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Uma Sála para ir acompanhando

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Nem sempre é fácil decifrar à primeira a cozinha de um chefe e de um restaurante, classificá-la claramente de “boa” ou “má”, “interessante” ou “desinteressante”, com capacidade de evoluir ou não. No caso presente, em que fui pela primeira vez ao Sála, julgo que encontrei uma boa cozinha, interessante e com capacidade de evoluir. Quer isso dizer que fui tudo óptimo e deslumbrante? Certamente que não, houve mesmo um prato que me desagradou bastante. Se a minha avaliação é positiva - e não há como não ter estes factores em conta - deve-se também a conhecer o chefe João Sá há algum tempo e simpatizar com o seu percurso profissional. Sobretudo pela aposta arriscada que fez há uns anos, quando era mais difícil, no G-Spot, nos arredores de Sintra, numa cozinha minúscula, e por, depois de uma breve e desanimadora experiência no antigo Assinatura, ter percebido que lhe era preferível esperar até conseguir ter um projecto próprio - com as penalizações, inclusive financeiras, que tal espera pode implicar - a trabalhar em lugares em que não acreditava.

 

João Sá está agora com 34 anos e, apesar de naturalmente me parecer mais maduro, creio que ainda quer evoluir bastante, demonstrando essa ambição saudável de quem quer conquistar um lugar entre os principais chefes portugueses. O Sála é um restaurante bem arranjado, segundo os ditames actuais, de cozinheiros em contacto com a sala, das mesas sem toalha, da descontracção do serviço, mas fiquei com a impressão de que é mais restaurante para entrada-prato principal-sobremesa, do que de menu degustação. Mas, como era a primeira vez que lá ia como cliente normal (já tinha lá estado num jantar especial de lançamento de vinhos, de que guardei boa impressão), foi por ele que enveredei, até porque só continha cinco pratos (45 euros), para poder provar mais coisas. Parece-me que quando lá voltar, e fiquei com vontade de lá voltar, será para opçãoà la carte.

 

Quase todos os pratos que provei já foram mencionados pelo Miguel Pires nesta crítica gastronómica que escreveu para a Revista de Vinhos e que aqui reproduziu. Da minha parte, tenho que realçar a boa ideia do bao de carne porco à alentejana (na verdade, um dumpling recheado com carne de porco e amêijoas, servido numa cesta de dim sum, à esquerda na foto de abertura), envolto em fios de maionese de coentros, que teria ganho se fosse mais acentuado o sabor inconfundível da erva. Antes, logo no início e não a meio da refeição, como agora é moda, já tinham posto na mesa um belo pão de fabrico caseiro, com manteiga normal e bem boa da ilha do Pico e uma não menos boa pasta de couve.

 

De seguida, o melhor prato da noite, um falso croissant com finas tiras de batata a fazer de massa com recheio cremoso de cogumelos, acompanhado por uma salada com cogumelos e trufas de Verão (à direita na foto de abertura). É claro que, coerente com a “falsidade”, sabia bastante a manteiga, o que me agradou sobremaneira. Mais uma boa ideia, bem executada, em que originalidade não sacrificou em nada o essencial. Continuando numa linha vegetariana, veio depois uma folha de couve de tamanho apreciável, alegadamente grelhada, mas em que não notei o sabor e o odor característico conferido pelo tratamento culinário, com trigo sarraceno, massa de pimentão e um kimchi feito na casa. Não sou grande entusiasta deste tipo de pratos e já não posso ver nem trigo sarraceno nem kimchià frente, mas não desgostei deste, apesar de o achar algo monótono na sua dimensão exagerada. Julgo que faria mais sentido num apontamento menos substancial.

 

4 pratos_SaLa.jpgCouve, pampo, cordeiro e sobremesa

 

Veio então aquele que me pareceu o prato falhado do menu, um pampo com espuma de Bulhão Pato, mexilhões e cebola curtida. Não é que os principais elementos estivessem mal feitos, embora a “espuma” viesse numa quantidade exagerada e puxasse mais para o cremoso do que para a leveza, mas pareceu-me desintegrado, dois pratos num só, com o peixe e o Bulhão Pato a puxar para um lado, os mexilhões e a cebola avinagrada para outro.

 

Nas carnes, muito bem o borrego com puré de topinambo, com uns bagos de romã a acentuarem a doçura e a conferirem uma textura diferente. A sobremesa, com gelado de boletos, chocolate, “terra” de caramelo e trufa, senti-a pesada, outonal, pouco adequada a uma época do ano em que se pede fruta e sabores refrescantes para terminar a refeição. João Sá compreendeu a minha objecção, mas disse-me que tinha que o manter, que era um prato “favorito” entre os clientes. Lá saberão porquê, talvez pelo vício em chocolate, algo que cada vez me parece mais impróprio para finalizar menus degustação.

 

O jantar ficou por menos de 70 euros por pessoa, mas creio que pedindo à la carte deverá andar pelos 40/45 euros. Bons preços, portanto, porque a qualidade e a personalidade da cozinha de João Sá é inegável. O restaurante abre também para almoço, mas não sei se fará bem, porque este tipo de refeições mais demoradas e elaboradas, numa zona da cidade frequentada sobretudo por turistas, dificilmente é muito procurado. O tempo o dirá. Neste jantar, a meio de uma semana de Verão, o Sála estava praticamente cheio e algumas mesas rodaram. Tomara que seja sempre assim, que este projecto em nome próprio de João Sá tenha êxito, bem precisamos de novos chefes com ambição de ir mais além e cuja evolução possamos ir acompanhando.

 

Fotografias: Cristina Gomes

 

 

 

 

 


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