Se me dessem um euro por cada vez que alguém levou um copo de vinho à boca, ontem, na zona da Ribeira, no Porto, teria certamente a situação financeira resolvida até ao resto dos meus dias. É que, por estes dias, com pouco mais de mil metros de distância entre eles, realizam-se dois grandes eventos vínicos na cidade - a Essência do Vinho (de 22 a 25) e o Simplesmente Vinho (de 23 e 24) - que trouxeram/trazem ao Porto milhares de apreciadores.
Este ano vim especificamente para o Simplesmente Vinho (SV), que é organizado por um grupo comandado pelo produtor, João Roseira, e que começou por ser um encontro “off” de vignerons, mas que hoje já tem uma dimensão assinalável. “100+1” pequenos produtores mais alternativos estão aqui presentes, vindos de várias regiões do país e também de Espanha (e um de França).
Para quem, como eu, procurava ontem no Cais Novo, em frente ao Rio Douro (onde decorre o SV) produtores com vinhos mais alternativos, numa onda mais “natural”, tinha que fazer algum trabalho de casa ou partir à descoberta. Porém, ao andar de mesa em mesa, ou melhor, de barril em barril, deu para perceber que há de facto um certo fervor em volta dos chamados vinhos de “glou glou”, ou seja vinhos muito agradáveis, leves, poucos extraídos e de baixo álcool (12, max 13%), mais para consumo e prazer imediato do que para contemplação. Claro, dentro deste estilo de vinho, que particularmente aprecio, havia uns mais autênticos, ou seja, que revelam mais o seu terroir, enquanto outros expressavam mais o género de vinificação.
Porém à parte deste fervor, deparei-me, acima de tudo, com um grupo de produtores de vinhos mais ligados à terra e fazerem vinhos de expressão sem concessões a modas (o hypeé que está a ir em direcção a eles). Uns, já conhecia e andam nisto há muitos carnavais, outros (entre eles vários jovens) chegaram há menos tempo. Também se começa a ver cada vez mais apaixonados e enólogos que estão ou estiveram ligados a grandes casas e que marcam presença aqui com os seus pequenos projectos pessoais, seja com vinhas alugadas ou uvas compradas, seja com vinhas próprias, adquiridas recentemente ou quintas familiares recuperadas (ou redireccionadas).
Para quem vier hoje ao Simplesmente Vinho terá ainda música ao vivo para ouvir e petiscos (pagos à parte) dos restaurantes DOP (Porto), Delicatum (Braga) e Carvão (Porto). A entrada custa 18€ e inclui o copo. No final poderá trazer ainda uma planta, oferta da organização em parceria com a Quercus e que pretende homenagear duas regiões vinícolas, o Dão e a Galiza, cujas áreas foram fustigadas pelos fogos no ano passado. Aliás, o “+1” dos “100+1” produtores presentes, serve também para homenagear a Casa de Mouraz, do Dão, um produtor que foi muito afectado por um incêndio.
Minutos antes da abertura...
Luís Pedro da Silva, enólogo e produtor Quinta da Carolina, no Douro. Enquanto vai mudando os vinhos da propriedade familiar, sem os descaracterizar, Luis Pedro vai atalhando caminho com o projecto pessoal de vinhos naturais Primata, na mesma região. O primeiro, de 2016, sai em breve debaixo do "chapéu" Nat'Cool (de Dirk Niepoort) e o adolescente 2017, igualmente em prova, também terá esse selo. Já o fantástico Douro DOC Reserva 2016 aguarda distribuição. Alguém agarre nele, por favor!
Os Humus, do Rodrigo Filipe, produzidos em Alvorninha (Caldas da Rainha) são provavelmente os vinhos com mais distribuição nos mercados bio português e estão entre os que mais aprecio e consumo. Gosto muito da mente inquieta e do ar descontraido do Rodrigo e da forma como essas caracterisiticas se revelam nos seus vinhos, alguns deles bem "roots", outros mais inusitados. Provem e o seu Humus branco macerado que vão ver...
Prova-se o primeiro, de 2014 e... "que coisa pesadona. "Blec, não gosto nada disso". Prova-se o segundo, de 2016 com uvas colhidas mais cedo, sem sulfitos acrescentados e "hum... gosto disto!" . A estreia neste encontro do Cume de Avia um produtor bio da Galiza.
E por falar de Espanha, em Ribeira Sacra, o casal Laura Lorenzo e Álvaro Dominguez criaram em 2013 o projecto Da Terra Viticultores. Já tinha bebido um dos seus brancos no Prado, em Lisboa, e tinha gostado muito. Agora provei os tintos e agradaram-me novamente. Personalidade, carácter, raça....
Um "Orange" bio, sem adição de sulfuroso made in Alentejo? Why not? O inglês é apropriado porque este Luminoso, da Agrovaz - Sociedade Agrícola, vai tudo para fora. Consta que o Nuno Mendes, açambarcou umas boas caixas para a Taberna do Mercado.
Vagamonde, da La Cave Des Nomades, de um projecto, de um português José Carvalho, que trabalhou para vários vignerons do Roussillon, em França, e que começou mais tarde a fazer os seus vinhos vinhos naturais em regime bio e biodinâmico em Banyuls-sur-mer.
Já em sentido oposto está o letão Slavia Ismailovs. Este exportador de vinhos portugueses para Russia, comprou uvas (e vinhos) a alguns produtores do Dão, Bairrada, Douro e Rias Baixas (Galiza), fez o seu blend, desenhou-os com o perfil que pretendia sem ofuscar a expressão do terroir e deu-lhes um nome, Fio de Terra. Sim, já adivinharam: naturais (ou próximo do conceito), baixo álcool, pouca extração.Muito top! (distribuidor em Lisboa precisa-se...)
Volto a Portugal, e à Região dos Vinhos Verdes, para destacar este Aphros Phaunus Palhete de 2016. Alguém falou em "glou-glou?"
Espírito de partilha. A fome apertava e alguém trouxe o farnel. O Rodrigo Filipe (aqui rodeado de uma pandilha jeitosa) não só produz os seus vinhos Humus, como também faz o seu pão.
Como era mesmo o titulo? Imensamente vinho. É isso. Hoje há mais para provar.