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Vincent Farges levanta o véu sobre o novo restaurante no Chiado (com abertura prevista para muito breve)

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É um clássico no inicio de cada ano (ou no final do anterior) e no período da rentrée (após o Verão) falar-se dos novos restaurantes que estarão para abrir. E um dos mais aguardados, em Lisboa, é o novo projecto do chefe Vincent Farges, no Chiado. Em Janeiro, na Fugas (Público), falava-se que a abertura estava prevista para o 1º trimestre e, na semana passada, a Time Out anunciava a inauguração para o inicio de Outubro. Contudo, nem uma nem outra dava grande informação sobre o nome ou o sobre o que será o novo restaurante (a Time Out referia apenas que Farges “fará alta cozinha na mesma linha do que fazia no Fortaleza do Guincho, de onde saiu em 2015”).

 

Hoje, meio ao acaso, deparei-me com uma entrevista que o chefe francês deu recentemente ao blogue da Bluthaup e resolvi contactá-lo (o restaurante será no local onde foi o showroom desta marca de cozinhas e o sócio, Pedro Mendonça, é um dos representantes da mesma em Portugal). Porém, antes de adiantar os pormenores interessantes da conversa que tivemos, traduzo abaixo a pergunta/resposta mais relevante dessa entrevista. Aquela que levanta o véu sobre o que será o novo restaurante do chefe francês:

 

O espaço

 

 "Este novo restaurante será um espaço onde as pessoas apreciarão, não apenas uma experiência gastronómica de alto nível, mas igualmente um momento inesquecível. O espaço foi desenhado por um dos arquitectos portugueses de maior prestigio na área (N.R. Guedes Cruz Arquitetos). Trata-se de um lugar maravilhoso que combina elementos contemporâneos com uma parede de azulejos do século dezoito e uma vista de Lisboa e de rio de tirar a respiração".

 

Sobre o Serviço 

 

O serviço, liderado por Inácio Loureiro (N.R. o escanção que veio igualmente do Guincho), conhecido em Portugal como um dos melhores na sua área, particularmente em termos de vinhos, será altamente exigente mas ao mesmo tempo discreto. Não haverá lugar a códigos de serviço formais. Preferimos receber os nossos clientes com simplicidade num ambiente acolhedor e tranquilo, mas que não deixará de ser, também, altamente profissional."

 

O tipo de cozinha 

 

"A cozinha será refinada e a chave natural da nossa busca será a qualidade e a frescura dos nossos produtos. Felizmente, para nós e para os nossos clientes, teremos um menu curto que será mudado com frequência”.

 

Os atrasos, a abertura (na 2ª quinzena de Outubro) e o nome

 

Já na conversa que tivemos ao telefone, Vincent Farges começou por nos adiantar que os atrasos se deveram a várias situações ligadas com o facto de estarem num prédio classificado e com habitações em cima e em baixo. Por exemplo, o chefe francês frisou, que quando foram de retirar todas os revestimentos se depararam com o espaço em piores condições do que aquelas que esperavam. Por isso, toda esta complexidade, os reforços na estrutura (o peso de uma cozinha de restaurante não é propriamente o mesmo de uma de casa), autorizações, etc têm vindo a adiar a abertura, que agora, segundo ele, estará prevista “para a segunda quinzena de Outubro”. Farges tem vindo a testar algumas ideias e pratos no outro showroom da Bluthaup, nas Amoreiras e tem noção que não terá tempo para grandes testes na nova cozinha dado que uma vez que esta esteja pronta quer abrir o mais rápido possível e sem grande soft opening.

 

Em relação ao nome, por questões estratégicas, Farges continua a não querer revelá-lo. A ideia é que assim o mesmo tenha um maior impacto quando for divulgado. Porém, adianta: “o restaurante será parte de uma marca mais completa”.

 


Pesca em maré de aberturas

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Ainda acabava de publicar o post abaixo sobre o novo restaurante de Vincent Farges, quando recebo, no email, a informação que outro dos mais aguardados restaurantes da reentrada, o Pesca, cuja existência comunicámos, aqui, em primeira mão, abre na próxima semana. Na verdade, não é anunciada a data, mas é referido que as reservas já estão abertas. Acontece que quando se verifica o calendário, o dia 26 é a primeira data disponível.

 

O Pesca, é o projecto mais ambicioso do chef Diogo Noronha desde os tempos do Pedro e o Lobo e neste espaço do Príncipe Real irá apostar numa cozinha de autor centrada no mar e na sustentabilidade (todos os vegetais serão de origem biológica, por exemplo). Existirão ainda os cocktails do Fernão Gonçalves e as sobremesas do Claiton Ferreira (de que sou fã).

 

Outra pormenor relevante é o preço. Ao que tudo indica, o Pesca, que é uma parceria de Noronha com o grupo Multifood, alinhará mais pela bitola do Alma do que da do Tapisco, (dois dos outros restaurantes do grupo), a ver pelo preço médio anunciado de 60 euros, sem bebidas. Não vou já aqui levantar suspeitas de aspirações a estrelas Michelin, mas não posso deixar comentar o grande desafio (e a exigência de um cliente que facilmente pagará 75/100€) que têm pela frente, sobretudo, quando está previsto que o restaurante funcione ao almoço e jantar, de terça a sexta, e em contínuo (das 12 às 24h), ao fim de semana - algo que não é muito habitual em restaurantes de topo.

