Hesitei em pôr um ponto de interrogação no título deste post, mas decidi que ia arriscar na afirmação, até porque é isso que desejo. Espero que este ciclo maldito, que começou por incluir também a chamada “alta cozinha low cost”, um absurdo que, apesar de ter sido repetido por tudo quanto era jornal, revista, televisão e blogue, felizmente não fez escola, tenha chegado ao fim. Claro que não tenho nada contra casas de petiscos (onde incluo hambúrgueres, pizzas e quejandos) e restaurantes mais em conta, mas julgo que os chefes mais criativos, mais bem apetrechados técnica e culturalmente, nunca devem fazer deles os seus “primeiros restaurantes”, como em tempos temi neste post intitulado “Cozinhar abaixo das possibilidades”, do já longínquo ano de 2009, quando este blogue dava os seus primeiros passos. Porém, outros perigos surgem no horizonte, geralmente sob a forma de inocentes criancinhas, como mais adiante veremos.
Por enquanto, fiquemos com as boas notícias. Passados mais de sete anos, o meu actual optimismo teve início em finais de 2015, com aberturas como o novo Alma, de Henrique Sá Pessoa, o Loco, de Alexandre Silva, ou o Kanazawa, de Tomoaki Kanazawa, que demonstram uma aposta clara e sem medos de um chefe num restaurante que está de acordo com as suas possibilidades. E, ao que sei, outros chefes portugueses, muitos dos quais já possuem restaurantes bem sucedidos, irão nesta linha, abrindo espaços ambiciosos e ousados.
Mas também impressiona o que tem acontecido com restaurantes mais modestos onde, embora com limitações evidentes, a falta de capital para investir não é sinónimo de rendições a cozinhas medíocres, antes pelo contrário, desperta o engenho e a arte dos chefes. Bons exemplos são o Leopold, de Tiago Feio, que continua à espera da mudança para o Palácio Belmonte, o Boi-Cavalo, de Hugo Brito, a cada vez melhor Taberna da Rua das Flores, de André Magalhães e equipa, ou o mais recente Trio, de Manuel Lino, muito superior à cozinha prudente que praticava no Tabik. Com erros e acertos, durem o tempo que durarem, estes restaurantes valem mais do que 30 casas de petiscos.
Até nos hotéis, que em muitos casos eram verdadeiros cemitérios da criatividade dos chefes, se nota essa vontade de dar personalidade e algum risco aos restaurantes. É o caso do Lisboeta, na Pousada de Lisboa, de Tiago Bonito, do Bistro 4, do Cliff Bay em Lisboa, onde, com a consultoria de Benoît Shinton, o chefe João Espírito Santo apresenta pratos que misturam tradições francesas com madeirenses. Ou Ana Moura, no Cave 23, no Hotel do Torel, ou o Nau Palácio do Governador (antigo grupo CS), com o chefe André Lança Cordeiro, ou Ricardo Simões, no Sheraton Lisboa.
Este breve resumo, limitado a Lisboa, das razões do meu optimismo não ficaria completo sem referir dois nomes obrigatórios da “velha guarda”, Miguel Castro e Silva, que depois do Largo se mostra em grande forma no Less e também no De Castro Flores, e Vítor Sobral, que deu a volta à sua antiga Cervejaria da Esquina, transformada em boa hora em Peixaria da Esquina. E como eu gostaria que Luís Baena voltasse a ter um restaurante a sério, ou que Joaquim Figueiredo e Fausto Airoldi regressassem a Portugal, onde julgo que agora encontrariam um ambiente bem mais favorável ao seu talento, experiência e saber.
É claro que nem tudo foi positivo, houve encerramentos e apostas falhadas, como há sempre. E há gente que continua à espera de não sei o quê, de um “investidor”, de um mecenas, de um benfeitor qualquer que os salve do mundo dos petiscos a que se condenaram. E o tempo vai passando. Mas como desculpa para não arriscar, nada como, de preferência com a voz ligeiramente embargada pela comoção, afirmar que “eu quero ver o (s) meu (s) filho (s) crescer”. Se esta frase vier acompanhada por outra - “agora quero fazer uma cozinha simples”-, os sintomas de que estamos perante um caso arrumado são seguros.
Julgo que quem escolhe ser cozinheiro não terá grandes dúvidas de que terá que trabalhar fora dos horários habituais, por isso não compreendo a surpresa. É claro que toda a gente pode mudar de objectivos ao longo da vida, mas parece bastante imaturo alguém não saber aos 20 anos que a profissão que vai iniciar implica certos sacrifícios. Aliás, não é só em Portugal que os chefes têm filhos a crescer e há muitas outras profissões que têm horários que fogem ao normal. Trabalhadores dos transportes e de outras infra-estruturas, médicos, enfermeiros, trabalhadores rurais, polícias, bombeiros, seguranças, trabalhadores da limpeza, hoteleiros, empregados de mesa, jornalistas, publicitários, muitos do que trabalham em centros comerciais, só para citar alguns exemplos que me vêm de repente à memória. E até políticos, vejam lá, como li numa entrevista recente de um antigo ministro e dirigente partidário que se queixava precisamente de que não tinha visto os filhos crescer. Ou seja, quem anda à procura de desculpas para se acomodar encontrará sempre alguma coisa.