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Hambúrgueres sem vender a Alma

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Quinta-feira, feriado, noite de lua cheia e de jogo do Benfica na televisão. Achei que era a altura ideal para ir conhecer o novo espaço de Henrique Sá Pessoa, o Cais da Pedra, à beira Tejo, na zona da Bica do Sapato. Gostei muito da decoração e do ambiente, um antigo armazém portuário reconvertido, como é habitual naquelas bandas, com quatro grandes espelhos numa parede a dar profundidade e cozinha aberta, tipo “linha de montagem” na parede oposta (na foto).
O luar sobre o rio por si só já valia a visita, mesmo que o vento frio não permitisse aproveitar a simpatiquíssima esplanada, que julgo, será um local privilegiado para um cocktail de fim de tarde (há 12 criados especialmente para a casa por David Palethorpe) ou para estar numa noite de Verão, quando elas chegarem. Falta ainda o toldo, disse-me o próprio Sá Pessoa, que nestes primeiros dias do Cais da Pedra tem procurado estar por lá. E tem estado feliz com o êxito da abertura, servindo muitas refeições e colhendo boas reacções. De destacar a conveniência dos horários: cozinha sempre aberta do meio-dia à meia-noite (até às 2h nas noites de sexta e sábado, com abertura às 10h aos sábados e domingos).
Não pensava que os hambúrgueres tivessem um papel tão central na lista dos pratos, mas a verdade é que além deles (com variações de salmão, de frango e vegetariano) há alguns carpaccios de entrada, três ou quatro saladas, um bife e, pelo que recordo, pouco mais. Experimentei o Cais da Pedra, com queijo da Ilha de São Jorge, cebola caramelizada, compota de tomate e manjericão, e o Spicy, com guacamole, queijo cheddar e relish picante de tomate. Muito bom o pão, fofo e capaz de absorver molhos sem ficar demasiado mole, e a carne, solta e não “prensada”, como se vê por aí, num ponto perfeito para quem como eu pediu “médio”. Falta talvez dar mais nitidez aos restantes ingredientes, mal senti o guacamole, por exemplo, ocultado pelo sabor forte do relish, ou a cebola caramelizada. Mas nada de grave. Boas batatas fritas caseiras a acompanhar e uma razoável salada coleslaw. Para sobremesa, um gigantesco brownie, de surpreendente leveza, com gelado de baunilha. Tinha-me esquecido do couvert: bons pães de Mafra em bola (dos três servidos, levei dois para casa para o pequeno-almoço do dia seguinte…), azeitonas Kalamata e croquetes caseiros e quentes que souberam muito bem.
Apesar de Henrique Sá Pessoa ter feito questão em me convidar (uma vez sem exemplo, garantiu-me, em nome da euforia da abertura e do facto de já nos conhecermos há um bom par de anos…) creio que, bebendo uma imperial e uma caneca de cerveja, mais cafés, a conta andaria pelos 40/45 euros para duas pessoas, já que os hambúrgueres estão quase todos por 12 euros, um pouco menos nos mais básicos, mais no “Rossini”, creio que 20 euros, que leva foie gras e algo que deve lembrar trufas.

Não prometo voltar muitas vezes, porque não partilho dessa obsessão algo adolescente por hambúrgueres que há em Portugal e noutros países que julgamos de paladares mais adultos, mas acho que Sá Pessoa encontrou uma maneira muito digna de satisfazer esse mercado inesgotável e de com isso ganhar dinheiro que lhe faz falta para poder praticar cozinha a sério no Alma. Situação semelhante à de José Avillez, este agora também dedicado a pizzas para poder sustentar o Belcanto. A mim, interessa-me mais o que Sá Pessoa, sem dúvida um dos grandes talentos da sua geração, que tem andado algo estagnado nos últimos anos, ainda tem para nos oferecer na área da cozinha requintada, criativa, elitista, complexa e, necessariamente, mais cara.

Foto: Sabores Sapo


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