 

Morada: Rua da Escola Politécnica 27, no Príncipe Real

 

Foto: colagem a partir de imagens retiradas do Instagram de Diogo Noronha 

 

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Restaurantes emblemático de França quer deixar de ter 3 estrelas Michelin

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Estrelas Michelin: amo-te e odeio-te. Há quem as deseje arduamente, e, também, quem depois das ter desejado as queira deixar de ter. O caso mais recente é o do restaurante Le Suquet à Laguiole, no Sul de França, do lendário chef Michel Bras (à esquerda na foto), inspirador dos movimentos naturalistas mais recentes (nórdicos e afins), entre outras coisas e outros movimentos anteriores. Desde há 10 anos liderado pelo seu filho Sebastián (à direita na foto), o Le Suquet detem a distinção máxima do Guia Francês desde 1999.

 

Porém, agora, com acordo do pai, Sébastian quer-se livrar de toda a pressão que traz tal comenda e apela ao Guia Michelin para deixar de as ter. "Pretendemos prosseguir com o espírito livre, sem o stress, e oferecer uma cozinha e um serviço que represente esse espírito e o nosso terroir", refere em comunicado à Agência France-Presse (publicado no Le Monde e a que cheguei via Eater.com).  

 

A história não é nova. Antes de Bras, outros tiveram a mesma intenção de deixar de pertencer ao restrito clube dos 3 estrelas do guia vermelho: Joel Robuchon (1996, no seu restaurante parisiense), Alain Senderens (2005), Antoine Westermann (2006) , e Olivier Roellinger (2015), só para referir os nomes mais sonantes, todos de França. As razões são variadas e vão da pressão (por vezes associada à idade), à mudança para um conceito de cozinha mais simples. Há ainda o caso de Ferran Adrià que pura e simplesmente resolveu fechar o El Bulli, no auge da carreira, ou de chefes que quando não são proprietários, simplesmente abandonam o restaurante em busca de algo mais simples, como foi o caso de Dominique Le Stanc (que só tinha duas estrelas), de quem em tempos falámos aqui.  

 

Estas noticias geram sempre apoios e muitos aplausos - normalmente de quem não tem estrelas ou de quem tendo gostaria de seguir os mesmos passos. Porém, e ao contrário do que muitas vezes se escreve, as estrelas não se entregam, nem tão pouco se desiste delas, do mesmo modo que não é uma decisão do chefe possui-las.

 

E é isso que mais uma vez lembra uma das responsáveis pelo guia em França, Dorland-Clauzel. "Não é a primeira vez que um chefe nos pede para deixar de figurar no guia. Anotamos a intenção e respeitamos, porém, não é automático. As equipas vão examinar o pedido e reflectir sobre o que fazer". Dorland-Clauzel reforça ainda que "o Guia Michelin não é feito para os donos de restaurantes, mas para os seus clientes e que a sua independência está na atribuição das distinções". 

 

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Uma das várias versões de le gargouillon, um dos pratos mais emblemáticos de Michel Bras, que é ainda o autor do coulant de chocolate, talvez a sobremesa mais (mal) copiada do mundo.  

 

Fotos retiradas de imagens do filme Entre Les Bras. Na foto de cima 

 

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 . Para quem adora histórias de chefes que largaram as estrelas Michelin 

 

 

Uma lufada de ar fresco chegará em breve à Baixa com a abertura do Prado, do discípulo de Nuno Mendes, António Galapito

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Quando em finais de Maio de 2015, visitei a Taberna do Mercado, de Nuno Mendes, em Londres, gostei muito de falar com António Galapito, o chefe executivo da casa. Foi uma refeição memorável, em que experimentámos quase a carta toda. No final, lá apareceu ele, com o seu ar de miúdo, bem disposto e meio desajeitado na forma de comunicar (com três gestos em cada duas palavras). Nos 15/20 minutos que falámos deu para perceber que adorava o que fazia e estava dar-lhe um grande gozo, tal como ao Nuno Mendes, estar ali, naquela zona mais alternativa de Londres, a fazer uma cozinha portuguesa com um valente twist e completamente fora do padrão do restaurante very typical luso no estrangeiro.

 

Pelo diálogo e, mais tarde, por outras conversas que tive com Nuno Mendes, percebi que Galapito era um cozinheiro com personalidade a quem era permitido (diria mais, até, estimulado) que pensasse com ousadia, criasse e fizesse as suas propostas, isto sobre uma matriz definida por Mendes, claro.

 

Nunca cheguei a perceber o que era de um e o que era de outro, nem creio que isso fosse importante, mas obviamente que tendo trabalhado com o prestigiado chefe português desde os tempos do Bacchus, onde chegou com 17 anos (apenas com uma pausa pelo meio, com passagens por Portugal e pelo Lyle’s, de James Lowe, no regresso a Londres) seria normal que tivesse sido bastante influenciado por ele.

 

Achando que era a altura de matar simbolicamente o pai (a interpretação é minha), António Galapito decidiu aceitar a proposta de umas amigas da namorada, proprietárias do aparthotel-boutique The Lisboans, próximo da Sé, e regressar a Lisboa para comandar, agora sozinho, o seu primeiro restaurante.

 

Contudo, à primeira abordagem Galapito respondeu com um não, pois não tinha grande vontade de abandonar Londres. Porém, em Dezembro último, ao visitar o espaço algo mudou. "Eh pá achei logo que nos identificávamos com aquilo”. O jovem chefe de 26 anos (faz 27 em Dezembro) diz que observou tudo muito calado mas em pulgas por dentro. “Cheguei a casa comecei a divagar com a Becas”, começa por contar, referindo-se à namorada, Inês Pereira, que será a responsável pela sala. “Este espaço parece que se encaixa no que queremos fazer. Comida muito maluca, que está sempre a mudar, vinhos naturais...muitas vezes vais a restaurantes e as coisas não encaixam e aqui encaixaram-se logo”.

