Três anos depois de se ter apresentado pela segunda vez no Madrid Fusión, José Avillez está de volta aos grandes palcos da cozinha mundial com apresentação marcada para o Gastronomika, que se realiza entre 4 e 7 de Outubro em San Sebastian, no País Basco espanhol. Há quem considere que este tipo de fórmula de “congressos” gigantescos está “ultrapassada”. O que pensa disto o único chefe português detentor, desde o ano passado, de duas estrelas Michelin no Belcanto, em Lisboa? “Pode ser que para o público mais conhecedor deste tipo de eventos isso seja verdade, mas acho que para quem se apresenta continua a ser uma óptima oportunidade para divulgar o trabalho que está a fazer e estabelecer contactos sempre muito interessantes com outros cozinheiros e pessoas do meio gastronómico. E o Gastronomika é uma grande referência em Espanha e em todo o mundo”, respondeu José Avillez ao Mesa Marcada.
O convite surgiu há cerca de um ano, aquando da visita de Roser Torras, directora do Gastronomika, ao Belcanto. Ela é também presidente do júri do World 50 Best Restaurants para Península Ibérica e esteve em Portugal para conhecer alguns dos nossos melhores restaurantes, como Miguel Pires relatou neste post. “Vou apresentar alguns dos pratos mais representativos do trabalho no Belcanto, como a nossa versão do cozido à portuguesa, que aliás vai ser dado a provar em minipratos a mais de 300 pessoas no auditório, a sardinha, açorda, carabineiro ou o falso bacalhau, que é topinambo desidratado. É muito aquilo que estamos a desenvolver, pratos com técnicas ditas de vanguarda, mas com uma forte ligação aos produtos e às receitas portuguesas”, explica José Avillez.
Alguns desses pratos são novidades nesta temporada pós-férias do Belcanto, que continua a renovar a carta num ritmo tranquilo e prudente. David Jesus continua a ser, com José Avillez, o principal responsável pelas criações, tendo a cientista Joana Moura deixado de trabalhar com o restaurante nesta área. Alguns dos clássicos de Avillez saíram do menu principal - chamado Menu das Descobertas, que este ano é dedicado a assinalar os 600 anos da expansão portuguesa com a tomada de Ceuta - , caso da “horta da galinha dos ovos de ouro”, o “mergulho no mar”ou o “Ferrero Rocher”, e agora há pratos como uma açorda de sames de bacalhau fumados ou uma nova cabidela vegetal, moleja e coração de vitela curados, espargos e lingueirão, entre outros.
“Mais do que a segunda estrela ou estar na lista dos melhores restaurantes do mundo [entrou este ano, no 91º lugar], o que nos motiva é a qualidade intrínseca do que servimos, a comunicação que conseguimos estabelecer com os clientes, que em 80% ou 90% são estrangeiros, vindos de toda a parte, com sabores bem típicos da nossa cozinha”, sublinha o chefe do Belcanto. “Outro desafio à nossa criatividade”, prossegue, “ é dar resposta ao número cada vez maior de clientes com restrições alimentares. Para os vegetarianos, por exemplo, criámos uma abóbora assada com miso e infusão de rosa ou o tal falso bacalhau, com grão e topinambo”.
A segunda estrela no Guia Michelin teve, no entanto, a sua influência. “Antes, ainda tínhamos alguns lugares vagos aos almoços, mas agora está sempre cheio, devemos ter aumentado uns 15% de frequência. E temos que recusar mais de mil pedidos de reserva todos os meses…”, diz Avillez. Os estrangeiros chegam a ser 90% da clientela, com muitos americanos, brasileiros, franceses e, ultimamente, asiáticos. “Neste momento, o Belcanto, tal como todos os outros restaurantes do grupo, é auto-suficiente, já não é preciso ir buscar dinheiro a lado nenhum para financiar a cozinha que estamos a fazer”, garante. Novos projectos, depois de uma forte fase de expansão, também não estão à vista, nem no Algarve, como chegou a ser falado.
Falta perguntar a José Avillez como vê neste momento a cozinha criativa em Portugal. “Há um certo adormecimento e algumas más notícias, como a saída de Vítor Matos da Casa da Calçada, mas estou com alguma expectativa com a chegada do Miguel Vieira à Fortaleza do Guincho ou com o novo Alma, do Henrique Sá Pessoa, mesmo aqui ao lado, no Chiado. E também há novidades interessantes, como o Leonardo Pereira, do Areias do Seixo, que veio agitar um pouco as coisas, ou a Cevicheria, do Kiko Martins, que é para mim o projecto do ano”.
Continua, porém, ao contrário do que acontece noutros países, a haver pouco diálogo entre os nossos chefes e Avillez não é excepção. “De facto, falamos pouco uns com os outros, fora num evento ou outro. É pena. Eu tenho pouco tempo e tenho viajado bastante, para o Peru, Marrocos, Macau, mais para conhecer a cozinha típica de outros países do que para ir aos grandes restaurantes. Acho que não quero ser influenciado pelo que os outros estão a fazer, por muito bons que sejam. É um bocadinho como um escritor que quando está a escrever prefere não ler livros de outros autores”, conclui.
Fotografia: Paulo Barata