Aproveito o post de Carlos Maribona sobre os restaurantes com estrelas Michelin em Portugal, bem como a noticia que ele mesmo deu (e que o Duarte Calvão replicou no penúltimo post) sobre a mudança de director no guia para deixar um artigo meu publicado no Fugas, do jornal Público, em Dezembro passado. Etremeado entre o Natal e o fim de ano, este texto acabou por passar despercebido. Contudo parece-me oportuno publicá-lo aqui - até porque fala-se muito das estrelas do guia mas parece que ninguém (que eu tenha notado) deu a devida atenção ao seu conteúdo.
Para quem se interessa restaurantes sabe a importância e prestigio das estrelas Michelin. No entanto muito se fala destas distinções, mas pouco ou nada sobre o conteúdo do guia que as atribui - cujos restaurantes ‘estrelados’ são uma ínfima minoria, sobretudo no nosso país. Proponho então uma visita ao Guia Michelin referente a Portugal, um guia que se publica há mais de 100 anos e cuja edição 2012 foi recentemente lançada.O guia vermelho, como também é conhecido, traz uma selecção de hotéis e de restaurantes, com indicações úteis e uma breve descrição de cada um. Os estabelecimentos estão divididos por localidades (de A a Z) e são-lhe atribuídas categorias (de “simples mas confortável” a “grande luxo”) e distinções: Bib Gourmand (“boa comida a preços moderados” – até 30€, sem vinhos), Bib Hotel (o equivalente, para hotéis) e as famosas estrelas (uma estrela significa “muito boa cozinha na sua categoria”; duas estrelas, “excelente cozinha, vale a pena fazer um desvio”; e três estrelas, “cozinha excepcional; esta mesa justifica a viagem”).Centremo-nos e nas escolhas para Portugal e em particular nos restaurantes – aquilo que deu fama ao guia e a verdadeira razão de compra do mesmo. Desta vez deixemos de lado também as estrelas (alvo de destaque no/na Fugas de 3 de Dezembro) para nos focarmos nas outras preferências dos inspectores, que embora menos polémicas, por não serem mediáticas, não são menos discutíveis.A Michelin garante que todos os inspectores “são do país no qual trabalham”. Sendo a sede do grupo em Madrid quer dizer que estes são, pelo menos, do país vizinho. Ter alguém com uma visão de fora, mais distanciada, a avaliar os nossos restaurantes, até pode ser positivo, desde que essas pessoas conheçam o país, e as suas regiões, bem como a sua gastronomia, quer tradicional, quer actual. Ora no guia existem casos que levantam algumas dúvidas. Por exemplo: não deixa de ser estranho que dos 43 Bib Gourmand atribuídos nenhum seja do Porto; que Lisboa possua apenas 2 (Solar dos Nunes e D’Avis), quando há pelo menos uma dezena de concorrentes, tão bons ou melhores, dentro do género, como o Solar dos Presuntos, Tia Matilde, Salsa e Coentros, ou O Galito. Estes dois últimos não fazem sequer parte do guia, como não fazem, também, alguns locais de referência mais antigos como a Casa Aleixo (Porto); Pap’Açorda e Ramiro (Lisboa); São Rosas e Adega do Isaías (Estremoz). Ou mais recentes, como, o Ferrugem (Famalicão), Shis e Sessenta Setenta (Porto), Spazio Buondi/O Nobre, Largo, Panorama, Alma e Tasca da Esquina (todos em Lisboa). O Panorama é ainda uma ausência mais inexplicável porque é claramente um restaurante de estrela, mas adiante.Quanto às descrições, em geral são feitas de forma concisa e clara, embora alguns casos pareçam ter sido despejados no tradutor do Google. Exemplos:“Restaurante assentado e bem consolidado” (Três Palmeiras, Albufeira); “Aconchegante ambiente e dependências de ar típico, com uma adequada montagem e um esplêndido chão empedrado” (Solar dos Nunes, Lisboa). Também há referências poéticas, como a do restaurante S. Gião, em Moreira de Cónegos: “o seu diáfano refeitório possui grandes vidrais com vistas sobre as montanhas” - mesmo que das janelas da agradável sala do restaurante de Pedro Nunes se vislumbre, acima de tudo, uma vinha e o campo de futebol do Moreirense..Em suma com mais ou menos polémica o Guia Michelin vale mais pelas estrelas que atribui do que pelo conteúdo global. Nesse sentido é preferível optar pela edição Espanha & Portugal (23.90€), do que pela versão apenas de Portugal (15€). Sempre são 152 restaurantes ‘estrelados’ para descobrir contra 12 da edição portuguesa.