 

Achei piada à expressão “comida muito maluca”. Galapito ainda hesitou quando utilizou o termo mas logo desistiu. O restaurante já tem nome, Prado, e a abertura está prevista para finais de Outubro/Novembro. A sua ideia é adoptar o conceito “farm to table” (do produtor à mesa), com uma carta com poucos pratos (6), que serão servidos o dia inteiro, reforçada por um quadro de “especiais” ao almoço e ao jantar, que poderão somar, no total, umas 20 propostas. “Num dia pode ter 10, no dia seguinte pode ter 20”. Galapito explica a possível oscilação: “Num determinado dia recebes um produto especial e fazes um prato mesmo que a quantidade seja mínima. Quando acabar, acabou, risca-se do quadro”. Tudo isto tem muito a ver com o facto de não querer receber a papinha já pronta, como acontece em muitos restaurantes. “Vamos comprar uma carcaça porco preto de 120 kg. Ou uma carcaça de 200kg do Jacinto e trabalhar os vários cortes”, exemplifica, adiantando ainda que não pretende comprar carnes curadas. “Vou fazer porco e vaca maturada e enchidos menos curados”.

 

Ouvi-lo falar assim, de rompante, parece um pouco em delírio. Porém, ainda que com algum entusiasmo natural à mistura, fala de forma séria e com conhecimento. Não se trata de fazer experiências à toa. “São coisas que tinha na Taberna do Mercado mas vou querer aprofundar mais aqui”. A grande diferença, segundo Galapito, é que em Londres havia um conceito de fazer uma cozinha lusa e no Prado ele quer sentir-se livre e não ter que ir por esse caminho. “Não tenho que ficar no espartilho da cozinha portuguesa. O produto será nacional, mas a cozinha não, necessariamente”. E dá como exemplo: “não haverá uma caldeirada, mas pode haver algo que lembre”.

 

À partida a ideia é trabalhar com ingredientes sazonais, locais e frescos e que a comida seja de “pouca intervenção”, com pratos no meio da mesa para partilhar, sem grandes distinções entre entradas e principais, e que quase tudo venha da grelha, onde pretende usar dois tipos de madeira: oliveira e cepas de vinhas. Esta última, segundo ele “dá um fumado mais leve e doce na boca”. Na cozinha, Galapito terá a companhia de outros colegas lusos vindos de Londres. “Dois deles, trabalharam comigo na Taberna”.

 

Outro aspecto interessante (e muito importante para ele) é a parte vínica. Apaixonado por vinhos naturais, Galapito que terá como sommelier a espanhola Maria Rodriguez (que trabalhou com Leonardo Pereira no Areias do Seixo) quer ter uma carta essencialmente de vinhos portugueses de intervenção mínima, “bio, biodinâmicos e naturais”. Para isso andaram recentemente em trabalho de campo durante duas semanas (ele, a Inês a Maria) visitando produtores portugueses cujo trabalho apreciam e cujos vinhos já conheciam, em parte, de Londres - para quem ache que tu isto é só blah blah, pode dar uma espreitada no seu Instagram e confirmar.

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 O Prado, abrirá no piso térreo do The Lisboans, na Travessa das Pedras Negras, a dois passos da Sé.

  

Em termos de preços, Galapito aponta para 15/20 euros ao almoço (com um copo de vinho) e 20/30 euros, ao jantar. “Mas podes gastar muito mais”, refere. Por enquanto ainda não á um número de contacto mas para quem quiser comunicar com eles, deixa o email: info@pradorestaurante.com

 

Já estou a ver várias pessoas a torcer o nariz a tanto entusiasmo e a fígado de tamboril. O tempo o dirá, mas estarei sozinho ao dizer que é sempre bom sentir mais uma brisa de ar fresco a passar por Lisboa. Uma cidade com o seu estatuto tem de conseguir acolher restaurantes com características diferentes. Pelo menos assim o espero. Pumba!

 

Menu de Interrogação - 10 Perguntas a Kiko Martins

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Há uma ideia no discurso em Kiko Martins que ecoa ao longo do seu discurso: trazer o mundo e novos sabores a Portugal. É conhecida a importância das suas viagens pelo globo - nomeadamente da que fez, em 2011- e que viria a dar lugar ao livro Comer o Mundo - como fonte de inspiração para os seus 4 restaurantes abertos ao longo dos últimos cinco anos. Afinal, a sua “pré-história” também é feita de viagens e mudanças, a começar no lugar de nascimento, o Rio de Janeiro, onde viveu até aos 11 anos, ou a passagem por Paris, já em adulto, onde estudou cozinha (no Cordon Bleu) e trabalhou (no Ledoyan), após concluir que a licenciatura obtida em Gestão e Marketing, em Lisboa, não era a sua praia. Kiko Martins ainda passou por Inglaterra (Fat Duck), Moçambique, onde fez um importante ano sabático, como voluntário, para acabar na capital portuguesa, onde já tinha trabalhado como cozinheiro (no Eleven e num projecto próprio, o Mastige).

