Já não me recordo quem dos fundadores do “The World 50 Best Restaurants” disse um dia que a criação desta lista tinha sido uma grande ideia de uma pequena revista. De facto, “a lista” individualizou-se, tornou-se num grande negócio e já pouco tem a ver com a revista de trade inglesa Restaurant que lhe deu origem. Aliás, tornou-se de tal forma relevante, que em menos de uma década começou a rivalizar com um guia com mais de 100 anos de existência, ao ponto do seu Nº1 ou mesmo Top 10 poder sofrer um impacto a vários níveis (mediático, de reservas, de facturação) muito superior ao da obtenção de 3 estrelas Michelin.
Claro que quando alguém surge com uma pretensão deste calibre e alcança o que alcançou, ganha igualmente uma claque de detractores. Estou longe de achar que o The World 50 Best é perfeito e até alinho com algumas críticas directas, como não saber-se quem são os membros do júri e, sobretudo, não divulgarem as pontuações de cada restaurante (existem críticas indirectas que têm mais a ver com o poder que a lista alcançou, do que propriamente por falhas de quem a organiza: o eurocentrismo, a desigualdade de género, as influências, o elitismo dos restaurantes votados, etc).
Porém, mesmo com defeitos, reconheço méritos a este ranking nomeadamente por ter vindo a dar relevo a restaurantes e gastronomias de certas regiões do mundo, que de outra forma não teriam a notoriedade que têm hoje. O D.O.M, em São Paulo, o Central, em Lima, o Boragó, em Santiago do Chile, o Gaggan, em Banguecoque, ou o Hisa Franko, em Kobarid, só para dar alguns exemplos, teriam alcançado reconhecimento que têm hoje a nível mundial se não fosse o The World 50 Best? E o Guia Michelin teria-se expandido para outras regiões do mundo, depois de anos de imobilismo, se não fosse o impacto da lista?
A polémica do ano
Disse-me um amigo que esteve por estes dias na cerimónia e nos eventos que a antecederam, em Singapura, que não se falava de outro assunto que não da nova regra que exclui automaticamente da votação os vencedores de anos anteriores. Esta regra foi comunicada há uns bons meses atrás sem que houvesse grande ruido. Contudo, as críticas foram crescendo de tom, atingindo o seu auge há poucos dias com a publicação de um artigode Lisa Abend, na revista Time. Nesse artigo, a jornalista revela que embora a organização alegue que essa decisão se deveu por quererem dar uma nova dinâmica aos prémios, na verdade, tal aconteceu devido à pressão de vários chefes importantes por alegarem que a queda do trono é negativo para os restaurantes - em termos de imagem, de negócio e provavelmente também para o ego. Entre os que defenderam a nova regra parecem estar chefes como Massimo Bottura, David Humm ou Gastón Acurio, todos vencedores anteriores dos prémios (Acurio venceu o ramo regional dos prémios, na América Latina).
Porém, segundo o artigo, entre os que criticam a nova regra e que inclusive dizem que ela pode mesmo retirar impacto aos prémios, que tiveram grande influência na criação de destinos gastronómicos, como Espanha ou Dinamarca, é Ferran Adrià, que recorre a um caso hipotético para explicar. “Se um chef em Seoul ganha 4 vezes seguidas, a Coreia será um destino gastronómico internacional. Contudo, se ganhar apenas uma vez é bom para o restaurante, mas não terá o mesmo impacto”. Há outros chefes que criticam simplesmente o facto de não ser correcto, e por não ter lógica. “Como ex-atleta não compreendo como podes dizer a alguém que não pode competir?”, questiona Ana Ros, do Hisa Franko. Também René Redzepi do Noma, deixa no ar a pergunta: “Se um chef faz algo para criar um restaurante que dita as regras do momento por mais de um ano, não deveria a lista reflectir isso?”
