Há algum tempo que se falava na possibilidade do restaurante Pedro Lemos ganhar uma estrela Michelin. Contudo, poucos eram os que esperavam que tal viesse a acontecer já este ano, a começar pelo próprio Pedro Lemos, que no dia da cerimónia, estava ocupado com a inauguração do seu mais recente projecto, o Stash – uma casa de sandes de autor, descontraída e informal, na baixa do Porto. Porém, os inspectores do guia vermelho já o tinham debaixo de olho e encontraram argumentos para que o galardão fosse dado na recente edição.
A atribuição veio em boa hora. O chefe do Porto parece ter recuperado, finalmente, da desgastante e turbulenta experiência dos Clérigos e o prémio vem trazer um nova dinâmica e, certamente, mais clientes (estima-se que uma estrela pode aumentar em 30% a 40% a facturação). “O Porto é uma cidade difícil para os executantes de uma cozinha mais contemporânea”, dizia-me, em tempos, um chefe local, justificando a sua aversão ao risco e a aposta em modelos de restaurante, mais simples e com maiores garantias de retorno financeiro. Felizmente Pedro Lemos não desistiu da sua cozinha autoral e vê agora o seu esforço recompensado (um aparte histórico: desde 1980 que a cidade do Porto não tinha um restaurante com uma estrela Michelin. Os últimos foram o Portucale e o Garrafão).
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Há muito que queria voltar ao seu restaurante situado numa bonita casa de dois andares, na zona antiga da Foz. A última vez que lá estive foi em 2010 e, na altura, gostei do que vi e comi. Como seria a experiência quatro anos depois?
Fomos os primeiros a chegar numa quinta-feira chuvosa de Novembro, uma semana antes de Lemos fazer história no guia vermelho. Nessa noite, além da nossa mesa, apenas outras três viriam a estar ocupadas. Ainda assim, mesmo pouco habitada a sala, no primeiro andar, não deixa de ser acolhedora: iluminação correcta, decoração sóbria e elegante e o conforto (e aroma) de uma lareira acesa.
Em termos de comidas a oferta não era grande: três entradas, quatro pratos principais e duas sobremesas. Todavia, apesar de minimalista, tinha mais pratos apetecíveis do que o extenso cardápio de muitos outros lugares. Foie gras, carabineiro e salmonete, como entradas; Atum rabilho, garoupa, porco preto e vitela maronesa, como principais; e composições à base de banana e de ananás, como sobremesas. Com estes pratos o cliente pode escolher o seu menu. O de três pratos (entrada, prato e sobremesa) custa 55€, o de cinco pratos, 70€ e o de sete, 90€.
Como éramos dois o menu mais curto foi suficiente para ficarmos com uma ideia das propostas de Lemos, dado que permitia degustar seis pratos.
De couvert, tivemos três tipos de pães (bons, sem serem extraordinários), manteiga de ovelha e gel de azeite – não me parece que o azeite ganhe alguma coisa numa textura mais densa, mas também não vem grande mal ao mundo.
Depois veio o habitual amuse bouche: vitela, puré de cheróvia e cogumelos. Simpático, tenro, guloso – o puré estava mais para o morno do que para o quente mas não havia como não gostar desta conjugação. Este é um campo que Pedro Lemos certamente poderá melhorar, até porque, não raras vezes, é na primeira impressao que se conquista o cliente.
Mas se o inicio de jogo foi um pouco frouxo a partir do primeiro quarto de hora a equipa de Lemos esteve sempre (ou quase sempre) a marcar pontos. Muito boa, a entrada de salmonete, com choco tomate, ervilhas e molho do assado – uma mistura com um toque distinto de sabores familiares de um guisado, como acompanhamento de um peixe nobre. Óptimo, igualmente, o carabineiro com feijão, lulinhas e toucinho - um prato pleno de sabor, reconfortante e outonal. O caldo feito com as cabeças e ‘temperado’ com o toucinho misturava rusticidade e elegância, num equilíbrio que não passou do limite. Ou seja: sem esconder o sabor único do elemento principal, o carabineiro.
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salmonete, com choco tomate, ervilhas e molho do assado
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carabineiro com feijão, lulinhas e toucinho
Nos pratos principais, melhor a carne do que o peixe. Não que o generoso lombo de pargo estivesse mal. Apenas lhe faltava personalidade, sobretudo, na companhia (legumes salteados onde se sobressaia uns espargos, fora de época), que mais parecia de um prato de menu de almoço. Porém, o oposto verificou-se e o nível subiu uns bons degraus com o porco preto alentejano, migas, amêijoas e creme de nabiças. A quantidade de carne pareceu-me exagerada, mas antes isso que o oposto (num menu de três pratos as porções são maiores do que num de cinco ou sete, naturalmente). Mas o mais relevante é que se tratava de um prato de inspiração, bem pensado, que se revelou à medida que íamos provando e conjugando os seus elementos. Além do mais houve detalhes que faziam a diferença, como uma cebola acídula ou um fresco gel de tomate - já na entrada, a do salmonete, tinha-me agradado muito o toque alimonado muito elegante que conferia frescura ao conjunto.