 

Porém, é no período pós volta ao globo que começa a sua história, ou digamos, a sua faceta mais relevante: a de cozinheiro, chefe, proprietário de restaurantes, criador de conceitos de cozinha e personalidade de televisão. É sobre este período que recai também o teor desta entrevista, a última da segunda série do Menu de Interrogação, que desde o inicio conta com o patrocínio da Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.

 

Que conselhos daria aos responsáveis dos restaurantes portugueses para terem tão bom ambiente quanto os seus?

  

Permitam-me dar dois e não apenas um conselho. O primeiro é que se profissionalizem mais e mais. Que procurem primar pelo método, rigor e organização. E o segundo... eu crio restaurantes onde me sinto bem e onde me divirto.

 

Passou de um a seis restaurantes em menos de 5 anos, sem nenhum ser réplica do outro. Qual o segredo para crescer tão rápido e com sucesso? E as dores de crescimento?

 

O segredo para crescer com sucesso é, sem dúvida, fazê-lo em equipa, saber que se quero construir sozinho vou mais rápido, mas que se quero ir longe tenho de me fazer acompanhar. Por isso, acho que a minha sorte foi conseguir rodear-me de profissionais fantásticos numa combinação de valências invejável no sector da restauração. A minha competência neste puzzle é a de cozinheiro, a de viajante, a de alguém que é apaixonado por conhecer e procurar trazer sabores do mundo a Portugal.

 

Dores de crescimento só as tive aos 5 anos, actualmente, com 38, adoro o que faço e divirto-me à brava, sem qualquer dor!

 

Sente-se mais cozinheiro ou empresário da restauração?

 

Sou, sem dúvida nenhuma, um cozinheiro. Não sou um empresário da restauração, nem ambiciono ser.

Gosto de cozinhar, de investigar, de pensar novos e diferentes conceitos, de viajar, de encher a minha "despensa" de mundo: viajar é e sempre será "ganhar avanço!"

 

A gestão empresarial do meu Grupo não me compete. Tenho o privilégio de contar com um dos profissionais mais competentes nessa área, em Portugal, o meu sócio João Louro que está comigo desde o primeiro dia.

 

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Quatro dos cinco restaurantes do Chef Kiko: O Talho,  A Cevicheria, O Asiático e O Watt (só faltou o Surf & Turf do Mercado da Ribeira)

 

Sabemos da importância da televisão para o negócio de um chefe. Porém, os seus papéis no ecrã são cada vez mais os de um animadores do que de cozinheiros. Não se sente, por vezes, uma caricatura de si mesmo?

 

Nem pensar. Acho que, felizmente, nunca tive que representar na Televisão, pude sempre ser eu próprio. Todos os programas que fiz, desde o Chef's Academy, que era uma Escola, aos seguintes, foram sempre dedicados ao crescimento gastronómico dos concorrentes e, naturalmente, dos espectadores. A mim competia-me sempre partilhar o meu conhecimento, ser justo e objectivo nas avaliações efectuadas.

 

 

 

A sua "marca"é Chef Kiko a até inclui uma fotografia sua. Onde é que hoje os clientes o podem ver, sem ser na televisão?

  

Podem ver-me em qualquer um dos meus restaurantes, seja n'O Talho, n'A Cevicheria, n'O Asiático, n'O Surf & Turf e mais recentemente n'O Watt.

Não me podem ver no meu Laboratório, onde passo parte da semana, mas em qualquer um dos restaurantes que referi, não há semana em que não esteja presente para acompanhar a operação.

 

É importante criar pratos, mas mais importante é "fazê-los acontecer", implementá-los e procurar garantir que chegam ao meu Cliente tal e qual como os imaginei.

 

Com tanta falta de mão de obra nos restaurantes portugueses, na cozinha e na sala, e com a perspectiva de continuar a aumentar a procura, acha que os empresários de restauração terão que pagar melhor ou dar melhores condições a quem querem recrutar?

 

Felizmente, acho que tenho conseguido atrair equipas fantásticas tanto de cozinha como de sala e de bar. Ainda esta semana estava em reunião com os meus chefes e subchefes de cozinha... e que prazer é vê-los realizarem-se e crescerem como pessoas e profissionais.

 

Não tenho sentido essa dificuldade que o sector sente. Felizmente tenho conseguido motivar as pessoas a trabalharem comigo, talvez pelo rigor, paixão, rasgo de dogmas e profissionalismo que incutimos cá dentro.

 

Mas reconheço que o sector passa por dificuldades em termos de mão-de-obra qualificada. Quem sabe se mais importante do que terem reduzido o IVA na restauração teria sido aplicar esse dinheiro nas nossas actuais escolas de turismo e na criação de uma escola landmark de qualidade inquestionável e que colocasse Portugal no nível superior da educação e formação no sector do Turismo. Portugal merecia!

 

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O tártaro d'O Talho, o quinoto do mar d' A Cevicheria, o polvo d'O Asiático e o tomate com burrata d'O Watt

 

Conseguiria ter tanto êxito e tão rapidamente sem o enorme aumento do turismo que houve em Lisboa nos últimos anos?

 

Cenários e criações só faço na minha cozinha. Eu não consigo imaginar o que seria se não fosse cozinheiro, se não fosse apaixonado por esta actividade, pelos produtos, pela partilha, pela adrenalina que é a vida na cozinha e na resolução constante dos desafios de uma cozinha. Por isso, imaginar cenários para além da cozinha...eu não consigo nem me dedico a tal.

