Já é quase fastidioso enumerar a quantidade de artigos que semanalmente saem na imprensa mundial a gabar as maravilhas lusas, tipo “o beco mais trendy do mundo é português” até à possibilidade, segundo um artigo da BBC, da cozinha portuguesa ser a mais influente do mundo.
A maior parte dos leitores identifica-se com estes artigos, a ver pela quantidade de “gostos” e partilhas nas redes sociais, e as publicações online também, obviamente, sobretudo, numa altura em que as receitas das edições em papel estão com o rating próximo de “lixo” e os clicks valem ouro (ou bronze vá lá). Até há quem compile e divulgue essas notícias, com um certo tom irónico, como faz Pedro Boucherie Mendes, numa espécie de rubrica intitulada “Amor que nós temos ao amor que têm por nós”.
E tudo isto vem a propósito de quê? de algum artigo elogioso recente que tenha escapado aos nossos media?
Bom, pior que não nos elogiarem é ignorarem-nos completamente, dirá a maioria. E eu desta vez corroboro. Logo em matéria de sardinhas e ainda por cima no New York Times (NYT) - provavelmente o melhor, mais completo e mais influente jornal do mundo.
Se calhar sou eu que me sinto desiludido com o jornal, pelo qual pago uma subscrição anual, devido à qualidade do seu jornalismo, em geral, e pelos artigos e criticas gastronómicas (historicamente as mais bem escritas), em particular. Estarei a exagerar? Talvez, um bocadinho. Mas vamos lá.
O antigo cozinheiro e actual autor de livros de cozinha, David Tanis, escreve semanalmente no NYT a coluna “City Kitchen”. A fórmula é simples e de leitura fácil: apresenta um prato de cozinha caseira (ou um produto), escreve sobre o que o inspirou, as origens, etc, e no fim deixa a receita.
Esta semana, Tanis fala de um prato de sardinhas, um peixe que existe em outras partes do mundo, obviamente, mas que em nenhum país atinge um nível de obsessão como em Portugal. Como gosto de conhecer receitas alternativas às nossas - e esta com as ditas sobre uma folha de figueira acompanhada de funcho parecia-me muito válida - fui ler o artigo com particular atenção.
O autor começa por falar deste peixe em conserva. “Em França as sardinhas especiais envelhecidas na lata são um fenómeno – apresentadas como um vinho, com a sua data de colheita”. Tudo bem, também já fazemos isso por cá, mas ninguém como os franceses para valorizar o que é deles (e muitas vezes o que é nosso com a marca deles, como é o caso de algumas conservas de peixe). Depois, vem a referência a nuestros hermanos. “As sardinhas de conserva topo de gama são também apreciadas em Espanha, quer seja em azeite, molho de tomate, ou fumadas”. Pois, os sacanas dos espanhóis têm outra força lá fora (e conservas de grande qualidade, há que referi-lo), diz aqui o provinciano já meio roído.
Então deixem lá ver o que este tal de Tanis tem para dizer sobre sardinhas frescas (quando a coisa não nos agrada há logo que descredibilizar a fonte, pumba!).
“Sardinhas frescas são uma delicia e vale a pena conhecer”. De acordo. “Muitas receitas Sicilianas empregam-nas...” Ah! Lá vem a parte com o enquadramento neo-realista. Agora sim, o fulano vai falar também de Portugal e das dificuldades que passam os nossos pescadores de Matosinhos ou Peniche. Hum... dizia ele, então, que na Sicília, “as sardinhas podem ser encontradas marinadas, fritas ou acrescentadas em massa com funcho selvagem”. Pronto, agora é que é, o gajo vai escrever sobre sardinhas assadas e não tem hipóteses de nos ignorar (um dia ainda vou conseguir entender porque se chama “assado” a algo que é “grelhado”, mas isso agora não interessa).
“As sardinhas grelhadas fazem frequentemente parte dos menus dos restaurantes por todo o Mediterrâneo e, também, cada vez mais, aqui, nos Estados Unidos. Mas é muito fácil e menos caro grelhá-las em casa, quer seja sobre o carvão, ou sob a salamandra (forno)”. E pronto, é isto. A seguir vem a receita da foto de cima.
Que grande (filho de uma) lata! Santa ignorância... oh David Tanis, talvez se um dia aterrares em Lisboa e alugares um apartment na Bica ou em Alfama vais perceber onde é que a sardinha é verdadeiramente uma instituição. E até é bom que vás treinando em casa a grelhá-las na brasa para te habituares ao perfume que te vai entrar pelo quarto. Quanto a mim, chamem-me provinciano, que eu importo-me mesmo.
Foto: Karsten Moran para o The New York Times