lombo de pargo com legumes salteados
porco preto alentejano, migas, amêijoas e creme de nabiças
O capítulo das sobremesas voltou a brilhar, tal como me recordo de ter acontecido da primeira vez. Também aqui houve inspiração e cuidado no detalhe, quer na composição “ananás, gengibre e sésamo”, quer na “banana, alfazema e pérolas de sagu (tapioca)”, com os frutos a surgirem em diversas preparações e texturas conjugados com outros elementos (maracujá, gengibre, etc), ora contrastantes, ora complementares.
ananás, gengibre e sésamo
Em termos de vinhos o restaurante pareceu-me muito bem. Bons copos, bom serviço e preços muito razoáveis. A carta não é exaustiva, nem possui troféus antigos ou estrangeiros (excepto champanhes) de encher o olho de quem a lê, ou o ego de quem a faz. Porém, está muito bem construída, com praticamente tudo o que de relevante existe no panorama nacional, com um maior destaque para vinhos do Douro e portos, mas igualmente bem representada ao nível de outras regiões. Ao todo serão à volta de 380 referências, das quais, saúde-se, 47 a copo (entre eles, 22 fortificados).
Por último uma referência ao serviço prestado por jovens empregados de sala, preparados e com noção de hospitalidade (falta alguma segurança numa ou outra explicação, mas acima de tudo não inventam).
Desta experiência no restaurante de Pedro Lemos gostei particularmente da sua cozinha de sabor e do seu talento e inspiração para conjugar tradição e rústico com modernidade, sem dispensar, aqui e ali, os detalhes que fazem a diferença. Gostei ainda do ambiente requintado, mas sem grandes formalismos, da carta de vinhos e do serviço. Haverá afinações a fazer, por certo, mas o mais importante está lá.
Preço médio (com bebidas): 80€ (com vinhos); por esta refeição pagou-se: 165€ (2 pessoas - com vinhos a copo).
Contactos: Rua Padre Luís Cabral 974, Porto (+351) 22 011 5986 ; aberto de terça a domingo 12:30h - 15:00h e 19:30h - 23:00h
Classificação:
Cozinha:18 ; Sala:18; vinhos:18
Texto publicado originalmente na revista Wine de Janeiro 2015
Nota: já depois deste texto ter sido escrito e publicado na Wine o restaurante fechou para obras e reabriu a meio de Fevereiro. Houve alterações a vários níveis, conforme pode ser lido no comunicado de imprensa que publico (parte) abaixo:
Passados cinco anos da abertura do restaurante de cozinha de autor, Pedro Lemos recebeu uma Estrela Michelin, um forte reconhecimento do trabalho apaixonado realizado até então. Este foi também o mote e a motivação para avançar com as obras. Enquanto a equipa Pedro Lemos usufruía do mês de descanso, o Chef transformava-se em Mestre-de-obras: “as melhorias são significativas, a nível acústico, de climatização, de iluminação, etc. Além disso, mantendo a estrutura do edifício, ganhei mais espaço, tornei o Restaurante mais harmonioso e menos formal, o que me permite oferecer ao cliente maior conforto, para que possa estar totalmente concentrado na companhia e na degustação”.
O Restaurante divide-se agora em 4 zonas distintas: no piso inferior - a receção e a zona de aperitivos com garrafeira, e no andar superior - a sala do restaurante e o terraço, que inclui mesas para os dias mais quentes e uma horta biológica.
A grande novidade é, sem dúvida, o espaço para aperitivos, uma sala que exibe a garrafeira do Restaurante, que foi pensada como pitstop antes da refeição, mas que pode servir também para jantares mais descontraídos, para o Chef receber amigos, para eventos especiais, entre muitas outras ideias. A mesa comprida convida a petiscos e a conversas animadas, sem que isso interfira com a sala de refeições, no piso superior, onde a discrição e a tranquilidade devem ser as palavras de ordem.
Uma vez subidas as escadas, a sala de refeições ganhou amplitude. A decoração está mais simples e moderna. O espaço ganhou um tom cinza basalto com a madeira de kambala a contrastar, e a luz solar e a artificial tomam as rédeas do espaço. O resultado está à vista: um ambiente mais “clean” mas com o mesmo conforto de outrora.
Lá fora, a horta biológica tem mais de uma dezena de legumes, que crescem viçosos. “O objetivo é utilizar os legumes na cozinha do Restaurante, o que aliás já está a acontecer. A minha cozinha respeita os ciclos da Natureza e baseia-se nos produtos da época, pelo que as colheitas do momento são sempre as protagonistas da Carta. Com a horta, diminuo os desperdícios da cozinha e reduzo a pegada ecológica do Restaurante”, acrescenta o Chef Pedro Lemos.
A Carta do Restaurante Pedro Lemos também foi alvo de remodelações. A partir de 2015, os clientes podem escolher um de três menus à disposição. Mantêm-se os menus de degustação de 4 (70 euros) e de 6 pratos (90 euros), mas passa a existir um Menu especial de degustação, disponível apenas com reserva antecipada, que terá cerca de 10 pratos (120 euros) e cuja composição será totalmente fruto da inspiração do Chef – uma surpresa portanto.