Artigo publicado na edição de Novembro/Dezembro de 2015 da revista Comer. Algumas informações podem estar desactualizadas
![]()
A pergunta era simples e dispensava explicações e justificações. Quais são os seus nomes de referência na cozinha, de alguma maneira, os seus “ídolos”? Foi sobre isto que questionámos 12 chefes a trabalhar em Portugal, um pouco por todo o País, com diversos estilos culinários, de diversas gerações. Podiam dar nomes de chefes profissionais ou pessoas de família. Vivos, retirados ou mortos. Portugueses ou estrangeiros. Cozinheiros, teóricos, autores de livros, amigos, o que quisessem, valia tudo. Aqui vão as respostas, mas fique já a saber que triunfou a variedade.
De facto, há apenas dois nomes que se repetem por três vezes. Santi Santamaria, que morreu em 2011 e que ficou conhecido por ter sido o primeiro a conquistar três estrelas Michelin na Catalunha no restaurante Can Fabes; e o francês Michel Bras (69 anos de idade), também três estrelas Michelin na sua Maison Bras, em Laguiole.
O chefe alentejano António Nobre, dos hotéis M’Ar de Ar Muralhas e Aqueduto, em Évora, bate todos em entusiasmo quando fala de Santi Santamaria, sendo, aliás, o único nome que refere: “não é tanto a pessoa, é mais a obra que deixou. Tenho todos os livros dele”. Também Justa Nobre (O Nobre, Lisboa) menciona com entusiasmo os livros do chefe catalão e acrescenta que ele tem “uma cozinha sofisticada mas acessível”. Por fim, Pedro Nunes (restaurante S. Gião, Moreira de Cónegos, Guimarães), dá Santamaria como primeiro nome que lhe ocorre.
Michel Bras
Vamos agora a Michel Bras, que está nas preferências de Benoît Sinthon, chefe do Il Gallo D’Oro (uma estrela Michelin no Hotel Cliff Bay, no Funchal). “Tenho livros dele dos anos 90 que são de uma actualidade extraordinária, por exemplo na utilização dos vegetais ou até no empratamento”. Kiko Martins (O Talho e a Cevicheria, em Lisboa) destaca a obra e as receitas do chefe francês, assim como Leonardo Pereira, que sublinha o carácter pioneiro de Bras no tratamento do mundo vegetal, muito na linha do que ele pratica.
Agora é a vez de falarmos dos três chefes que mereceram duas menções dos nossos entrevistados. São eles José Avillez (duas estrelas Michelin no Belcanto, Lisboa), Heston Blumenthal (três estrelas no Fat Duck, Bray, Inglaterra) e Andoni Luís Aduriz (duas estrelas no Mugaritz, em San Sebastian, Espanha).
Pedro Nunes diz que gosta muito do trabalho de José Avillez e sublinha que “ele sabe o que quer”. Outro a destacar a influência do chefe português é Belmiro de Jesus, durante anos no Salsa & Coentros e agora à frente do seu próprio espaço, Bela Empada, também em Lisboa. “Até tenho medo de falar nele, porque a sua cozinha não tem nada a ver com a minha, mas a verdade é que o José Avillez tem-me ajudado muito”, garante Belmiro de Jesus.
Heston Blumenthal, um dos principais nomes da chamada “cozinha molecular” é referido em primeiro lugar por Kiko Martins, que chegou a fazer um estágio de cerca de um mês no Fat Duck, e por Renato Cunha (Ferrugem, em Portela, Famalicão), que o coloca entre os maiores inovadores.
Finalmente, Andoni Aduriz, um chefe basco que tem marcado a cozinha de vanguarda espanhola, sempre muito admirado pelos seus congéneres, é uma referência para Leonardo Pereira, que estagiou no Mugaritz por dois meses, e por Leonel Pereira (uma estrela Michelin no São Gabriel, em Almancil). “O Andoni Aduriz é o maior cientista da cozinha, o mais vanguardista, Já lá fui umas seis vezes e fico espantado sempre que volto”, elogia o chefe algarvio.
