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Restaurante Feitoria

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Chef Cordeiro, o sub-chef João Rodrigues e a restante equipa do Feitoria - Foto: Paulo Barata

José Cordeiro tem sido um dos chefes de cozinha mais em foco no último ano e meio. A presença como júri em concursos como o Masterchef ou, mais recentemente, o Top Chef, projectaram-no como uma figura mediática. Além disso, no final do ano passado, houve, igualmente, o reconhecimento por parte do guia Michelin, que atribuiu uma estrela ao Feitoria. Curiosamente, este último galardão veio numa altura em que se notava um certo desinvestimento, quer ao nível da cozinha, quer ao nível do serviço - provavelmente derivado aos elevados custos que um restaurante como este sempre acarreta. Tinha curiosidade em verificar os efeitos destes factores na frequência do restaurante e, acima de tudo, na qualidade do mesmo.

Esplanada do Feitoria - Foto: Paulo Barata

O primeiro motivo de satisfação foi o de encontrar a casa quase cheia (metade estrangeiros, metade portugueses), numa quarta-feira e em dia de transmissão de um jogo de futebol importante - o Real Madrid x Barcelona, cujo impacto, hoje em dia, é assinalável. O segundo teve a ver com o serviço, que revelou estar ao nível do que se espera num restaurante com estes pergaminhos. De facto o atendimento foi prestado com amabilidade, conhecimento de causa e respeito pelos tempos certos – sem pressas, nem demoras, sem empurrar ou pressionar consumos. E em termos de comida?

 As propostas de Cordeiro continuam coerentes com o conceito inicial de uma cozinha contemporânea “que se debruça sobre o mundo, mas que se deixa mergulhar em terra firme nas nossas raízes e tradições”. O ‘falso ravioli de camarão, dashi, coentros, lótus e jasmim’, ou a ‘degustação de porco Lombinho com alcachofras, pezinhos com nectarinas, bochecha estufada e barriga crocante com puré de abóbora’, são dois exemplos que encaixam nesta sua definição e fazem parte de uma carta que é curta, (5 entradas; 5 peixes, 5 carnes, 6 sobremesas, 1 prato de queijos nacionais), mas que contem vários pontos de interesse.

Sala do Feitoria - Foto: Paulo Barata

Sendo um restaurante de cozinha de autor é natural que haja uma aposta nos menus de degustação, que sofreram uma forte actualização em relação aos preços praticados no inicio (em 2009). Nessa fase era necessário atrair clientes para um restaurante novo, com um chefe com provas dadas mas desconhecido em Lisboa e, ainda para mais, num hotel e numa zona afastada do centro (ainda que nobre).  Agora, além do IVA ter aumentado, é provável que estejam a tentar tirar proveitos do galardão conquistado, posicionando-se no mesmo nível de preços de outros restaurantes com uma estrela Michelin, em Portugal. Deste modo o menu de degustação de 4 pratos custa 70€ (+35€ com a conjugação de vinhos), o de 5 pratos, 90€ (+ 40€ vinhos) e um terceiro, de mariscos (5 pratos), 125€ (+52€ vinhos). É puxado, principalmente por causa dos vinhos. Mas vamos à prova.

A escolha recaiu no menu de 5 pratos, conjugado com vinhos. Em geral a saudação do chefe não costuma entrar nestas contas, contudo, no Feitoria sempre foi uma prática. Pode irritar um pouco mas está bem explícito na carta e, justiça seja feita, é de bom nível. Neste caso foi mesmo o mais estimulante de tudo o que comi nessa noite. Brincar com um ‘dry martini’ ou com esferificações não é propriamente uma novidade. Contudo, quando a proposta é bem concebida e nos conseguem surpreender, é de louvar. Foi o que aconteceu nesta versão com um assertivo gaspacho clarificado, azeitona (explosiva) esferificada e uma ‘bolacha oreo’ feita com tinta de choco e recheada com sapateira. Houve ainda um segundo ‘amouse bouche’. Uma gema de ovo embrulhada numa fatia fina de pão com outra de paio on top, para comer de uma só vez. Resultado: uma conjugação destas só que só podia dar certo - ainda que a escolha de uma gema menor pudesse evitar a solicitação de um tira nódoas.