Mirazur, o novo nº1
Curiosamente, René Redzepi, que venceu 4 vezes com o Noma, pôde ir a jogo por ter reinventado o conceito do restaurante e numa outra localização. Pelo novo conceito inovador (menus sazonais temáticos) e pelas reacções entusiásticas de meio mundo do meio gastronómico que passou por lá, tudo indicava que o Noma 2.0 seria o principal candidato a vitória. Porém, no ano passado o Mirazur tinha ficado em 3º lugar, atrás da Osteria Francescana e do Celler de Can Roca, e, por isso, também era visto por muitos como o principal aspirante ao posto, o que viria mesmo a acontecer.
Estive duas vezes no Mirazur, em 2015 e em 2017, e posso dizer que tem uma proposta muito boa – ainda que não tenha tido, para mim, o impacto de uma experiência no Noma ou na Osteria Francescana. Uma refeição lá é uma experiência focada no essencial: a cozinha e o que está no prato. Não há um circuito, nem visitas à horta, mas sim uma tradução (e transformação) mais directa e criativa do excelente produto local, feito de uma forma bem pensada e tecnicamente elaborada, mas igualmente com um twist de improviso e rock n’roll.
A entrada na lista do Belcanto
Pelas razões que apontei aqui, era expectável que o Belcanto entrasse pela primeira vez na lista restrita, depois de dois anos na versão mais alargada. Restava saber em que lugar. Acabou por ficar em 42º o que não deixou de ser extraordinário dado que representou uma subida de 33 lugares face a 2018 e umas posições acima das expectativas de José Avillez. “Tínhamos ideia de que, pelo menos, o número 50 estava garantido. Por isso, ficámos 8 postos à frente das expectativas”, revelou o chefe do Belcanto, ao Mesa Marcada. Nesse comentário feito por telefone, Avillez deixou ainda o seu depoimento: “Trata-se de um momento muito importante para o Belcanto, para a cozinha portuguesa, para Portugal, para Lisboa. É uma distinção para toda a equipa. Entrámos nesta lista, que é a lista hoje com mais valor no mundo, mas continuaremos, como habitualmente, a fazer o nosso trabalho que é dar prazer a quem se senta às nossas mesas”.
Para o Belcanto ter entrado nos 50 melhores implicou obter votos fora da região de Portugal e Espanha, mas também uma votação maciça do júri da própria região. Nesse sentido é bem provável que a presença em Lisboa (com visita ao Belcanto), de muitos jornalistas e chefes espanhóis (entre eles certamente muitos votantes), aquando da cerimónia do Guia Michelin em Lisboa, em Novembro último, possa ter tido a sua influência.
As novidades nos 50 melhores
Pelos resultados da divulgação da lista alargada (51 – 120) na semana passada, dava para perceber que haveria uma boa dose de novidades nos 50 primeiros. E, de facto, houve várias mexidas significativas.
A começar pelo Top 10, além da entrada directa do Noma 2.0 para nº2, destacam-se ainda as subidas do Asador Etxebarri de 10º para 3º, do Geranium (Copenhaga) de 19º para 5º lugar e do Disfrutar (Barcelona) de 18º para 9º lugar.
Mais abaixo destacaram-se o Twins Garden, em Moscovo (um restaurante em que tive um óptima experiência no ano passado), que entrou directamente para a 19ª posição, o Septime, na 15ª (era 40º) e uma série de restaurantes espanhóis, sobretudo do País Basco, que beneficiaram no ano passado da presença de muitos votantes, em Bilbau, onde decorreu a cerimónia. Além do Asador Etxebarri,que referimos acima, estiveram bem, o Azurmendi, em Larrabetzu (14º), o Elkano, em Getaria (nº30) e o Nerua, em Bilbau (nº32). Ainda em Espanha, dois restaurantes de Barcelona não se deram nada mal. É que além do Disfrutar, no 9º lugar, também o Tickets, ficou numa posição de destaque, a 20ª (era nº32) – é caso para um hashtag: #elbulliisnotdead
Por último, uma referência a uma cidade que me diz muito, São Paulo. Depois da queda abrupta para do D.O.M., que desapareceu da lista, foi com muito agrado que vi A Casa do Porco, de Jeffim e Janaina Rueda, ascender à 39ª posição. E pronto, é isto.
Fotos: João Wengorovious
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