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Comer formigas...

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 (foto do artigo do Público)

 

Na noite de sábado para domingo pelas 2 da manhã ainda estava acordada. Costumo comprar o Público em pdf, que normalmente é disponibilizado por essa hora. Antes de me ir deitar resolvi ir verificar. A Revista já estava, e dei uma vista de olhos. Tinha um artigo da Alexandra Prado Coelho sobre uma ida à Dinamarca a convite do The Food Project e em que me pareceu (pelo menos o descrito na reportagem) grande parte estar relacionada com o barco-laboratório do Noma ou com as pessoas que aí trabalham.

 

Confesso que me tirou o sono, às 4 meia ainda estava levantada… Para começar achei o artigo da APC muito bom e não consegui ficar-me pela vista de olhos (agora já o li mais do que uma vez). É uma reportagem excelente, muito bem complementada com informação detalhada sobre cada assunto referido. Este facto, e os temas abordados, tornaram-no para mim num objecto de reflexão que não só me tirou o sono, como tem ocupado muitos dos meus pensamentos  nos últimos dois dias e até originou uma acalorada discussão com o Miguel Pires .

 

Aparentemente o The Food Project da Dinamarca convidou jornalistas de vários países para uma visita que incluía ir para o campo apanhar ervas. É verdade que forragear (foraging) ou seja, a procura de plantas selvagens para as usar como alimento, se tornou um movimento com significado entre alguns chefes, sendo o Noma considerado um dos principais representantes. Pelo que tenho lido, parece que também se tornou moda convidar jornalistas para acompanharem os chefes em algumas dessas expedições. Uma vez teria graça, muitas começa a enjoar e a perder o significado… Depois não é assim tão inovador… o Marc Veyrat há muitos anos já o fazia.  Fazer com segurança uma coisa destas exige conhecimento… e sinceramente até acho que esta tendência pode ser um pouco perigosa nas mãos de quem se deixe levar pelo romantismo da questão e saiba pouco sobre plantas…

 

Pelo que a APC descreve, entendi que foram apanhar ervas e de repente surgiu um formigueiro… que deixou deslumbrados os cozinheiros, pois a última novidade no Noma é servir insectos. E eu pensei “Estou farta de que todos os dias tenha que aparecer algo novo, e de preferência algo que choque – não sei se para ser notícia, se para dar outra dimensão à experiência”. Mas eu gosto de inovação, de novas experiências… e fiquei horas a discutir comigo o assunto… No final não pude deixar de concluir que sendo o Noma considerado o melhor restaurante do mundo me parece pouco que sirvam um prato de formigas vivas em cima de créme fraiche… o objectivo é chocar? Pode ser…  eu até defendo que num menu de degustação os pratos não têm que ser todos bons… podem até ter o sabor alimonado agradável da lima kaffir.  Mas chamar jornalistas e mostrar formigas e outros insectos, sem apresentar nada de realmente bom  ou de novo feito com ele, parece-me muito pouco. Eu gosto de inovação, mas isto não chega a ser isso, parece-me mais um espectáculo com pouco conteúdo… 

 

No que diz respeito a usar insectos, eles são comidos em várias partes do mundo. Como a APC explica no artigo, nutricionalmente podem ser interessantes. Há quem aprecie, todos já vimos fotos de mercados na China com petiscos como estes.

 

 (foto DAQUI)

 

Petiscos curiosos como formigas cobertas de chocolate, chupa-chupas com escorpiões, grilos ou lagartas a saber a caril verde ou a molho barbecue, também estão à distância de um click, ou nas prateleiras das lojas gourmet. Há dias até comprei uns para comer com os meus alunos, por curiosidade, para ver quem conseguia vencer uma barreira que é considerada uma das mais difíceis (conseguiram todos). Se era bom e fiquei com vontade de repetir? Eu não achei, e acho que eles também não. O chouriço ao lado era melhor… 

 

 

No La Boqueria também os havia para todos os gostos:

 

 

Numa brincadeira há um par de anos também comi estes gafanhotos

 

neste prato no Manifesto:

 

 

O prato valia pelo resto, os gafanhotos pela curiosidade. Divertiu-me…  mas não fiquei a sonhar com gafanhotos…

 

Tudo bem, nada contra os insectos, nem sequer que no Noma sirvam insectos se assim o desejarem. Mas de um grande cozinheiro (o do melhor restaurante do mundo), e para fazer disso notícia, eu acho que no mínimo teria que ter desenvolvido uma forma de levar os insectos a um outro nível. Como por exemplo Heston Blumenthal parece ter feito num dos programas  Heston’s Feasts. É um programa de TV, mas pela cara dos convidados quando os comem (no 2º vídeo) parece que o objectivo foi atingido…

 

 

e o prato

 

 

Eu aprecio muito o trabalho do Noma e o que tem acontecido a nível de cozinha nos países escandinavos. Mas, com isto não correrão o risco de perder alguma credibilidade? Gostava de ser mosca e estar naquela visita e naquela sala na Dinamarca, gostava de poder saber o que ia na cabeça daqueles jornalistas… Será que alguém teve vontade de dizer “O rei vai quase nu” (ou mesmo completamente nu)?

 

Mas o artigo é longo… e o tema não se esgota com este post… até breve!


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