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Ficar na cozinha ou ir às mesas?

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Na sequência do artigo"O chefe está?", publiquei este outro, com o ponto de vista dos clientes, na edição de Janeiro/Fevereiro de 2013 da revista Comer. Aqui fica, na íntegra.

 

A experiência de ir a um restaurante não se esgota em pedir pratos, comer e pagar a conta. Há um sem números de pequenos actos e até de “rituais” que contribuem para a satisfação ou insatisfação dos clientes, para a sua vontade de voltar e recomendar esse restaurante ou, pelo contrário, nunca mais lá pôr os pés. Um desses “pequenos actos” que podem assumir grande importância, sobretudo nos restaurantes de cozinha criativa, às vezes denominada “cozinha de autor”, é a ida dos chefes às mesas e o diálogo com os clientes. Desta vez, decidimos perguntar a estes últimos como vêm a questão, falando com quatro gastrónomos lisboetas e dois críticos gastronómicos.

 

“Não era tradição em Portugal o chefe vir à mesa, mas eu acho que é importante, principalmente nos restaurantes de cozinha moderna, em que os pratos ganham em ser explicados aos clientes”, afirma Manuel Gonçalves da Silva, um dos nossos mais experientes críticos gastronómicos, com cerca de 20 anos de ofício, actualmente colaborador da revista “Visão” e de outras publicações. “Essa explicação também poderia ser dada por um empregado, mas como o serviço de sala é geralmente mau entre nós e eles não estão preparados para ela, a tarefa acaba por recair sobre o chefe de cozinha”, explica.


De facto, é consensual entre todos os que foram ouvidos neste artigo que é na cozinha criativa que a vinda do chefe à mesa é mais útil, para “explicar” como são as suas criações culinárias e chamar a atenção para aspectos menos evidentes que elas contêm. Mas há também outro lado, que é o de “Relações Públicas”, ou seja, trocar impressões com os clientes sobre a refeição que estão a ter, responder a eventuais perguntas, agradecer cumprimentos ou aceitar críticas. E é aqui que a coisa fia mais fino.


O engenheiro civil João Ceppas almoça e janta fora todos os dias: “Algo que me irrita são chefes que vão dez vezes há mesa a perguntar se está tudo bem e nunca ouvem a resposta. E outros que me irritam são aqueles que mal fazemos uma observação menos elogiosa, discordam logo, às vezes até de forma desagradável. Se não têm poder de encaixe, para que é que perguntam?”.


Outro emérito gastrónomo e também engenheiro de profissão (electrotécnico, trabalhando na PT), Artur Hermenegildo vai na mesma linha. “Não faço questão que o chefe venha à mesa, ou até que esteja presente no restaurante, desde que a cozinha funcione bem sem ele, mas se vem tem que ter capacidade de ouvir e responder às críticas. Percebo também que, sobretudo em restaurantes mais pequenos, na hora do movimento, ele não tenha tempo para isso, mas acho que é importante que estabeleça uma certa interacção com os clientes. Uma vez reclamei de um prato que estava nitidamente salgado e pedi para o chefe vir à mesa. Era uma figura bem mediática, mas mandou dizer que não podia vir e que o prato era mesmo assim…É claro que nunca mais lá fui.”


Esta inaptidão de muitos chefes portugueses para as “Relações Públicas” é também referida por Hugo Campos, fotógrafo especializado em gastronomia (colabora com o “Público”) e responsável por uma escola culinária, que salienta outro aspecto desta questão. “Vê-se que há chefes que por terem um feitio mais reservado, ou alguns até por se expressarem mal em português, fazem um esforço para sair da cozinha e vir às mesas. Só que depois fica aquele vazio, em que somos nós que temos que fazer as despesas da conversa…Nesses casos, é melhor não aparecerem e deixarem-nos sossegados a apreciar os seus pratos…”


Será que esta falta de à vontade na relação directa com os clientes pode também afectar o juízo de um profissional que tem por missão avaliar um restaurante? O crítico gastronómico Miguel Pires, que colabora com a revista “Wine”, com o “Público” e com outros meios, sendo um dos membros do blog Mesa Marcada, diz que não. “É verdade que hoje em dia os chefes ganham em estar bem preparados para se expressar em público e que os clientes gostam de ver que eles estão nos restaurantes a que dão nome. Mas parece-me que muita gente compreende que, por diversas razões, eles nem sempre podem aparecer. Para mim, o essencial é que a refeição corra bem. Mas se o chefe estiver e vier à mesa ou nos chamar à cozinha para trocar impressões, tanto melhor, é a cereja em cima do bolo”.


Por fim, falámos com o empresário António Moura, frequentador habitual das melhores mesas de Portugal e de muitos outros países, que confirma a vantagem dos chefes que são bons “Relações Públicas”. “Nem que seja só para nos vir cumprimentar com um sorriso, acho que um chefe já ganha pontos na opinião dos clientes. Se tiver boa capacidade de diálogo, ainda melhor”, sublinha, salientando, no entanto, que nessas conversas com os chefes, nunca faz críticas, só diz o que correu bem. “Seja em que país for, os chefes nunca aceitam as críticas assim, directamente. Cria-se mau ambiente e estraga-se a refeição”, considera.


Destas opiniões que ouvimos, ficam diversas conclusões. A saber: na cozinha moderna é importante que haja alguém na sala que “explique” os pratos, de preferência o próprio chefe; que nessa ida à mesa é preciso saber lidar com críticas, mesmo quando não se concorda com elas; que os restaurantes têm vantagens em ter chefes que sejam bons “Relações Públicas”, com capacidade de diálogo; que é preferível que quem não tem feitio para desempenhar bem esse papel fique resguardado na cozinha. Por fim, todos os nossos entrevistados, apesar de serem experientes gastrónomos, levam a mal que um chefe vá só a certas mesas e não vá a outras. Regra de ouro final: se não há tempo ou disponibilidade para ir a todas mesas é melhor não ir a nenhuma…

 

Ilustração: Do-Able Design


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