Ele há coincidências curiosas. Ainda não tinha secado a tinta das linhas deste post, em que eu garantia que não voltaria ao The Decadente, quando um amigo que vive no estrangeiro e está de férias em Lisboa me convidou para ir jantar, com outro amigo, ao The Decadente, escolhido por sugestão deste último. Ainda hesitei, mas acabei por aceder, pensando que o destino queria que eu conhecesse a cozinha deste restaurante que tanto tem dado que falar. Avisei que era melhor reservar, mas quando tentaram disseram que apenas reservavam metade das mesas e as restantes eram para quem chegasse primeiro. Por isso, era melhor ir cedo.
Ainda mais um amigo juntou-se a nós e por isso éramos quatro à mesa. Fui o primeiro a chegar, às 20h, mas, escaldado pela experiência anterior que aqui relatei, esperei que chegasse mais alguém para tentar obter mesa, embora tivesse verificado que ainda havia várias vazias. Assim foi e desta vez correu bem, com um chefe de sala a indicar-nos prontamente as mesas disponíveis e dando-nos a escolher.
Até aqui estava tudo a correr bem, atendimento atencioso e rápido, mesas bem aparelhadas, ambiente animado, estava satisfeito por o acolhimento ter sido desta feita correcto e profissional e decidi não contar o que se tinha passado da vez anterior para não influenciar os amigos que me acompanharam e que felizmente são apenas leitores esporádicos do Mesa Marcada.
Pedimos duas entradas para partilhar, pica-pau e morcela com chutney de cebola. Nos pratos principais, dois pedidos de raia com citrinos e um de bife. Para mim, bochechas de porco com batata-doce e redução de vinho tinto. Teria optado por peixe, mas os pratos que me interessavam tinham como acompanhamento arrozes malandrinhos diversos, que não aprecio.
E foi aqui que as coisas começaram a correr mal. O pica-pau constava de umas tiras rijas de carne, com um molho insosso onde vagueavam umas lâminas de alho que tinham o condão de não transmitir nenhum sabor ao conjunto. A morcela estava melhor, mas nada de especial.
Provei dos pratos principais. Embora bem temperada, a raia estava “castigada” e seca, tratada sem a delicadeza que exige. Faço melhor em casa. O bife era de uma banalidade atroz. As bochechas, que se anunciavam como tendo estado 12 horas a cozinhar lentamente, igualmente secas (que saudades que eu tive nessa altura de Miguel Castro e Silva e de Luís Baena, que tão bem as sabem tratar…), mas o desastre era o molho adocicado, que, para mais com o acompanhamento das batatas-doces, destruía o conjunto. Ainda verifiquei se tinha visto bem o nome do prato, se além do vinho tinto, havia algum xarope incluído, mas não, era assim mesmo. Creio que nem redução de vinho do Porto daria resultado tão enjoativo. A única qualidade do molho era ser relativamente escasso, dando para safar alguns pedaços de carne da sua presença.
A minha sobremesa, uma trilogia de gelados de chocolates caseiros, estava boa e bem apresentada, mas os meus amigos que pediram umas variações de arroz doce, disseram-me que, fora a canela, não tinham sentido mais nada.
No fim, bebendo duas imperiais e uma garrafa de vinho tinto (18 euros), ficou perto de 30 euros por pessoa. Não me queixaria do preço, dada a qualidade do espaço do restaurante, se a cozinha não fosse tão banal e mal executada. Os meus amigos, todos habituados a boas mesas, também estavam decepcionados.
Ninguém pense que tenho algo contra este restaurante. Pelo contrário, parece que a unidade hoteleira em que está instalada é de grande valia, situada num ponto magnífico de Lisboa, e acredito que os proprietários tenham apostado na qualidade não só da decoração como da cozinha. Mas sai de lá deprimido, apesar da boa companhia à mesa e do ambiente animado. Como é possível que um restaurante novo, que deveria ter ambição e imaginação, surge com uma cozinha destas? E como é possível que haja tanta gente que lá vai e cujo grau de exigência seja tão baixo que não perceba o mal que está a comer, em pratos embrulhados em falsa modernidade? Creio que desta é que não volto mesmo lá, nem que os meus melhores amigos me convidem. A não ser que, um dia, a cozinha mude. Mas não creio que o faça. Porque haveria de mudar se agrada a tanta gente?
Foto: Best Tables