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A qualidade do sal português é conhecida desde tempos imemoriais, mas, tal como em muitos outros aspectos, nem sempre damos valor ao que temos de melhor. A flor de sal é um bom exemplo. No início dos anos 2000, era quase desconhecida, e quem a “colhia”, principalmente no Algarve, exportava-a quase toda para França (onde denomiações como Guérande e Noirmoutier são famosas), sendo geralmente revendida sem sequer referir a origem. Enquanto isso, os chefes e os gastrónomos portugueses pouco ligavam ao sal que usavam, limitando-se a diferenciar se era de origem marinha ou de mina. Já para não falar dos processos industriais de refinação a que o sal era sujeito.
Mas tudo isso mudou graças a uma aliança virtuosa entre chefes de cozinha bem conhecidos e produtores como Jorge Raiado, que há 10 anos decidiu formar a Salmarim, depois de se ter dedicado a actividades várias, desde a uma empresa familiar de seguros em Vila Franca de Xira, de onde é natural, a uma licenciatura em História de Arte e a uma pós-graduação em Gestão pela Universidade do Algarve. Aos 47 anos, este bacharel em Turismo pelo INP, dedica-se actualmente a explorar marinas em Castro Marim e as embalagens em cortiça da sua empresa são bem visíveis nas melhores lojas e nos melhores restaurantes do país. Foi ele que desta vez interrogámos, nesta iniciativa patrocinada pela cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.
Quando chega a um restaurante de autor e verifica que utilizam sal industrial, o que faz, dá meia volta e sai?
É uma boa opção... vou ponderar! Sou boa boca e tenho sempre a solução no bolso para corrigir esses pequenos detalhes e temperar comida alheia.
E se for Maldon, vai ao carro buscar uma embalagem sua e dá-lhes?
Mald'eles! Não vou ao carro... envio pelo correio, o carteiro assim entrega boas noticias.
A flor de sal e o sal marinho artesanal são hoje produtos muito mais valorizados do que eram há uns anos. Acha que os produtores e as autoridades nacionais e locais têm feito o suficiente para verem reconhecida a sua proveniência (como acontece com Guérande)?
Sem dúvida, conseguiu que tivessem maior reconhecimento. Alguns gastrónomos tentaram dar o mote e recordo-me de ter feito apresentações na BTL no auditório do Prove Portugal sobre o sal e flor de sal, uma delas mano a mano com o Alexandre Silva... mas entretanto o projecto acabou, efemeridades! A pergunta é mais premente a nível regional, e sinto na minha região falta de um programa a médio prazo, as coisas andam a solavancos de fundos comunitários, muitas vezes alheios aos produtores.
O que é que distingue o seu produto, sal marinho e flor de sal, dos da concorrência. São as embalagens e o marketing que faz?Coloco a mesma questão aos chefes de cozinha. Colhemos apenas a melhor flor de sal, tal como o enólogo escolhe as melhores uvas. Tratamos a flor de sal com o mesmo carinho que uma mãe acaricia um filho. Seleccionamos os melhores cristais do mesmo modo que um ourives trabalha a filigrana. Protegemos a nossa flor de sal numa embalagem orgânica, com design, mas é sobretudo a confiança criada no consumidor.
Qual é o chefe que já viu tirar melhor partido dos seu produto? Além do chefe, dê o exemplo de um prato
Alguém me vai pendurar... uma das provas mais difíceis não foi com um prato, mas com um produto, caviar, onde se procurava a diferença entre a nossa flor de sal e outros tipos de sal, tradicionalmente utilizados na preparação do caviar. E eis que a flor de sal ganhou e o chefe estava ao nosso lado chama-se Miguel Rocha Vieira.
Em prato, recordo um atum fotográfico do Alexandre Silva com as pirâmides de flor de sal, onde se sente a textura do cristal e depois o intensificar do aroma, algo simples, mas tão delicado; mas talvez o mais simples deles, hoje a puxar para o coração, os tomates cortados em oitavos com sal tradicional que o meu avô partilhava comigo. Simples e autêntico.
A flor de sal pode valorizar inclusive uma sobremesa?
Várias sobremesas. O gelado de banana caramelizada com flor de sal do Santini é pecaminoso... E a mousse de chocolate com flor de sal e um fio de azeite do Nuno Diniz deliciosa.
Sente que hoje em dia, na restauração, há uma maior preocupação em utilizar produtos de qualidade ou continua tudo já mesma como há 15/20 anos?
Há uma maior preocupação com o produto. A formação também ajuda e há mais troca de conhecimento, mais eventos gastronómicos que permitem conhecer técnicas e produto. Mas essa responsabilidade de fazer bem e melhor faz com que o cozinheiro procure tirar o maior partido do que tem, aproveitar ao máximo cada elemento, e com a cozinha de autor assiste-se a essa procura, continua, insistente. Diria mesmo, insaciável!
Há uma cruzada contra o sal. Ela é justificada, ou é apenas o lobby do açúcar a querer desviar as atenções?
Será que há? O próximo Congresso Português de Cardiologia (#CPC2017), que será em Abril, terá uma sessão denominada "conversas de risco" e o sal será um dos temas e pelo lado bom, quase filho pródigo. Sem sal - artesanal - o nosso organismo capitula e pode-se morrer. Precisamos do sal como elemento condutor, conduto em excesso provoca despistes. Conto sempre a mesma história, da Idade Média e de uma dieta utilizada pela inquisição para com os seus, digamos, hóspedes: ausência total de sal... e o hóspede falece por insuficiência de minerais, porque não retém água, por disfunção de alguns órgãos, perda de cabelo, unhas, dentes, não há cicatrização... uma morte lenta e agoniante que durava alguns meses. Tal como o açúcar, consumir com moderação, mas muito prazer!
E vê isso como uma ameaça ao seu negócio?
A vida sem sal é...
Fotos: Ricardo Bernardo