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Cenas (dos bastidores) de um casamento

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A igreja estava toda iluminada. No entanto a selecta audiência e o decor distinto daquele casamento pouco remetem para o ambiente popular da famosa canção do Trio Odemira. Se o momento do ‘sim’ deve ter dissipado a inquietação e algum nervosismo entre os presentes (ou pelo menos entre os noivos), numa outra sala, uma brigada de pessoas do catering da Parque da Penha aguarda ansiosamente a chegada dos convidados.

 

Os preparativos começaram uma semana antes com a elaboração do catering. Há que verificar todos os detalhes, da cozinha, à sala, passando pela recepção e animação. É preciso assegurar que nada falta e minimizar o imprevisto. Ao todo, no processo, estão envolvidas duas dezenas de pessoas, divididas em equipas de cozinha, sala, decoração. Para a empresa este é um dos principais casamentos da temporada e é fundamental que tudo corra a preceito. Pelo número de convidados (350), pelas verbas que envolve, pelo nome da empresa. Há que satisfazer os noivos, mas é sabido que o sucesso e a continuidade deste negócio vive muito do ‘passa-a-palavra’ e nada como manter uma audiência de potenciais clientes satisfeitos.

 

Referimos que os preparativos começaram oito dias antes mas, na verdade, tudo se iniciou muito antes (nesta parte que queremos abordar), com a negociação dos menus e a escolha dos pratos. Estávamos no São Gião, de Pedro Nunes, em Moreira de Cónegos. Almoçávamos numa mesa perto da cozinha e, enquanto nos iam chegando várias das iguarias da carta, outras, diferentes, seguiam o trajecto em direcção à mesa do lado, servidas pelo próprio anfitrião. Quatro pessoas, três gerações diferentes, senhoras em larga maioria (três para um), apreciavam os pratos. Primeiro o aspecto, depois o sabor. Por fim, discutiam e decidiam. A curiosidade levou-nos a indagar sobre o que se passava ali. Não se tratava de um encontro tri-geracional de gastrónomos, mas sim uma prova da ementa de um casamento que se iria realizar dentro de meses. Devíamos ter adivinhado. Pelo sorriso aberto da cara feminina mais jovem (a noiva) e pelo ar reservado e circunspecto do senhor, já de alguma idade (com cara de quem deixava adivinhar que seria ele a assinar o cheque).

 

O São Gião é um recatado e elegante restaurante no meio do campo e, por isso, surpreendemo-nos ao encontrar, nas traseiras, 350 metros quadrados de cozinhas de preparação. Nas vésperas do casamento que vamos acompanhar várias cozinheiras -  das dez a doze pessoas que permitem que empresa possa responder a quatro cerimónias em simultâneo - confeccionam alguns dos aperitivos. A cozinha tem tudo o que é necessário para produzir em quantidade e conservar alimentos em condições: fornos convectores, azoto liquido para abatimento de temperatura, marmitas basculantes, máquinas de vácuo e, cá fora, quatro carros de frio e outros dois normais para transportar tudo em condições.

Pedro Nunes e Miguel Moreira (da Parque da Penha) trabalham juntos há mais de uma década mas o seu matrimónio empresarial é mais recente. Desta união de esforços surgiram novas valências, como o desenvolvimento e comercializarão de produtos gourmet, onde se inclui o segmento de distribuição e importação de vinhos nacionais e  representações para Portugal, como a dos champanhes H. Blin e Boërl & Kroff. A face mais vísivel desta união é a Casa Gourmet, com sede e loja em Guimarães.

Mas saltemos de novo para o dia do casamento e para os seus bastidores.

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Manhã de Sábado de inverno. O sol espreita de esguelha na apertada Rua da Vitória, em pleno centro histórico do Porto. Quem passa por esta rua e nunca entrou no Mosteiro de São Bento da Vitoria fica surpreso com grandeza que se esconde no interior daquela fachada discreta, um edifício do século XVI construído no local da antiga judiaria do Olival para servir os monges beneditinos. Nos claustros, cobertos em intervenção recente, alinham-se cadeiras e mesas atoalhadas de branco sobre uma enorme carpete bege. Há sofás e castiçais, caixotes com adereços e cadeiras empilhadas a aguardar colocação.

