A vantagem de alguém ter cozinhado durante umas temporadas num restaurante sem fogão é que já não se estranha quando se depara com um desses aparelhos de casa, básicos (ou perto disso), tipo indução com quatro “bicos” e forno normal. Bom, pelo menos essa é a sensação que se fica quando chega a um dos apartamento da Baixa House, em Lisboa, para um dos jantar pop up que o casal Tiago Feio (chef) e Ana Cachaço (sala), do Leopold, estão a fazer até ao final de Agosto.
Como é do conhecimento o Tiago e a Ana fecharam recentemente o Leopold, o seu surpreendente restaurante de apenas 4 mesas e 8 lugares que tinham numa antiga padaria na Mouraria, para abrirem um espaço com melhores condições no hotel Palácio Belmonte, próximo do Castelo de São Jorge. Porém, enquanto tal não acontece, o casal aceitou o desafio de Maria Ulécia, da Baixa House - um conjunto de apartamentos turísticos num edifício reabilitado do século XVIII, na Baixa lisboeta - e por ali vão circular, de apartamento em apartamento, até final de Agosto.
Estive no jantar em que o chef do Leopold convidou o Hugo Brito, para um “mano a mano”. Há muito que falavam em fazer algo juntos e quando o Tiago lhe falou dessa hipótese para preencher duas noites do seu pop up/residência, o chef do vizinho Boi-Cavalo não hesitou. “Gostámos da ideia de ser num local diferente, de nos colocarmos fora da zona de conforto". Tiago Feio refere que quer continuar a fazer este tipo de encontros e que os mesmos podem até vir a ter uma temática. “Amanhã o tema pode ser um produto, um livro, um filme, etc”.
Quem esteve anteriormente no Leopold, ou viu a apresentação de Tiago Feio no Peixe em Lisboa, nota, além da sua costela conceptual, um lado meticuloso e perfeccionista na forma de encarar e executar as suas propostas. Por isso, quando avisou que neste encontro não havia um conceito e nem se quer tinham combinado os pratos que iriam servir deixou alguma intriga no ar.
Porém, não houve caos. Mesmo numa cozinha com pouco espaço para se movimentarem e com 8 convidados quase empoleirados à sua frente, a tranquilidade e ordem imperaram e a (mini) equipa proporcionou-nos um par de horas com um conjunto de propostas estimulantes, elaborados por dois cozinheiros diferentes mas que se complementam bem neste formato. Se o que serviram não são pratos "definidos ou definitivos”, como referiram no inicio, até que enganaram bem.
Houve experiências, pratos novos mais desenvolvidos e novas roupagens de algumas propostas já conhecidas. Nesta imagem, começando por cima e indo no sentido dos ponteiros do relógio: arroz tufado, creme de chouriço, polvo à lagareiro, molho de ameixa, um simpático east meets west de Hugo Brito. Depois, sabores minerais e vegetais em harmonia no puré de salicornia com algas kombu e pólen, de Tiago Feito. Bem interessantes, também, os churros com petinga e aroma de eucalipto de Hugo Brito. Por fim, esta sequência terminou com um prato de grande sensibilidade de Tiago Feio, com três texturas contrastantes:
puré de abóbora hokaido, tapioca embebida em toranja e trigo sarraceno. Um toque extra amargo ajudaria a espevitar mais os sabores.
Espevitar os sabores, dizia eu. Ora essa foi uma característica que não faltou neste tártaro de algas (algas, alcaparras, mostarda, soja com vinagre de arroz), de Tiago Feio, um cozinheiro cada vez mais interessado (e interessante) a trabalhar ervas marinhas.
E por falar em ervas, juntar algas com ervas do campo (beldroegas cruas) tendo como intermediário um ovo cozinhado a baixa temperatura, como fez no prato acima, o chefe do Leopold, revelou-se igualmente uma aposta ganha.
Coelho com farelo de trigo, caldo de alface e louro e figo. Hum... o aspecto e a textura do farelo não prometia (falou-se em Weetabix...), porém, o Hugo trabalhou tudo muito bem e o resultado foi uma boa e bem elegante surpresa.
A transição para o campo doceiro fez-se com uma bebida de aveia com amêndoa crua e poejo, de sabores suaves, ao estilo de Tiago Feio.
Para terminar, o Hugo Brito brincou aos clássicos: "financier com lemon curd, chocolate branco assado no forno...", só que não: "...com gelado de ervilha". Pow! um toque do vegetal doce a marcar bem o conjunto sem se sobrepor. É o que se chama, terminar em beleza.
No jantar houve ainda um quarto elemento (além dos chefes e da Ana) que teve um papel importante na noite. Refiro-me a Olavo Silva Rosa, que irá com a Ana e o Tiago para o Leopold Belmonte. Nesta noite, Olavo não só preparou um óptimo cocktail de porto branco, mel e vinagre de algas, como foi responsável pelos vinhos “de expressão atlântica” - desencantados na garagem dos Goliardos, com quem o Leopold trabalha - que acompanharam a refeição, do Vale da Capucha alvarinho, ao portentoso Quinta da Serradinha tinto 2009, ambos da região de Lisboa, passando por um Aphros 2009 Loureiro (para acabar com esse mito que os vinhos verdes não envelhecem bem) e terminando num Barbeito 10 anos (que prova que a casta negra mole também pode dar vinhos com personalidade). Touché!
Contactos:
Baixa House. Rua dos Fanqueiros, 81 (Baixa), Lisboa. Reservas: geral.leopold@gmail.com ou 21 886 1697; Preço: 60€ (com vinhos). Os apartamentos variam e podem receber entre 8 e 10 pessoas. Aberto apenas ao jantar.
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Fotos: Miguel Pires com excepção da composição da primeira imagem feita com imagens retiradas do Facebook da Baixa House.