Seguiu-se a entrada de lavagante com espargos brancos e verdes e pequenos torresmos de leitão, uma junção exemplar mar/terra, com o lavagante no ponto certo (ligeiramente mal passado). Bem ainda o contraste dado pelos torresmos - crocantes na parte da pele - e pela escolta de dois tipos de espargos (em puré e um deles laminado), que trouxeram profundidade e um toque vegetal ao conjunto, sem o dominar. No prato seguinte, um lombo alto de robalo não deixou dúvida quanto ao porte respeitável do peixe, nem da sua origem de mar. Embora seja no Inverno que a espécie revela melhor as suas características, este exemplar, de carne delicada e cozinhado no ponto, tinha robustez suficiente para aguentar um acompanhamento de sabores bem vincados devido ao caldo de mariscos que aromatizou os cuscos (granulado de trigo utilizado em Trás-os-Montes) de lingueirão. Excelente ideia a de incluir umas pétalas de cebola avinagrada que conferiram uma nota aguda neste conjunto de tons mais graves. O prato de carne foi um peito de pato, rosado, como mandam as regras, mas menos feliz no acompanhamento. Não da parte da agradável escorcioneira glaceada, mas sim do intenso sabor dos cogumelos e do foie gras que tornaram o prato pesado, sobretudo, se pensarmos que era o último antes da sobremesa de um menu de degustação de Verão. Pela mesma razão a opção por uma evocação do popular Banana Split, no final, não me pareceu também a mais feliz. Gostaria de ter acabado com uma sobremesa mais fresca e leve.

'Oreo' de tinta de choco e sapateira, 'dry martini' 

lavagante com espargos brancos e verdes e torresmos de leitão  

robalo com cuscos de lingueirão 

peito de pato, escorcioneira glaceada, cogumelos e foie gras 


'banana split'

No capítulo dos vinhos, a carta não impressiona, se compararmos com outros restaurantes do seu nível, mas também não desilude. Saúda-se: a aposta no vinho a copo, com quase duas dezenas de opções, os próprios copos (da linha topo de gama, Zwiesel), a temperatura de serviço, o aconselhamento e a carta bem estruturada, ordenada por tipo e características de vinhos, e não por regiões, como é mais usual. Ao todo são 169 – algo modesto para um estrela michelin, mas minimamente compreensível na actual conjuntura – bem distribuídos entre espumosos (15, dos quais 10 champanhes), brancos (55), tintos (73), doces e generosos (36, dos quais 23 portos). A quota de estrangeiros representa pouco mais do que 20% do total mas inclui algumas referências de champanhes, bordéus e borgonhas com capacidade para impressionar alguém. A selecção de vinhos escolhida para harmonizar com o menu pareceu-me bem pensada, com uma aposta em rótulos menos previsíveis, alternada com outros mais conhecidos. Foram eles o espumante Soalheiro Alvarinho 2008, Verde; o branco, Três Bagos Sauvignon Blanc 2010, Douro; o também branco, Herdade da Calada Baron B Reserva 2009, Alentejo; o tinto Calda Bordalesa 2007, Bairrada; e o porto Casa Amarela Reserva 2011.

É bom saber que um restaurante com um espaço agradável e uma localização invejável (em frente ao Tejo, em Belém) tem para oferecer uma cozinha de autor interessante e com personalidade - mesmo que a apreciação global não tenha sido unânime. Este Feitoria está bem e recomenda-se. Venha daí a revalidação da estrela.

Cozinha: 18 ; Sala: 18; vinhos: 17

Preço médio: 70€ (à carta); 70€/125€ (menu de degustação), sem bebidas.

 

Contactos:

Hotel Altis Belém, Doca do Bom Sucesso, Lisboa ; Telef: 21 040 02 00; Horário: de 3ª feira a Sábado, 12h30 - 15h30 e 19h30-23h00


Texto publicado originalmente na revista Wine 74 de Outubro 2012. As fotos são da minha autoria, com excepção para as assinaladas.


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