 

Os seus pratos e conceitos reflectem uma forma pessoal de ver o mundo, muito influenciada pela sua celebre viagem de cerca de 2 anos à volta do globo. Como se passa o que não vem nas fichas técnicas (a cultura, as sensações, os aromas, os sabores, etc) para as brigadas de cozinha que nunca tiveram contacto com essas gastronomias distantes? Em que restaurante sentiu mais dificuldade a esse nível?

 

Acho que isto apenas se passa única e exclusivamente de uma forma: muito planeamento, muito procedimento, muito rigor, muito detalhe, muito acompanhamento, muito carinho e muita, mas muita, paixão.

 

Talvez o espaço onde o desafio é maior seja O Asiático. É uma cultura muito distante, uma cozinha em que o consumidor Português acha que já conhece tudo. Acha que comer asiático é comer crepes, sushi e ramen... o que, convenhamos, é muito redutor quando falamos do maior Continente do mundo. N'O Asiático procuro partilhar sabores asiáticos não antes testados e provados em Portugal. É um risco? É! Mas é também isso que me dá gozo.

 

O Watt, aberto recentemente, é o seu 5° e ultimo restaurante. What's next? (Fazer mais um filho não é resposta válida)

 

Continuar a trazer sabores do mundo para os portugueses que me dão o privilégio de gostarem de mim e de me visitarem nos meus restaurantes.

Acho que se montei estes restaurantes todos num espaço de quatro anos só podem esperar que a paixão e a força se manterá inabalável nos próximos quatro.

 

E pergunta da praxe: qual seria a sua ultima refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?

 

Epá....uma última refeição é complicado mas posso imaginar aqui uma última viagem: Terminava o pequeno almoço no terminal de Pesquero de Lima a comer um grande ceviche, depois um saltinho ao Uruguai para uma fantástica picanha com molho de chimichurri e umas batatinhas assadas, novo salto agora para uma tempura em Tóquio com um mestre de tempuras que tive oportunidade de conhecer na última viagem que fiz à cidade, e, para terminar...Havai, para um memorável poke de atum após uma sempre necessária surfada.

 

Patrocínio:

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Fotos retiradas do facebook de Kiko Martins 

 

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Critica Gastronómica - Coelho da Rocha (Campo de Ourique - Lisboa)

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“Campo de Ourique é um bairro do caraças!” referiu-me uma vez Vítor Sobral, com um brilho nos olhos, quando há uns anos abriu o seu primeiro restaurante na zona e teve de imediato a adesão dos residentes. Mas hoje não é da Tasca, nem da Peixaria da Esquina que escrevo. Mas sim de um daqueles restaurantes familiares de bairro, de que esta parte da cidade é pródiga. Podia ter sido o Solar dos Duques, o Verde Gaio, ou o Magano, mas a escolha acabou por incidir no Coelho da Rocha, um clássico de Campo de Ourique, reaberto em 2015, pelas mãos dos irmãos Marco e Bruno Luís (os mesmos do Magano). A razão, ou a preferência (que não é absoluta) explica-se facilmente. As obras de reabilitação tornaram o espaço mais elegante, confortável e acolhedor, face à concorrência (aplauso para a iluminação, um campo sempre tão difícil de acertar nos nossos restaurantes), e a comida bate-se aos pontos, ou supera-a, no caso do que sai da grelha. Mas esmiucemos um pouco mais o assunto.

 

O Coelho da Rocha consegue oferecer de forma feliz num único espaço (na verdade em três, duas salas e um confortável balcão com uma dezena de lugares): petiscos, pratos de marisqueira e grelhados. Nos primeiros, há muito por onde escolher. Ou melhor, em parte nem é preciso, dado que quando nos sentamos logo nos colocam uma série deles à frente. Neste caso: uns saborosos cogumelos gratinados com maionese (sim, vão a gratinar com maionese. Sabe melhor do que soa); umas empadinhas de galinha - com um ligeiro gosto a desilusão, porque o recheio é maçudo, quando deveria ser mais leve e de carne desfiada; uma salada de polvo bem temperada e com o dito cozinhado no ponto (i.e. a oferecer uma ligeira resistência); um prato de viciantes torradas (finíssimas) alhadas e outro, de presunto ibérico, de bom aspecto, mas que se recusou e foi retirado, obviamente, sem qualquer contragosto. A política de colocar várias entradas na mesa sem serem pedidas é uma prática que não é pacífica, que continua a ser comum em muitos restaurantes. De facto é uma estratégia que faz vender e uma linha ténue entre o "empurrar" algo e o de prestar um serviço rápido a quem chega faminto.

 

Ainda nos petiscos, entre as três dezenas de propostas (que incluem os tais pratos que refiro serem de marisqueira), pedimos para completar o capítulo, uns ovos com espargos selvagens (cof, cof... de cultivo), bem feitos mas algo desenxabidos (este é um dos cozinhados em que pedir o sal disfarça mas não resolve), uns peixinhos da horta de polme perfeita, umas amêijoas à Bulhão Pato, grandes, deliciosas e confecionadas a preceito e, por último, uma das melhores gambas “à Guilho” (sic) de que tenho memória. Eram apenas meia dúzia e a receita até me pareceu fugir um pouco ao original (no molho). Porém, a qualidade da matéria prima e, de novo, a elaboração primorosa elevou-o a prato da noite, no que diz respeito aos petiscos. Éramos quatro e podíamos ter ficado por ali, que todos sairiam satisfeitos. Porém, era difícil resistir a experimentar algo da grelha. Pedimos o costeletão maturado no churrasco, que vem indicado para ara duas pessoas. Pode parecer caro (50€) mas dá tranquilamente para três (no caso até deu para quatro e ainda para trazer um pedaço para casa). E vale mesmo muito a pena. A peça suculenta, bem grelhada (mal passada, mas com uma capa protectora bem caramelizada) e raiada de gordura deliciosa é de comer e chorar por mais. Vale cada cêntimo. Não consegui obter grandes pormenores quanto à origem, mas pareceu-me de um animal bovino já com alguma idade e em que a maturação leve serviu para amaciar a carne e aportar complexidade de sabor, sem chegar às notas terciárias, nem sempre agradáveis para alguns, típicas de um dry aged mais prolongado.

