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A cozinha do Belmiro esteve cá em casa

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Ainda não foi desta que tive um "chefe em casa”, mas andou lá perto. De facto, cumprindo escrupulosamente o distanciamento social, Belmiro de Jesus não ultrapassou a soleira da porta, depositando no patamar das escadas dois sacos com coisas boas para o jantar que eu tinha encomendado de véspera. É o próprio chefe quem - desde que foi obrigado a encerrar o seu recém-inaugurado restaurante Belmiro, perto do Campo Santana – faz as entregas na área de Lisboa, com a ajuda do cunhado, reservando as manhãs para cozinhar. O ecletismo da sua cozinha, que aprecio desde os tempos em que estava à frente do Salsa e Coentros, está bem patente nas encomendas que recebe, que vão desde clientes que estavam a trabalhar numas obras na Amadora, e que se regalaram com seis galos do campo assados, até um escritório de advogados na Rua Castilho que lhe pede o almoço todos os dias úteis da semana.

 

 

A notícia do encerramento devido à pandemia foi particularmente duro para este transmontano nascido há 46 anos no Fiolhoso (concelho de Murça), que veio para Lisboa aos 16 anos de idade. Não tinham ainda decorrido 15 dias desde que abrira um restaurante, coerentemente baptizado com o seu nome próprio, que representa um culminar da sua carreira, quando teve que fechar portas. Carreira essa que, curiosamente, não começou na cozinha, mas sim na sala. Quando chegou à capital, foi ser uma espécie de “faz-tudo” da histórica Adega da Tia Matilde, onde até limpou casas de banho, para depois se fixar como empregado de mesa. Após sete anos ali, transitou para o antigo 5 do 10, e depois na Charcutaria original, em Campo de Ourique. Em 2005, saiu, junto com o sócio José Duarte, para abrirem o Salsa e Coentros, em Alvalade, e aí veio a grande mudança profissional. “Tínhamos uma cozinheira contratada, mas ela falhou e eu decidi arriscar. Gostei, aconselhei-me com umas tias minhas que me deram umas receitas, tirei uns cursos e acabei por ficar na cozinha”, conta Belmiro de Jesus.

 

O Salsa e Coentros foi um êxito tremendo e ele por ali esteve até 2014, quando decidiu sair para abrir um pequeno espaço, o Bel’Empada, na Av. João XXI, onde se destacava uma das especialidades que o celebrizaram, mas também outros pratos, sobretudo de origem transmontana e alentejana. O Bel’Empada fechou agora e não voltará a abrir, mas a cozinha, incluindo as empadas, transitaram para o Belmiro, de 50 lugares, mais 14 de esplanada, situado onde antes funcionou o restaurante Paço da Rainha. “Já há muito tempo que queria ter um espaço como este, sabia que o Bel’Empada, que era demasiado pequeno, seria apenas para um período de transição. Que acabou por demorar mais do que esperava”, explica o chefe.

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Foi difícil escolher entre os muitos pratos apetitosos que o Belmiro põe à disposição, ainda acrescentados por duas opções diárias, uma de peixe outra de carne. Para entrada, além de favinhas com coentros, seleccionei duas pequenas empadas de perdiz – há também com vários outros recheios e em tamanho para dose individual ou maior ainda para matar saudades. A seguir, pato corado com arroz, um dos pratos do dia, e rosbife de vitela barrosã. Para a sobremesa, pudim de laranja. Ficou tudo em 42,05 euros, em doses generosas que se desdobraram em mais refeições e petiscadas.

 

A lista é bem extensa e tentadora, sobretudo nas carnes, não faltando pratos de caça como arrozes de perdiz ou lebre, ou lebre com feijão (que bom que isto é) ou perdiz de escabeche. Ou bochechas de vitela estufadas, iscas de vitela, pezinhos de porco de coentrada, mãozinhas de vitela em fricassé com grão, bife do lombo, plumas de porco preto “Maldonado”, arroz de cabidela, migas de pão com carne de porco, costeletas de vitela barrosã. Nos peixes, sames de bacalhau, filetes de garoupa com arroz de tomate ou grelos, bacalhau grelhado com batatas a murro, bacalhau com natas e coentros, peixe variado do dia. E ainda diversas entradas – paté de fígados de aves, migas de batata e ovo (que saudades), enchidos de porco preto, queijos variados – e sobremesas, como bolo de chocolate, sericaia, encharcada de ovos, tarte de maçã ou toucinho do céu do Fiolhoso. Além dos já referidos pratos do dia, que também podem ser consultados no endereço do restaurante no Instagram.

 

Belmiro de Jesus mantêm-se fiel aos fornecedores transmontanos. Para hoje, por exemplo, para celebrar o Dia da Mãe, propõe cordeiro do Fiolhoso assado com batata assada e arroz de miúdos (dose a 16,95 euros, meio cordeiro a 65 euros, um cordeiro inteiro por 130 euros). Diz que não tem tido falta de produtos, apesar de não se ter precavido inicialmente para o fecho dos matadouros transmontanos. “Na Páscoa, só consegui 30 cabritos do Fiolhoso, quando poderia ter vendido 40 ou mesmo 50 se houvesse”, lamenta.

 

As saudosas empadas, boas como sempre, de massa fina e recheio equilibrado; as favinhas de coentrada tenras, em temperadas, puxadas no alho. O pato, que já não comia desde que estou confinado, saboroso e sem sinais de secura, aguentou bem o reaquecimento, assim como o arroz, feito parcialmente com a “água” que soltou da cozedura da ave e terminado no forno. O rosbife perfeito de ponto, óptimo para comer frio e para guardar. Tinha ainda um curioso molho obtido a partir dos sucos da carne, com mostarda e maionese, segundo o chefe posteriormente me informou.  O único problema foram as batatas fritas que o acompanharam, razoáveis de sabor, mas algo moles. Ora, tenho recordações épicas das batatas fritas do Salsa e Coentros e pedi explicações. O chefe disse-me que realmente as batatas tinham sido mal escolhidas por falta de opção, da variedade Agra, com muita água, mas que normalmente isso não acontece com a variedade certa, aguentando muito bem o transporte. Quanto ao pudim de laranja, bem doce, cumpriu a sua função de encerrar o banquete.

 

Apesar do momento terrível que atravessa a restauração e da decepção com o encerramento do restaurante longamente esperado, Belmiro de Jesus está relativamente satisfeito. “Este serviço de entregas está a correr muitíssimo bem, acho que o ‘passa-palavra’ entre os clientes tem sido o segredo. Não me posso queixar, a minha mulher e eu trabalhámos muito, mas deu bom resultado, temos pago os ordenados do pessoal e a renda com o que conseguimos com as entregas”, afirma. Com a reabertura anunciada dos restaurantes, cumprindo as regras de distanciamento, ele acredita que conseguirá ter pelo menos lugar para uns 20 clientes (“o restaurante é bastante espaçoso”, diz) e ainda, com o tempo a melhorar, utilizar a esplanada ao ar livre. “De qualquer maneira, mesmo com a reabertura, vou continuar com as entregas ao domicílio”, garante. “Mas já não vou ter tempo para fazer pessoalmente as entregas. Tenho que ficar a tomar conta da cozinha”.

 

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Restaurante Belmiro

Rua do Paço da Rainha, 66, Lisboa

Tel. 966 707 653 ou 218 852 752

Deve-se, de preferência, encomendar de véspera ou na manhã do próprio dia. Entregas gratuitas. Todos os dias, almoço e jantar, excepto aos domingos.

Lista: consultar https://www.instagram.com/belmirorestaurante/

 

Fotografias: Cristina Gomes

 

 

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