Quantcast
Channel: Mesa Marcada
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1424

O admirável Tomo

$
0
0

 

Ainda acredito em boas causas. Depois de passar anos na publicidade (área de media) a ajudar a convencer um determinado público sobre as virtudes de produtos e de serviços que não tinham essas qualidades é com muita admiração e respeito que vejo hoje há minha volta profissionais dedicados a apostarem em fazer bem e, ainda por cima, a lucrarem com isso. Por exemplo, tenho acompanhado de perto o trabalho da Maria José Macedo, da Quinta do Poial, e da relação profissional que estabeleceu com o japonês Tomoaki Kanazawa, chef e proprietário do restaurante Tomo, em Algés. 

 

Há muito que ouvia falar do Tomo e do seu chef de perfil reservado e que, segundo várias testemunhas, não era a pessoa mais simpática do mundo. Custa-me a acreditar que este japonês dedicado e de sorriso fácil (excepto se tiver em transe, perdão, concentrado a trabalhar) seja essa personagem que vários amigos me pintaram. 

 

 Maria José Macedo e Tomoaki Kanazawa na Quinta do Poial 

 

Fascinado pelos produtos da Quinta do Poial, Tomoaki, ou Tomo, como é mais conhecido, propôs à Maria José Macedo ir todos os domingos recolher esses produtos directamente da horta. Muito curiosa com a determinação deste japonês, Maria José aceitou o desafio sobretudo depois de perceber que ele entendia do assunto (Tomo é proveniente de uma família de agricultores no Japão). Desde aí, segundo ela me confessava há dias, o chef japonês não faltou um único domingo no Poial. 

 

Não sou propriamente um obstinado pelo trabalho e até me causa alguma confusão ver alguém, como ele, que nunca tira férias e que praticamente trabalha 7 dias por semana porque não gosta de estar muito tempo afastado do que faz. No entanto quando me sento ao seu balcão - e tenho-o feito diversas vezes desde Junho - fico espantado com a sua mestria técnica e o seu talento e criatividade em conjugar ingredientes, explorando os nossos sentidos, nos sabores, texturas, cores, temperaturas, etc. O mais incrível é que nas dezenas de pratos que degustei lá nestes últimos 3 meses não houve um repetido. Partindo de uma certa improvisação no momento o mais natural seria haver uma ou outra nota ao lado. Mas não. Não me recordo de uma falha digna de registo. 

 

pérolas de tapioca, água de tomate, tomate e... manteiga  - uma combinação absolutamente admirável


lula e arroz fermentado

 

Nos seus menus de degustação, Tomoaki apresenta uma cozinha clássica numa versão kaiseki, sem ser de linha pura e dura. Como se sabe este é um estilo de cozinha praticado em Quioto, no Japão, e tem como imagem de marca, entre uma série de procedimentos e rituais, o respeito pelos produtos de época e, em grande parte, pelos produtos de proximidade. Estes princípios, bem como o aspecto estético, ou o seu lado mais conceptual, nomeadamente no que diz respeito à definição de um menu de degustação, influenciaram a cozinha moderna ocidental. Tomoaki não tem condições nem estrutura (ou clientes) para aplicar os princípios de uma refeição, ou cerimónia deste tipo, mas o seu menu kaiseki de tabuleiro - em que uma boa parte dos pratos são servidos ao mesmo tempo - é de um nível muito elevado e com a vantagem de custar uma ínfima parte (40€ a 70€, consoante a quantidade de pratos e o que se beber).

 

 peixe galo (creio) entre duas tábuas de uma madeira japonesa que lhe confere um sabor característico 


tempura de pinças de lavagante, flor de curgete recheada com uma espécie de ratatouille e puré de abóbora japonesa

 

Há ainda outros grande atractivos para mim. O primeiro é o de saber o que irá ele fazer com os produtos de época que, nessa semana, a Quinta do Poial produziu. O outro, fruto da sua adaptação a Portugal, é a integração de elementos mediterrânicos como o azeite, por exemplo, nas suas confecções. Por último é interessante ainda constatar as suas raízes francesas, em termos de formação técnica, ainda que de forma discreta. Este último aspecto sente-se, sobretudo, nas sobremesas, felizmente. Digo isso porque não sou grande adepto da doçaria japonesa, esteticamente irreprensivel, mas demasiado subtil nos sabores. 

 

tempura e tomate (triturado e água de tomate) 

Tenho aprendido muito sobre ingredientes e conjugações no balcão do Tomo, mas nunca tomei apontamentos dado que nunca fui lá com o intuito de escrever e por isso não sei ao certo os nomes dos pratos de algumas das fotos que aqui deixo. Confesso também fui apossado de um certo egoismo hedonista que me impeliu a não querer divulgar este lugar de forma muito vincada (até porque o meu amigo João C. , que me deu a conhecer este lado do Tomo, me pediu parcimónia na divulgação). Mas na verdade até o tenho feito na rede social Instagram e, menos esporadicamente, no Facebook, pelo que mais cedo ou mais tarde este post teria de acontecer - até porque, para mais, voltei a ter lá ontem outro jantar admirável.

 

Neste momento o Tomo não é apenas um dos restaurantes que serve melhor comida japonesa em Lisboa, mas sim um dos restaurantes onde se confecciona melhor comida em Portugal. E só não digo que é um dos melhores restaurantes do país porque em alguns aspectos o serviço e a sala não estão ao nível dos restaurantes de top, apesar de terem vindo a melhorar (é preciso também ver que o posicionamento em termos de preço é outro, consideravelmente mais baixo).

 

 

Contactos: Avenida Bombeiros Voluntários 44, Algés ; Tel: 213010705 (para uma melhor experiência é conveniente marcar o menu do chefe com antecedência. As fotos dos pratos aqui publicadas são uma súmula de várias refeições)

 

P.S. Como muitos leitores devem ter reparado, nas últimas semanas estive afastado do Mesa Marcada como nunca tinha estado antes desde que criámos este blogue. Por vezes é importante fazermos uma pausa (e felizmente que o Duarte Calvão e a Paulina Mata deram conta do recado).  


Viewing all articles
Browse latest Browse all 1424