 

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Salada de polvo, ovos mexidos com espargos, peixinhos da horta a à gambas “à Guilho”

 

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Amêijoas à Bulhão Pato

 

Como nem todos à mesa partilham da teoria dos dois compartimentos (a da gaveta própria para os doces, independentemente do que se ingeriu antes), apenas pedimos de sobremesa uma peça de fruta e um doce, sendo que a sorte não esteve do nosso lado. A manga não era grande coisa (nem de textura, nem de sabor) e o fidalgo ainda menos, dado que a “pele” de ovo, que reveste e entremeia este doce, estava demasiado espessa e dura, o que acabou por prejudicar bastante o conjunto. O que é estranho porque os doces conventuais (ou de tipo conventual) costumam ser bons por estas bandas.

 

Quanto aos vinhos, o Coelho da Rocha possui uma lista com boas escolhas, ainda que divididos de forma algo sui generis. Se nos brancos a distribuição até é razoavelmente equilibrada - Vinhos Verdes (16 referências), Douro/Trás-os-Montes (20), Dão (10), Bairrada (2), Lisboa/Tejo/Setúbal (7), Alentejo (12) - já nos tintos vão directo ao assunto, como quem parece querer dizer: “Ah a malta quer é vinhos do Douro e do Alentejo? Então são essas regiões que vamos colocar na carta. Ah e 2011 foi um grande ano? Então criamos uma secção só para vinhos dessas colheitas. E não colocamos tintos de outras regiões (sem ser os de 2011)? Ok, mete-se lá meia dúzia do Dão, mas chega. E tal como todos os outros nada de datas, que é para não ofuscar os 2011”. Valha-nos que há por ali algumas preciosidades, tudo (ou quase tudo) está guardado em garrafeiras climatizadas e os copos são apropriados. Até parece estarem a par das novas tendências dado que o empregado perguntou se queríamos flutes, ou os copos de branco que já se encontravam na mesa, para o espumante que pedimos, o agradável e descomprometido 3B de Filipa Pato. Também pode ter sido uma pergunta comodista, para evitar trabalho acrescido, mas quero crer que não, até porque o serviço é bom, por estas bandas. Correcto, eficiente e caloroso, à imagem do que é habitual nos melhores restaurantes do género.

 

O Coelho da Rocha é um daqueles lugares onde queremos ir quando queremos estar num ambiente familiar, com uma comida mais petisqueira, ou de conforto, confeccionada com bons ingredientes. Campo de Ourique é de facto um belo bairro.

 

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 Costeletão de boi maturado

 

Preço médio: 35€ (pax, com bebidas).

 

Contactos: Coelho da Rocha 104, Lisboa | Tel: 21 390 0855 | Horário: 12:00 a 15:30, 19:00 a 23:00 (encerra ao domingo)

 

 

Classificação:

 

Cozinha: 17 ; Sala:17; Vinhos:16

 

Texto publicado originalmente na Revista de Vinhos de Maio. Fotos: E-konomista (entrada) e Miguel Pires

 

As primeiras impressões sobre o Restaurante Pesca, de Diogo Noronha

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Está em soft opening*, embora não pareça, a ver pela casa cheia com que me deparei esta quinta-feira. O espaço é bonito, ainda que um pouco apertado para os preços praticados (devia haver maior distância entre mesas): bar à entrada, cozinha no meio, sala seguida de uma esplanada ao fundo com tecto retráctil, o que permitirá o uso no Inverno com a ajuda dos aquecedores que foram instalados.  

 

Mas o mais relevante que pude constatar é que a cozinha do Diogo Noronha está muito bem: superior e mais madura em relação à que fazia nos tempos do Pedro e o Lobo e mais nobre e consistente do que apresentada antes na Casa de Pasto e no Rio Maravilha. Noronha optou por trabalhar com uma carta relativamente curta mas apelativa, se o desejo não for de carne, claro, dado que aqui o produto do mar é rei, como o nome deixava adivinhar (ainda que os vegetais desempenham um papel importante, também). 

 

Gostei muito do que comi e do que bebi: das entradas, uma couve flor assada de estalo e um tártaro de lulas muito elegante - ainda que torça o nariz a que lhe chame “tártaro”. Dos pratos principais, destaco o delicioso e outonal pregado na brasa, cogumelos silvestres (cantarelos), patissons, batata nova (com um suave geleia de mostarda por cima) e um jus de carne delicado - ainda que o pargo braseado (um senhor pargo, diga-se) com puré de tupinambor, laranja, espinafres selvagens, sésamo e emulsão de alho negro, não lhe tenha ficado muito atrás.  

