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Saudades dos restaurantes

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As entregas a domicílio têm mitigado o meu confinamento, mas a verdade é que sinto muito a falta de ir a restaurantes apreciar não só a cozinha que não permite transporte, mas também todo o ambiente e os rituais que só neles se consegue encontrar. A escolha da mesa, do que se vai comer e beber, a sucessão dos pratos e as reacções que eles provocam. Até da chegada da conta... Mas sinto ainda mais falta daqueles pratos que têm que se finalizados mesmo antes de serem servidos, porque precisam de uma temperatura exacta, de um determinado ponto de cozedura, de um molho ou condimento que se dissipa em poucos minutos. Das conjugações complexas e inesperadas de ingredientes, dos equilíbrios no limite, das apresentações vistosas e surpreendentes.

 

Parece que foi há um ano, mas na realidade foi apenas há pouco mais de mês e meio que fui na minha peregrinação anual ao Porto (mais precisamente a Vila Nova de Gaia) para conhecer a nova carta que Ricardo Costa apresentou no The Yeatman e, por isso, são dessa sempre extraordinária experiência as fotografias que ilustram este post. Aproveitei a viagem ao Porto para também conhecer dois outros restaurantes de que já muito tinham ouvido falar – o Almeja e o Mito – e confirmei que são os dois altamente recomendáveis. Oxalá todos consigam reabrir em breve, mesmo com afastamento social entre comensais.

 

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Uma das coisas que este período de encerramento obrigatório dos restaurantes veio confirmar é que os chefes entraram definitivamente no grupo mais invejado da sociedade portuguesa. Não têm sido poucas as reacções e comentários que tenho visto em que, com satisfação mal disfarçada, se manifestam ideias do tipo “é bem feita, quem é os mandou armar ao pingarelho?” ou “pois é, os ricos vão ficar pobres”. Ou, pior ainda, “agora vão ter que voltar a fazer a cozinha tradicional, vão deixar-se de modernices”, decretando o fim da “alta cozinha”, substituída pela “cozinha do povo”.

 

Eu, por mim, não dispenso a sofisticação, a “cozinha Michelin”, a criatividade, os bons talheres e copos, o “rústico-chique”, os pratos surpreendentes e divertidos, a simplicidade aparente, o serviço de sala discreto e gentil. Nem sequer dispenso os erros de quem arrisca. Se a “lição” que esta maldita pandemia tem a dar aos restaurantes e chefes é o fim desta cozinha de que tanto gosto, mais vale continuar a ficar em casa. Aliás, nem estou a cozinhar nada mal.

 

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