Saímos agora do mundo profissional para verificar as influências “amadoras”. Para Akis Konstantinidis, um grego radicado em Lisboa há muitos anos, chefe do Can The Can (pratos de conservas de peixe) e o do mexicano Las Ficheras, a verdadeira fonte de inspiração foram os pais. Eles diziam-lhe “atreve-te, experimenta, tenta, cozinha, cozinha outra vez e repete... E no fim, e para ti sentires seguro com o resultado, partilha a sua ideia, a sua comida e ouve com atenção os comentários”. E também os amigos italianos, portugueses e mexicanos. Já para Belmiro de Jesus foram as suas tias transmontanas e para o francês Benoît Sinthon, a avó marselhesa, com quem começou a “mexer nas panelas”.
Outras referências vêm dos autores de livros, com Justa Nobre a destacar Berta Rosa Limpo, a autora do célebre “Pantagruel” (“foi o primeiro livro de que tirei receitas e ideias”), Maria de Lourdes Modesto, Olleboma e José Quitério.
Voltando aos profissionais, estes mais “clássicos”, é de citar João Ribeiro, o célebre chefe do antigo hotel Aviz, que cozinhava para Calouste Gulbenkian, referido por Pedro Nunes; Paul Bocuse, um dos pais da Nouvelle Cuisine, um dos preferidos de Benoît Sinthon, Joel Robuchon, o “cozinheiro do século”, como era conhecido nos anos 80 e que continua a primeira escolha de Luís Baena (actualmente consultor do Mesa do Bairro, em Lisboa) ou Juan Mari Arzak, pioneiro da moderna cozinha espanhola, lembrado por Renato Cunha.
Este chefe minhoto também fala de outros nomes bem conhecidos como o catalão Ferran Adrià, o norte-americano Grant Achatz ou o italiano Massimo Bottura. Sinthon acrescenta Dieter Koschina, o austríaco radicado no Algarve há cerca de 20 anos (Vila Joya, Albufeira), e Kiko Martins o norte-americano de origem coreana David Chang. Leonel Pereira indica o espanhol Quique Dacosta (“o mais criativo que conheço”) e Belmiro de Jesus vai por um nome menos conhecido, Matilde Andrade, da Adega da Tia Matilde, em Lisboa, onde deu os seus primeiros passos como profissional.
Luís Baena refere ainda o brasileiro Alex Atala e é por sua vez posto em primeiro lugar por Marlene Vieira, que com ele trabalhou no antigo Manifesto (“ele pensa a cozinha como ninguém”, justifica a chefe), e depois o seu marido e também cozinheiro João Sá e por fim Nuno Mendes, o chefe português radicado em Londres.
Para acabar, vêm mais nomes indicados por Leonardo Pereira, caso dos franceses Marc Veyrat e Alain Passard, outros “pioneiros” da cozinha com vegetais, o inglês Marco Pierre White e, claro, o dinamarquês René Redzepi, em cujo célebre Noma ele trabalhou cinco anos. Inaki Aizpitarte, (Le Chateaubriand, Paris, nome obrigatório da chamada “bistronomie) e os italianos Paolo Lopriore e Enrico Crippa são também incluídos na extensa lista de Leonardo Pereira que ainda vem com influências extra-culinária: Bruce Lee e David Bowie. “São pessoas muito criativas…”, explica.
Influências e Referências:
AkisKonstantinidis: Pais, amigos italianos, portugueses e mexicanos
António Nobre: Santi Santamaria
Belmiro de Jesus: Tias, Matilde Andrade, José Avillez
Benoît Sinthon: Avó materna, Paul Bocuse, Michel Bras, Dieter Koschina
Justa Nobre: Berta Rosa Limpo, Maria de Lourdes Modesto, Santi Santamaria, Olleboma, José Quitério
Kiko Martins: Heston Blumenthal, Michel Bras, David Chang
Leonardo Pereira: Marc Veyrat, Alain Passard, Inaki Aizpitarte, René Redzepi, Andoni Luís Aduriz, Marco Pierre White, Paolo Lopriore, Enrico Crippa, Bruce Lee, David Bowie
Leonel Pereira: Quique Dacosta, Andoni Luís Aduriz
Luís Baena: Joel Robuchon, Alex Atala
Marlene Vieira: Luís Baena, João Sá, Nuno Mendes
Pedro Nunes: Santi Santamaria, João Ribeiro, José Avillez
Renato Cunha: Heston Blumenthal, Ferran Adrià, Grant Achatz, Michel Bras, Juan Mari Arzak, Massimo Bottura
Foto de abertura (Santi Santamaria):blog.nh-hoteles.es
Foto Michel Bras: vimeo.com