 

Também ainda não foi desta que o chefe pasteleiro Claiton Ferreira me desiludiu. Que bela e equilibrada marmelada de maçã com gelado de iogurte. Ah! E os cocktails do Fernão Gonçalves Gonçalves prometem. A sua versão do negroni é um espectáculo! Também outro habitué nas últimas equipas de Noronha está com ele no Pesca. Refiro-me a Vagner Costa, o chefe de sala, talvez o que tem mais trabalho de afinação da equipa pela frente. Quanto a preços...hum... algo salgados. It’s The Principe Real, stupid!

 

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couve-flor na brasa creme de avelãs, puré de limão, ervilha de quebrar e carvão vegetal

 

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tártaro de lula gema de ovo em picle, maçã Granny Smith, aipo rama e aneto

 

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pregado na brasa, cogumelos silvestres, batata nova, geleia de sementes de mostarda, patissons, óleo de argan e azedas limão

 

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pargo legítimo braseado, puré de tupinambor, laranja, espinafres selvagens, sésamo e emulsão de alho negro

 

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marmelada de maçã gelado de iogurte de ovelha, pétalas caramelizadas e flor de sabugueiro 

 

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negroni salgado envelhecido com funcho gin plymouth, tequila excellia, vermouth la quintinye rouge e campari

 

 

Grã-Bretanha & Irlanda perdem o fôlego na recente edição do Guia Michelin

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Já se viveram dias mais animados no Reino Unido e Irlanda no que diz respeito ao Guia Michelin. Na verdade, há formas diferentes de olhar para a garrafa. Se a quisermos ver meio cheia, podemos dizer que as notícias até são boas porque ao nível mais alto existe um restaurante novo a juntar-se ao híper restrito grupo dos que contam com 3 estrelas. É ele o The Araki, em Londres, um japonês de 9 lugares com menu a 300 libras/pessoa comandado pelo chefe Mitsuhiro Araki (na foto de cima) - já agora os outros são: Alain Ducasse at The Dorchester (Londres), Restaurant Gordon Ramsay (Londres), Fat Duck   (Bray), The Waterside Inn (Bray).

 

Do lado das boas notícias há ainda o caso do novo restaurante do chefe Claude Bosi, o Bibendum, que entra directamente com 2 estrelas no reino da Michelin (será por causa do nome ou por jogar em casa?) e também o facto de haver 16 novos espaços com 1 estrela.

 

Porém, se quisermos ver antes a garrafa meio fazia podemos dizer que apenas um novo 2 estrelas é pouco e que sabe a menos ainda se tivermos em conta que houve 13 lugares que perderam a sua estrela, o que faz com que o saldo positivo de apenas +3 restaurantes com uma estrela soe a poucochinho.

 

Por curiosidade, entre os que ganharam há um de cozinha chinesa, o A Wong, e dois de cozinha indiana, o Vineet Bhatia e Jamavar Mayfair, todos em Londres. Também é interessante verificar que entre os que perderam as estrelas apenas um é em Londres, o Dabbous, e devido ao seu encerramento.

 

Por último, refira-se que o Guia Michelin Grã Bretanha & Irlanda 2018 marca o inicio da caça às estrelas na Europa e que o lançamento da edição ibérica está previsto para o dia 22 de Novembro, conforme anunciámos aqui

 

Posts Relacionados: 

E a próxima Gala do Guia Michelin ibérico vai ser em...Espanha

 

Foto: Luxeat

 


"What’s Hot": Os 12 Pratos do Trimestre (Jul/Set17). Para comer e chorar por mais

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Para os amantes da boa comida, seja ela de que tipo for - tradicional ou contemporânea, portuguesa ou estrangeira - há uma característica que gostamos muito de salientar: a emoção.

 

Porém, como em tudo, os pratos que emocionam umas pessoas não são os que emocionam outras. Umas vezes remetem-nos para uma recordação outras vezes apenas para um prazer directo e imediato, que não tem mais nem menos valor do que outros, Ainda que nos provoquem, que nos façam pensar e que fiquem agarrados à memória por muito tempo. Ora, a lista de pratos deste 3º trimestre tem um pouco de tudo isto e daquilo. Vamos lá então:

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Sempre apreciei o interesse de Hans Neuner, no Ocean, (no Vila Vita Parc, em Porches - Algarve), em levar à mesa os sabores do Algarve. E, mais ainda, a forma criativa com que os recria, nos snacks que abrem os  menus de degustação. É o que acontece nesta salada de cenoura algarvia que nos chega numa taça de cimento com uma capa gelada crocante. Quando esta começa a derreter-se - ou quando a quebramos – deposita-se no interior e mistura-se com uma mousse do mesmo vegetal. É um espectáculo, com contrastes de texturas, de temperaturas e de sabores bem definidos (com um toque característico de cominhos). Venha daí a 3ª estrela Michelin!

 

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Assim, sem contextualizar, pode parecer um absurdo que Ljubomir Stanisic tenha proposto um restaurante vegetariano no Douro - e não é para fazer festinhas ou vontade ao PAN, não :) (as razões e o contexto podem ser lidas aqui). Porém, para este post o que interessa dizer é que no Terroir, do hotel Six Senses Douro Valley, até o Cro-Magnon mais carnívoro teria dificuldades em negar uma evidência: a de que a cozinha vegetariana de Ljubomir é saborosa e inventiva. Um dos bons exemplos é este fresco tártaro de beterraba com bolacha de wasabi.

