É uma cidade diferente a que se avista no trajecto do aeroporto ao hotel, no Porto de Barcelona, nomeadamente para quem está habituado a chegar pela parte alta e depois percorre a cidade descendo as Ramblas. A perspectiva de atravessar a zona portuária, com toda a envolvente logística escancarada à nossa frente, lembra um belo teatro em que entramos pela porta de serviço, num dia de folga — sobretudo se a vinda for a um domingo, como foi o caso.
Barcelona é uma cidade com uma aura muito especial e um fervilhar que se sente à flor da pele. Pode não ter a dimensão de Londres, Paris ou até mesmo Madrid, mas possui um conjunto de características contrastantes que a tornam única: o monumental e o básico, o novo e o velho, o requintado e o popular, a vanguarda e o tradicional, a urbe e a praia. É verdade que esta aura gera um enorme poder de atracção, o que torna a cidade (e sobretudo quem nela habita) também numa vítima do seu próprio sucesso. Muitas vezes é preciso mesmo ser-se um Messi para fintar as hordas de turistas que se concentram nas principais vias e lugares históricos.
Uma cidade com esta personalidade teria de ter uma identidade gastronómica igualmente forte. E esse é um facto evidente. Se soubermos olhar por entre as multidões e fugir ao engodo do very typical, encontramos lugares onde se celebra à mesa uma boa e diferenciada cozinha: local, catalã, espanhola ou do mundo; numa matriz mais tradicional ou mais contemporânea e em formato à escolha. Pode ser um restaurante de autor, requintado, ou de registo informal; uma casa de comidas em que se frita o peixe do dia (como existe na Barceloneta), ou uma taberna de tapas, em que se bebe um vermute à barra enquanto se pica um par de petiscos.
Espanha será provavelmente o país do mundo que, tendo uma gastronomia tradicional/popular forte, melhor consegue captar visitantes para os seus restaurantes de cozinha de autor. E se o País Basco, nomeadamente San Sebastián, é apontado habitualmente como a principal referência neste campo, a Catalunha não lhe fica atrás. É preciso não esquecer que é nesta região, em Girona, que se encontra o Celler de Can Roca (eleito este ano, de novo, o número 1 do mundo da lista dos 50 melhores restaurantes do mundo) e foi aqui, em Roses, que nasceu o El Bulli e Ferran Adrià, o chef que revolucionou a cozinha mundial nas últimas décadas.
Se é verdade que o restaurante de Roses já não existe (por vontade expressa de Adrià) e que na capital, Barcelona, não há um único três estrelas Michelin, tal não impede (de todo) que se sinta o fervor criativo ao nível da cozinha de autor. E com uma vantagem: ela tirou a gravata e democratizou-se.
Dos sete restaurantes (ou espaços restaurativos) experimentados durante uma semana de estadia em Barcelona, encontram-se alguns dos mais badalados da cidade, sendo que seis pertencem a chefs que ocuparam lugares ao mais alto nível no El Bulli.
Artigo publicado originalmente na revista Fugas do jornal Público de 1 Agosto 2105
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