 

Faltam pouco mais de oito horas para o inicio do copo de água e, apesar de não aparentar, tudo parece estar sob controlo. Numa área interior foi montado um enorme espaço de cozinha e de copa. São 11.30h e centenas de talheres para polir e pratos e copos para limpar. Noutra zona aprovisionam-se e arrumam-se grades de aguas e refrigerantes, barris de cerveja e caixas de vinhos. Por volta das 14:00h, pausa para o almoço do pessoal – ainda que na sala há quem fique a armar o palco e a pista de dança.

 

Quando regressamos a meio da tarde já a cozinha funciona em linha de montagem. O menu principal é curto (entrada, prato e sobremesa) mas existe um sem número de aperitivos, mesa de queijos, frutas e iguarias para o ‘after party’ para preparar. Massa Filo com Galinha e Caril, Croquetas de Lagosta,

Lâminas de Batata, Polvo e Vinagrete, Ravioli de Salmão, Amêndoas e Tomate com Creme de Queijo, Pequena Açorda de Carne e Caça, Pequeno Copo de Cidra com Spaguetti de Espinafres, são alguns dos ‘snacks’ a servir.

 

Algumas destas iguarias chegaram do São Gião chega nessa manhã. Ficam a aguardar vez nos fornos convectores (a baixa temperatura permite que se mantenham quentes sem ressequir) enquanto outros, com o lombo de porco preto, cozinhados e acondicionados a vácuo, são finalizados no local. Acaba de chegar o bolo dos noivos. Pedem-se braços. A transposição para a sala tem de ser feita com rapidez, porque o carro está a impedir o trânsito, mas também com todo o cuidado. Nem queremos imaginar o que pode acontecer se aquele bolo de cem quilos distribuídos por três andares cai. São necessários quatro homens para o transportar para a sala dos claustros, por entre escadas apertadas, e vários obstáculos próprios de uma cozinha improvisada. A missão cumpre-se sem danos de maior. Há apenas uma ligeira brecha que será reparada mais tarde por Francisco Gomes, o Chefe pasteleiro da Colonial, de Barcelos, que é, também, responsável pela sobremesa principal: merengue seco de chocolate com shot de gelado de nata). 

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Às 17.30 todo os empregados de serviço são chamados à sala para o briefing final. É Miguel Moreira que inicia a conversa e as primeiras palavras são de motivação e de apelo à responsabilidade. Impõe regras. Fá-lo com autoridade mas com serenidade. “Nada de sorrisinhos entre colegas, nem pratos sujos esquecidos nas mesas”. “Atenção às temperaturas dos vinhos”, apela. Controla tudo com olhos de ver. “Ponha a gravatinha mais comprida se faz favor”, adverte a dado momento. Depois dá a palavra ao chefe de serviço, Augusto Marques, a quem cabe as indicações mais técnicas. Há quatro chefes de sala e cada um tem uma série de empregados responsáveis pelas mesas que lhe foram distribuídas.

 

Duas horas antes de chegarem os convidados a sala está completamente pronta. Na cozinha já prepara os quentes (aperitivos e pratos principais) enquanto os frios prosseguem na linha de montagem em dezenas e dezenas de pratinhos, copos de shot, taças, ardósias e colheres de servir. Faltam trinta minutos e embora reine um clima sereno nota-se uma certa tensão e ansiedade no ar. Dá-se um retoque aqui, outro ali e ajeitam-se as vestimentas. Uns aproveitam para consultar os telemóveis, outros para fumar um cigarro entre conversas de ocasião.

 

Os noivos já deram o nó  e os convidados começam a sair. É altura de um outro ‘sim’. Que se inicie o serviço. Primeiro os aperitivos, depois a entrada (Velouté de ervilhas com laminas de cogumelos e pata negra), o prato principal (tornedó de boi em carqueja e batatas recheadas com puré e cruton de bacon com molho bernaise), a sobremesa e o bolo dos noivos. Tudo parece correr de feição e, embora para muitos a noite ainda esteja longe de acabar, há já um certo ar de missão cumprida. Espera-se que a Mariana e o Gonçalo sejam felizes para sempre e que este tenha sido um dia especial. Para a equipa foi mais um casamento cumprido (aparentemente) com sucesso. Para a semana há mais. 

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Reportagem publicada originalmente na revista Wine nº68 (Março12)

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