Quantas vezes no apetece fazer uma pausa na rotina do quotidiano, viajar um pouco? Tantas! Nem sempre dá para fazê-lo literalmente, mas uma boa alternativa é viajar à mesa. Procurar outros sabores, outras interpretações dos mesmos alimentos e da organização de uma refeição. Felizmente vamos tendo por cá cada vez mais oportunidades de o fazer. Há dias, uma refeição no Arola, na Penha Longa, fez-me reflectir sobre isto e fez-me viajar…
Sentados à mesa, logo nos puseram, pão, alho, tomate, sal e azeite. Sem mais dicas, diríamos que estávamos na presença de uma série de produtos característicos da cozinha portuguesa. Contudo, não é nossa tradição colocá-los num couvert ou usá-los da forma proposta.
Passar o dente de alho pelo pão torrado, depois o tomate, umas pedras de sal e um fio de azeite. Simples, delicioso, e um sabor que nos transporta imediatamente para outras paragens, que evoca outros locais, outras experiênciase até algum exotismo quando cá dentro vão ressoando as palavras Pa amb tomàquet.
O conceito da refeição é descrito pelo próprio Arola como pica-pica, ou seja pequenas tapas, o picotear tão característico da Barcelona. Um menu sem pratos principais, em vez deles uma sequência de pequenos pratos, simples, para partilhar. No entanto o restaurante tem o nome do chefe, e Arola diz que usa a cozinha como uma forma de expressão, portanto eram de esperar que essas tapas reflectissem a sua origem, as suas vivências e experiências, mas com um toque pessoal. Assim foi…
Uma série de bons pratos, frescos, divertidos, surpreendentes por vezes, como no caso das lulas em que a forma de comer, o complemento de texturas e sabores o transformavam num prato muito bom e divertido. Mas não podiam faltar as famosas batatas bravas do Arola.
Nem a tortilha espanhola. Esta também numa interpretação própria: cubos de batata, a cebola frita numa cavidade no interior da batata e por cima a gema de ovo crua.
Mas era mesmo uma gema? Por questões de segurança alimentar não é permitido servir gemas de ovo… Aqui as novas técnicas ajudam: gema de ovo esferificada, que parece mesmo de verdade! A técnica da esferificação tinha já sido usada noutro prato, com o objectivo de surpreender de surpreender. No prato de bacalhau as azeitonas escuras eram verdadeiras, as verdes esferificações de sumo de azeitona que rebentavam na boca. Neste prato, o objectivo era apresentar, sem riscos, o que sempre se fez, mas que agora não se pode fazer.
Chega a vez do leitão. As nossas referências, memórias, e por conseguinte expectativas, são sempre as de um leitão com a pele estaladiça. Pois aqui não era. Cozinhado lentamente, macio, com uma pele gelatinosa, com pimento e uvas. Tão diferente do que nós faríamos. Se viajarmos, sem preconceitos e de espírito aberto, há uma descoberta constante. Esta foi uma delas. Tão diferente e tão bom.