Hotel Los Monteros, em Marbella, será anunciado o Guia Michelin Espanha e Portugal 2015 e, como sempre, tenho os meus vaticínios e, também como sempre, vou-me enganar. As minhas previsões deste ano são simples: ninguém perde estrela, o Belcanto ganha a segunda e o São Gabriel, agora com Leonel Pereira, reconquista a que perdeu no ano passado. Estou a confundir desejos com realidade (para não usar a pavorosa expressão “wishful thinking”) ? Certamente que sim. O mais provável é que alguém venha a perder e que haja estrelas onde não as adivinhava, como, felizmente, aconteceu no ano passado com o L’And, de Miguel Laffan.
Mas os meus vaticínios não são ao acaso. Não é só a minha avaliação pessoal, toda a gente que conheço e cujas opiniões valorizo me dizem maravilhas do Belcanto. Creio que já tem as duas estrelas, é só uma questão de tempo até ao avarento guia vermelho lhas conceder. Como só abriu há três anos com José Avillez e recebeu logo uma estrela, talvez achem que ainda é cedo, mas eu acho que há uma boa probabilidade de ser já agora. A Michelin gosta de Avillez, da consistência e seriedade com que está a construir a sua carreira. Se não fosse assim, não teria feito “transitar” a estrela do Tavares para o Belcanto tão depressa. Para Lisboa, seria óptimo, acho que nunca tivemos um duas estrelas na capital.
Quanto ao São Gabriel, ouvi dizer que, devido à mudança de proprietário, no ano passado nem teriam visitado o restaurante. Este ano, visitaram e gostaram. Vamos ver se é suficiente para fazer já justiça ao grande cozinheiro que é Leonel Pereira. Este Verão, fui lá e fiquei impressionado com a qualidade do que comi (nas fotografias de abertura, de Cristina Gomes) e mais ainda com o entusiasmo do chefe algarvio, que, aos 44 anos de idade e mais de 25 anos de profissão, não repete fórmulas, arrisca, mantém-se actualizado com tudo o que se faz a nível internacional, compreende a importância de ter uma boa equipa. Está a cozinhar com uma personalidade e uma sabedoria de quem já viu muita coisa e escolhe os caminhos que mais lhe agradam.
Imagino já alguém indignado por eu não prever a segunda estrela para a Fortaleza do Guincho. Seria merecidíssimo, mas o problema é terem neste ano dispensado a consultoria de Antoine Westermann, deixando Vincent Farges “a solo”. Não está em causa a competência deste último, mas diria que a Michelin vai preferir esperar um pouco para ver em que é que as coisas ficam até conceder a longamente aguardada segunda estrela. Porém, sabendo que os inspectores valorizam a personalidade de um chefe na atribuição de estrelas, parece-me que aumentaram as probabilidades da “segunda” vir com a afirmação da cozinha de Farges.
Aliás, num recente almoço (foto acima, de Paulo Barata) de apresentação a um pequeno grupo de jornalistas e bloggers (de que a Alexandra Prado Coelho fazia parte e que aqui relatou), constatei que Vincent Farges está esplêndido, com uma cozinha mais liberta e alegre. Há, no entanto, sobretudo entre clientes mais fiéis, algumas queixas por haver menos pratos disponíveis, limitando as hipóteses de variar. Mas, depois da saída de Westermann, ninguém se queixa nem da qualidade da cozinha nem do serviço de sala, sempre impecável. Seria absurdo que a Michelin, não dando já a segunda, ainda por cima retirasse a estrela que vem quase desde os tempos em que Westermann assumiu o projecto.
Não queria deixar de falar de outro restaurante que me pareceu que está num sólido caminho para a segunda estrela, não obstante não me parecer que ela seja anunciada já em Marbella. Trata-se do Yeatman, do chefe Ricardo Costa. Em Janeiro, estava ele de férias (vim depois a saber), com o restaurante em obras, almocei lá com a minha mulher num sábado, na parte reservada a banquetes (também com uma magnífica vista para o Porto), marcando mesa em nome falso. Estava só uma outra mesa ocupada, com um casal e um filho pequeno.
Pois bem, foi nesse ambiente que tive uma das grandes refeições deste ano em Portugal. (fotos acima, de Cristina Gomes). Fui atendido com um profissionalismo exemplar e os pratos foram surgindo com um nível de qualidade altíssimo, com criatividade e bom senso, e fiquei com imediata vontade de lá voltar. Creio que haverá poucos restaurantes portugueses que nos apresentem esta consistência e esta motivação das equipas, com salas cheias ou vazias, num almoço de sábado em Janeiro ou num jantar de sábado de Outubro, com o chefe ausente ou presente.
Quando mais tarde dei os parabéns a Ricardo Costa, soube que tinha sido o subchefe João Oliveira a garantir o serviço e daqui vão para ele os meus agradecimentos por essa óptima experiência.
É mais um restaurante português que está claramente no caminho da segunda estrela, tendo inclusive recebido outras distinções importantes, caso do recente prémio “Melhor Experiência Gastronómica” dos Condé Nast Johansens Awards 2015, mas a Michelin é que saberá quando ela virá, porque isto de vaticínios falhados é o que eles melhor conhecem há mais de 100 anos…Enfim, já não falta muito para dia 19 e logo veremos.