Quando soube, na semana passada, que Marlene Vieira ia iniciar um serviço de entregas ao domicílio, não hesitei um segundo: seria dela o próximo jantar que me iria consolar do confinamento caseiro. Quando vi os pratos que propunha, reforcei a noção de acerto da minha intuição. Tudo me pareceu apetitoso, fácil de transportar, a bom preço e capaz de aguentar no frigorífico no caso de não ser logo devorado (o que se confirmou, como adiante se verá). Gosto muito da cozinha desta chefe nortenha radicada em Lisboa que, infelizmente, teve há uns anos uma pausa inesperada na carreira com o fecho prematuro do Avenue, onde passei óptimos momentos, e que se preparava para abrir um restaurante de nome próprio no novo edifício do Terminal de Cruzeiros de Lisboa (ver “O novo restaurante será um recomeço na minha carreira”) quando foi apanhada pelo turbilhão da pandemia. Entretanto, mantinha um bem sucedido espaço no Mercado da Ribeira, que não costumo frequentar, onde chegava a dar cerca de mil refeições por dia.
Falei com ela. “Fiquei exactamente um mês parada, desde 13 de Março, quando o Mercado da Ribeira fechou, até 13 de Abril. Acho que não consegui reagir logo ao que aconteceu. Mas estava a dar em doida fechada em casa, estava deprimida e até cheguei a berrar com a minha filha, o que nunca tinha acontecido”. Marlene Vieira sabe que não é com este serviço de entregas que vai “salvar” a empresa que tem em conjunto com o marido João Sá- também ele cozinheiro de mão-cheia, que oficia no Sála, em Lisboa, agora a base para o serviço de refeições transportadas – e que já emprega 54 pessoas, quase todas actualmente em regime de lay-off. Mas, mais de uma semana depois de ter voltado ao activo, está muito satisfeita com a opção e até se arrepende de não a ter tomado mais cedo. “Fiquei muito mais animada, sobretudo por ver que os clientes ficam felizes com o que estamos a fazer, e até comecei a ter ideias. Quando estava parada, por incrível que pareça, não conseguia pensar”.
Pois bem, eu sou um dos tais clientes a quem a cozinha de Marlene Vieira trouxe felicidade. Para duas pessoas, encomendei sapateira com guacamole de entrada. Depois, arroz de berbigão e espardarte com coentros e rosbife com “molho de posta mirandesa” e batatas a murro. Por fim, tarte de requeijão, que veio com “apontamentos” de pudim Abade de Priscos. Foi uma decisão difícil, porque havia muitas opções tentadoras, desde logo arroz de pato ou pato com laranja, que não esperam pela demora. Ou camarão crocante com aioli de manjericão e caril. Diversos arrozes de peixe e mariscos, polvo à lagareiro, vitela assada à moda de Lafões, bacalhau no forno, eu sei lá...
Sapateira e guacamole, arroz de berbigão e espadarte, rosbife, tarte de requeijão e pudim Abade de Priscos
Foi difícil, mas acertei em cheio na entrada, perfeita para este tipo de ocasiões, ainda mais sem problemas de “arrefecimento”. Só lamento não ter tido mais tostas a acompanhar, mas isso em casa resolve-se, assim com quem quiser adicionar um picantezinho. Tive que me conter para não comer tudo, sabendo o que me esperava a seguir e fiz bem porque o arroz estava esplêndido e foi exterminado de imediato não obstante a generosidade da dose. Como era “cremoso”, não teve problemas com pontos de cozedura do cereal, sempre problemáticos quando se transporta à distância. O único reparo diz respeito aos coentros, que poderiam vir numa embalagem à parte para serem acrescentados na hora de servir, salvaguardando desta forma a sua pujança.
Já não houve capacidade para dar conta do rosbife, só provado na altura, mas é o género de carne que aguenta bem no frigorífico e não necessita de reaquecimento. Garanti desta maneira o jantar do dia seguinte, assim como a sobremesa, já que também os doces vinham em porções avantajadas. Vieram juntar-se à sapateira/guacamole para um segundo dia de felicidade proporcionado pela mão generosa de Marlene Vieira. Por tudo isto, paguei 34,5 euros, com entrega pontualíssima. Os pratos vão mudando semanalmente, por isso convém consultar o site Marlene.pt antes de encomendar.
“No momento em que decidi voltar a cozinhar, falei com André Magalhães, porque sabia que as entregas da Taberna da Rua das Flores estavam a correr bastante bem, e ele incentivou-me logo a fazê-lo”. Temos, de facto, de reagir, como ele diz. Mais vale ter a torneira a pingar, que sempre dá alguma água, do que fechada. Agora, já consigo pensar como, com todas as restrições e cuidados que serão necessários, vou abrir os meus restaurantes”, conclui Marlene Vieira.
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Marlene Vieira em sua casa
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Fotografias: Cristina Gomes
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