Recentemente foi-me dado a conhecer o projecto Endógenos de Nuno Nobre e de António Alexandre (Chef Executivo do Lisbon Marriott Hotel, e do 100 Vícios em Cascais, onde faz uma cozinha mais personalizada). Este projecto tem como objectivo a valorização, preservação e dignificação de produtos endógenos portugueses.
Periodicamente é seleccionado um produto endógeno nacional, tendo em conta a sua sazonalidade e período óptimo de consumo, e é organizado um jantar com um menu de degustação em que este está necessariamente presente em todos os pratos. São ainda escolhidos outros produtos endógenos que o ajudarão a brilhar. Para estas experiências gastronómicas é lançado um convite/desafio a um dado chef e o jantar organizado no seu restaurante. No primeiro jantar o produto estrela foi o medronho, fui convidada para o segundo em que a vedeta era o ouriço-do-mar, e que foi confeccionado pelo Chef António Alexandre e a sua equipa no restaurante 100 Vícios em Cascais.
No final de Janeiro, num desagradável dia de chuva (o que não é original neste inverno…) cheguei curiosa com o original desafio, mas com a certeza que tinha boas hipóteses de me agradar, porque gosto muito do sabor iodado do ouriço do mar. Pelo que fui ouvindo de muitos dos outros participantes (cerca de 50), a maior parte nunca tinha provado estes estranhos bicharocos. Isto é uma boa prova da relevância de um projecto com estas características.
Os ouriços do mar são bichos estranhos. Equinodermos (tal como as estrelas do mar), são animais invertebrados marinhos caracterizados por uma simetria radial na fase adulta. Assim, ao abrir um ouriço encontram-se, protegidas por uma carapaça coberta de espinhos, 5 “línguas”, que de facto são os órgãos reprodutivos do ouriço. Estas têm uma textura cremosa e um profundo sabor a mar. Os que nos iam servir tinham chegado de madrugada, para garantir uma frescura absoluta.
À medida que os participantes no jantar iam chegando, era-lhes oferecida uma bebida, criada pelo escanção Manuel Peixoto para a ocasião: Ouriço Royal - confeccionada com vinho do Porto Brumester e ouriço, com um forte sabor a mar. No primeiro golo estranha-se o sabor inesperado, depois… entranha-se. Bem interessante! Algum tempo depois de ter terminado o sabor ainda estava bem presente. Todo aquele umami era uma boa preparação para o que se seguia.
No menu o ouriço foi secundado por outros dois produtos endógenos, chouriço e a batata doce. Não são escolhas óbvias… e o resultado foi o que se segue.
Pastéis 100 Tradições
Ouriço, Batata Doce e Chouriço
Vinho: Porto Brumester Seco
A expectativa ao abrir o pacote, e depois para descobrir qual era qual, criou um interessante momento de interacção à mesa.
Duouriço
Primeiro momento: Garoupa, Vinagrete e Ouriço
Segundo momento: Ouriço, Sapateira, Algas, Sésamo, Natas, Ovas de Salmão
Vinho: Quinta Azevedo - Vinho Verde
Muito bonito o prato, gostei particularmente do carpaccio com a vinagrete com um discreto, mas presente, sabor a ouriço.
Num Mar Caldo
Ouriço, Lavagante, Batata Doce
Vinho: Duque de Viseu - Branco
Raviolli de ouriço e lavagante num caldo dos mesmos, por baixo do raviolli uma rodela de batata doce conferia um contraste de textura, densidade e sabor muito agradável.
Vaga de Maré
Pampo, Manteiga de Ouriço, Arroz, Lima, Algas e Salicórnia
Vinho: Duque de Viseu - Branco
Um prato que agradou à generalidade das pessoas, mas confesso que achei a presença do ouriço demasiado discreta, e penso ser o prato em que era mais fácil introduzi-lo.
Areias do Montado
Codorniz, Queijo, Ouriço, Batata Doce, Chouriço
Vinho: Casa de Sabicos A.T.N. - Tinto
O ouriço estava bem presente num creme de queijo que recheava a codorniz.
A excitação era grande, a seguir seria a sobremesa. Com chouriço, batata doce, ostras, ouriço? Havia alguém que sugeria que seria sensato terem uma mousse de chocolate de back-up…
Rochas
Chouriço e Batata Doce – Ostra – Ouriço
Vinho: Favaios Moscatel
Chegaram e tacinhas de leite creme, todas semelhantes, mas todas diferentes… sentia-se a excitação e curiosidade. E era com um sorriso de alívio que quase todos anunciavam que era bom. Era mesmo… Uma boa forma de acabar o jantar, pelo ambiente que se criou e pela sobremesa em si. Comi primeiro o de chouriço e batata doce, a seguir o de ostras que era delicioso, mas o de ouriço não ficava atrás. Era justo que acabasse com ele, até porque tinha a certeza que o sabor forte iodado a mar perduraria por algum tempo, e também porque o ouriço era a estrela da noite.
O 100 vícios que abriu com a equipa actual há cerca de 1 mês, tem amplas instalações, um magnífico terraço de onde se vê o mar (pena a chuva), que está aberto todo o dia, para uma bebida, um snack… Mas num restaurante a cozinha tem um papel decisivo, a do 100 Vícios ainda precisa de grandes melhoramentos, pois estava preparada para outro tipo de cozinha e serviço e é bem pequena. Como era possível que tudo aquilo tivesse sido ali feito, e por uma equipa tão pequena!
Gostei da experiência, que achei que tinha uma excelente relação qualidade/preço, vinte e cinco euros pela experiência completa, incluindo os vinhos. Despertou-me ainda a curiosidade relativamente a um projecto que nos dá a conhecer produtos endógenos, mas produtos pouco comuns, pouco explorados, o que torna estes jantares particularmente originais e interessantes.
Contactos: Restaurante 100 Vícios
Travessa da Alfarrobeira, 2, 4º andar, 2750-285 Cascais
21 824 6044