Entre 15 de Abril e 2 de Maio tive o privilégio de acompanhar de perto o Craft, o evento que Nuno Mendes levou a cabo no seu restaurante Viajante, em Londres. Foram 6 noites, 6 jantares em duo entre Mendes e um conjunto de chefes de várias nações que estão num momento alto das suas carreiras.
Já aqui tinha escrito sobre o jantar de abertura com José Avillez, que apelidei de “histórico, memorável, único”. Agora, já com alguma distância, reitero o que escrevi e reforço: este jantar de verdadeira comunhão entre os dois chefes portugueses foi o melhor de toda uma série que já de si foi de grande nível.
Dizia eu nesse post inicial, que normalmente no formato de duo “o chef anfitrião solicita ao seu convidado que envie uma lista com os pratos que pretende fazer. Depois junta os seus e tenta conjugar um menu com uma sequência lógica. Umas vezes resulta, outras mais ou menos, mas é raro haver um verdadeiro valor acrescentado. Ontem houve”. Na verdade, em todos estes duetos do Viajante, o todo foi sempre superior à soma das partes.
Isto diz muito da excelência dos chefs envolvidos, mas mais ainda de quem recebe. Nuno Mendes não é apenas um chef de grande nível, ou uma mente criativa em permanente ebulição. Ele é também um anfitrião exemplar. Em primeiro lugar na forma como integra os seus pratos nos diferentes menus. Depois, na forma como gere o protagonismo tentando sempre valorizar os chefs convidados.
"gema de ovo trufada" de Eneko Atxa, onde a trufa, numa redução liquida é injectada na gema de ovo com uma seringa
guisado com queijo Idiazabal de Eneko Atxa
Curiosamente o segundo jantar, com o espanhol Eneko Atxa, do 3 estrelas de Bilbau, Azurmendi, foi talvez aquele que ficou um pouco aquém do que esperava. Pareceu-me que houve alguma falta de empatia entre os chefs. Ou, o mais provável é que tenha sido entre mim e as propostas do chef basco. Eneko Atxa pratica uma cozinha de grande sensibilidade e identidade. É muito puro nos sabores e tecnicamente perfeito. Se no guisado com queijo Idiazabal (na foto) existe uma grande intensidade de sabor, em outros pratos, como as ‘ervilhas lágrimas’ (ervilhas no estado inicial de desenvolvimento) faz um pouco a apologia da insipidez (que Andoni Aduriz defendeu no ano passado quando esteve no Peixe em Lisboa) para destacar uma textura ou um sabor menos evidente. É interessante, mas não arrebata.
Kobe Desramaults e o seu ‘pombo envelhecido dois meses em palha’
Já o belga Kobe Desramaults do In Da Wulf (Bélgica), surpreendeu, mesmo que não tenha sido unânime. O jantar começou com uma infusão absolutamente incrível de bagas (“Rowan berry”), ervas e flor de Sabugueiro e continuou num ‘mano a mano’ entre os chefs como se os dois se encontrassem todos os fins de semana para bater bolas. Fantástica a ‘morcela’ (black pudding) com rabo de porco e couve rouxa (Kobe Desramaults) e, mais ainda, a presa de porco Ibérico com topinambo (Nuno Mendes). Até que chegou o ‘pombo envelhecido dois meses em palha’, um prato emblemático e nada fácil do De Wulf. Houve quem adorasse (Nuno Mendes é fã) e houve quem comesse sem adorar (inclusive a parte que cabia à colega do lado, para não parecer mal :). Felizmente, de seguida, chegou a pré-sobremesa que é uma das propostas que mais gosto do Viajante: pepino (em pickle doce e gelatina) com gelado de leite reduzido - a prova de que as fronteiras entre o doce e o salgado não são estanques.
"pregado om baunilha, pele de leite e salicornia" de Nuno Mendes
"ostra, repolho e couve", de Rasmus Kofoed
No dia seguinte não pude comparecer no jantar do Gastón Acurio, o que foi uma pena, mas estive depois no do dinamarquês Rasmus Kofoed.
O chef do restaurante Geranium, em Copenhaga é um talento, ou não tivesse ele ganho o Bocuse d’Or duas vezes consecutivas. A dúvida era saber se, por um lado, era só tudo perfeitinho ou se havia alma e, por outro, se se encaixava, no perfil dos ‘novos nórdicos’. Ora Kofoed mostrou ter alma e identidade própria, ainda que não desalinhado do movimento nórdico. Como a vertente não latina de Nuno Mendes tem momentos em que se aproxima dos climas mais frios a norte (nos fermentados, nos extractos e no trabalho com lacticínio e com legumes – pele de leite e gelados de legumes, por exemplo) foi um enorme prazer como as propostas de ambos se alinhavam em sintonia, sem perderem identidade.
André Chiang (com Nuno Mendes no passe) na cozinha aberta para a sala do Viajante
Coube a André Chiang, do Restauarant André, em Singapura (que na véspera tinha-se classificado na 38ª posição na lista dos 50 Melhores do Mundo. André é natural do Taiwan mas a sua formação é francesa. Gostei bastante da sua cozinha ‘ocidental oriental’ e mais uma vez da forma como ambos os chefs se alinharam. Pratos como o “ostra/coral/ água do mar/e maçã granny smith” (de Chiang) ou as “peles de bacalhau com cebola, salsa e batatas” (bochechas de bacalhau envolvidas na pele do próprio peixe. O caldo também é feito com a pele e leva em cima fiapos de batata), foram absolutamente sublimes!
“peles de bacalhau com cebola, salsa e batatas” de Nuno Mendes (bochechas de bacalhau envolvidas na pele do próprio peixe)
Mesa Marcada em Londres com o apoio da TAP