Lembram-se certamente do filme Ratatouille e da personagem, Anton Ego, o irascível e implacável critico que se desfaz num pranto perante o prato que dá nome ao filme e que o traz de volta às memórias de criança. Pois desconfio que ele gostaria de ter escrito este post. Mas não foi ele, foi mesmo a Isabel Lucas, jornalista de boa boca e talento para conjugar palavras. Raios, como gostaria de ter sido eu a escrevê-lo e assim tão bem. Como não fui consolo-me a roubar-lhe este pedaço e a foto do seu post.
"A metafísica dos chocolates dizia-me pouco. Eu queria a comida que via fazer com demora, esmero, pôr a mão na massa dos rissóis que se recheavam de um creme feito de pescada que eu ajudava a desfiar; na massa dos bolos que pediam descanso para crescer, espécie de milagre a que queria assistir, levantando o pano de linho que a cobria durante algumas horas, como quem quer ver uma flor a abrir. Espreitava com o medo de violar uma intimidade.
Não gostava muito do soco na nuca do coelho, confesso, mas a partir do momento em que ele morria, ia-se a piedade e voluntariava-me para o ajudar na esfola. Não via a faca a passar pelo pescoço da galinha, mas gostava de olhar o sangue a escorrer para a taça de onde haveria de sair uma cabidela. A minha avó abria a ave e tirava-lhe pedaços de gordura amarela, a que chamava enxúdias, e que usava para temperar arrozes, enriquecer guisados e assados de carne. Dividia-a em pequenas porções e guardava-as do frigorífico. Eu ia-me deliciando com as canjas com ovos pequeninos, moelas cortadas e patas a que roía a cartilagem com toda a demora de quem não pensa no tempo." (ler este texto na íntegra, aqui)