Quantcast
Channel: Mesa Marcada
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1424

O lado bom da Michelin

$
0
0

Se antes do anúncio do guia Michelin Espanha e Portugal para 2014, que decorreu há uma semana em Bilbau, alguém me perguntasse 50 restaurantes portugueses que poderiam conquistar uma estrela, jamais me ocorreria citar o L’And. E também não consideraria provável a recuperação da estrela pelo Eleven. Creio que o mesmo aconteceria se a pergunta fosse feita a 99% das pessoas que acompanham de perto os restaurantes portugueses. Infelizmente, pelo lado negativo, já temia a perda da estrela do São Gabriel, não por causa da competência do chefe Leonel Pereira, que é enorme, mas sim pelo facto deste restaurante algarvio ter mudado de cozinha e de propriedade num só ano. E o guia não gosta lá muito de mudanças abruptas…
Dizemos muito mal do Michelin, impacientamo-nos com a demora em reconhecer o talento dos nossos chefes, achamos que é injusto na atribuição de estrelas, duvidamos da capacidade dos seus inspectores em compreender a nossa cozinha. Eu, todos os anos há já bastante tempo, também partilho desses sentimentos, mas procuro não deixar de ver o lado positivo que o guia centenário pode ter. E este ano isso ficou evidente, com as estrelas para a cozinha de Miguel Laffan e Joachim Koerper.
Sobre o primeiro, a grande surpresa, devo dizer que nunca fui ao L’And, mas que tive uma conversa muito interessante com ele num almoço na Quinta do Poial, de Maria José Macedo. Fiquei com a impressão de alguém culto e sereno, actualizado com a cozinha dos nossos dias, bem preparado para fazer o seu percurso. Devo dizer, o seu a seu dono, que a primeira e única pessoa que me lembro de me ter alertado para a qualidade do trabalho de Miguel Laffan foi Mário Morais, então director do Grupo Lágrimas. Fui adiando a visita e agora arrependo-me da minha inércia…
Sobre o Eleven, que conheço bem, nunca percebi porque perdeu a estrela, embora ouvisse muitas queixas de pessoas que não tinham gostado de lá ir, quase sempre devido a problemas com o serviço. Ora aí tenho uma “dificuldade”, já que sendo velho conhecido da casa, sou sempre muito bem tratado. Mas na parte da cozinha raramente havia queixas bem fundamentadas e quase sempre atribui-as a uma “má vontade” que incidiu sobre o restaurante desde a abertura, provavelmente por causa de ser propriedade de “milionários”, algo que muita gente não perdoa em Portugal. Não por acaso, estrangeiros que nos visitam, inclusive jornalistas, críticos e profissionais (lembro-me, por exemplo, de Alex Atala, quando veio ao Peixe em Lisboa), que não ligam a isso, só tinham elogios para a cozinha de Koerper.
Mas temo que a má vontade vá continuar, a julgar pelo tom indignado com que algumas pessoas “saudaram” a reconquista da estrela pelo Eleven, contrariando a sua grande sapiência, que já tinha condenado o restaurante a um declínio irreversível que culminaria com a falência e encerramento…E que Joachim Koerper, sabendo disso, até já se teria mudado para o Brasil…Enfim, era bom que soubessem que, mesmo a nível internacional, perder uma estrela e depois reconquistá-la é um feito raro, ao alcance de poucos, o que só pode ser motivo de orgulho e alegria para quem vive em Lisboa.
Voltando a Miguel Laffan e ao destaque que agora a Michelin lhe deu, fico muito satisfeito por ver que temos agora um conjunto de cinco chefes portugueses a rondar os 35 anos (uma óptima idade para um cozinheiro, quando já tem bastante experiência e ainda muita força criativa e ambição) distinguidos pelo guia, com os benefícios e os incentivos que uma estrela pode implicar. Era bom que João Rodrigues (Feitoria), José Avillez (Belcanto), Miguel Laffan (L’And), Ricardo Costa (Yeatman) e Vítor Matos (Largo do Paço), sem prejuízo de outros chefes portugueses que não tendo estrela estão no mesmo patamar ou de estrangeiros radicados em Portugal, falassem entre eles, trocassem experiências, promovessem intercâmbios entre membros das suas equipas, que de alguma forma liderassem um movimento de melhoria e renovação da nossa cozinha, cada um com o seu estilo e a sua personalidade, mas conscientes da força que juntos podem representar.
Sendo eu optimista por natureza e lembrando-me do panorama desolador de há 15 anos, quando comecei a trabalhar nesta área, quando parecia que as estrelas Michelin em Portugal só estavam ao alcance de chefes estrangeiros, acho que em breve teremos outras surpresas, novos “Miguéis Laffans” que nos mostrarão que há muito espaço para a cozinha criativa e bem feita crescer entre nós. E, por favor, deixem os petiscos e a cozinha da mãezinha para quem nasceu para o fazer.

 


Viewing all articles
Browse latest Browse all 1424

Trending Articles