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Na viagem pelo Peru, conduzida por Diego Muñoz (com José Avillez) na Cantina Peruana, em Lisboa, a secção "Mundo Cru e Frio” é a minha preferida. O ceviche clássico é de letra, mas este tiradito de ají amarelo, ainda o supera. Novamente um óptimo exemplo de contrastes de texturas, ácido/doce (leva batata doce e alho negro) e temperaturas (a malagueta, o ají, é transformada num polvilho gelado e servida ao lado do peixe – corvina, neste caso).

 

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Não deve haver por cá muitos lugares com ousadia suficiente para apresentar algo assim. Estão a ver o rim, um dos icónicos bolos da nossa pastelaria semi-industrial, certo? Agora, em vez de um recheio de creme de pasteleiro, imaginem um de mousse de rim de porco. Não vos atrai a ideia? Pois eu atirei-me ao meu e, depois, ao de mais alguém. Foi em Lisboa, no Loco, de Alexandre Silva, claro.

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Quando comi a primeira vez a salada de fígado de coentrada d’ O Chana de Bernardino, no Redondo, o dito ainda era feito num grelhador de ferro fundido debaixo da chaminé. Os tempos mudaram, o restaurante também, e eu fiquei com a sensação que aquele fígado, tenro, saboroso (por ser de qualidade e bem marcado na grelha) nunca mais foi o mesmo. Felizmente, na última visita, as minhas desconfianças acabaram. Um clássico!

 

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José Júlio Vintém, do Tomba Lobos, abriu este Verão, no centro de Portalegre, a Tasca – Na Boca do Lobo, com uma vertente mais petisqueira, com o sentido de atrair a gente da terra. Entre uma meia dúzia de propostas dignas de registo, babei-me com a salada de orelha de porco. Não sei como é que a faz, de tão delicada que fica. Mas suspeito que esta até o Duarte Calvão comeria.

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No Belcanto, o Menu Evolução é aquele em que José Avillez apresenta as suas propostas mais recentes. Podia aqui colocar a enguia fumada, com gema de ovo, puré de topinambo e molho da cabidela, mas prefiro ilustrar a experiência com um bicho mais bonito e que estava igualmente de bradar aos céus. Refiro-me ao lavagante grelhado, de intervenção minimalista - com uma ligeira passagem pelo Josper, para ganhar um suave toque fumado.

 

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Pregadoé um dos meus peixes fetiche e quando a qualidade não atraiçoa e o cozinheiro percebe da poda é um peixe de sabor, aroma e textura imbatíveis. Este foi assado num antigo forno de pão a lenha, na Tasca do Joel, em Peniche.

 

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Receio já aqui ter falado que o pregadoé um dos meus peixes fetiche... Hum, pois é. E versátil. Nesta proposta do Diogo Noronha, no seu novo restaurante Pesca, vem com um jus de carne e boa companhia (batata com geleia de mostarda, topinambo entre outros). Matéria prima quase ao natural ou orquestrada de forma afinada? Ambas.

 

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Passar uns dias na zona de Vila do Bispo é igual a ir jantar lulas recheadas (e mais uns percebes) ao Café Correia. Não sei se é pelas lulas, se pelo toque de mestre no guisado, se pela qualidade das batatas que não encontro em outro lugar, mas desconfio que é um pouco por tudo isso. (E a D. Lilita, que está um doce?)

 

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Torço normalmente o nariz a lugares muito chiques, muito de luxos, muito de modas. Porém, devo reconhecer que se come bem no JNCêQUOI, mérito (entre outros) do chefe António Boia, que definiu uma cozinha de fácil agrado, mas com produtos de qualidade e receituário afinado. Esta paletinha de cabrito à portuguesa com arroz de forno e grelos, cozinhada a baixa temperatura, era de chorar. É que, além de altamente sápida, vinha de desfiar à colher. E a pele tostada? E o igualmente bem tostado arroz de forno? Vale o preço (upa upa) que custa.

 

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Chama-se “feno” e quando vem à mesa do Vale Abraão, o restaurante principal do Hotel Six Senses Douro Valley, o empregado lança-lhe fogo (não ao doce em si mas à palha que vem ao lado). Ljubomir Stanisic, o autor da sobremesa, inspirou-se nos fogos que assolaram a região no inicio do Verão. A poesia e a encenação despertam a curiosidade e potenciam a experiência. Porém, este sponge cake com espuma de feno e crocante com sementes de linhaça é tão leve e bom que até me emocionaria se tivesse de o comer numa bomba de gasolina. Agora imaginem fazê-lo a mirar o Douro.

 

 

Pronto, é isto. Em Janeiro, há mais

 

Patrocínio:

 

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E o que fazer quando um lavagante nos bate à porta?

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Manhã de sábado, já quase a bater as 13 horas (tarde, portanto) no Mercado 31 de Janeiro, ao Saldanha, e vejo-o ali, sozinho, com o seu olhar altivo como quem se sente algo incomodado por estar rodeado por umas gambas (quase) do povo e uns percebes com ar delicioso, mas feiosos - aos seus olhos, claro. “Leva-me, leva-me daqui”, parecia dizer. “Açucena, não estou gostar do olhar do bicho. Ele vai-me desgraçar a carteira”. Ao seu lado, uma placa informava-nos quanto ao seu pedigree: “38€/Kg”. Olha, que se f..., dias não são dias e isto não deve ter mais do que 500/600 gramas. Pois, não, tinha só 1.2Kg. Portanto... é fazer as contas. Ou é melhor não.

 

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Sim, estava vivo, mas nada de ir fazer queixinhas ao PAN que eu tratei-o com carinho. E agora, só vou cozinhar isto amanhã, como o guardo? Achei que o iria asfixiar se o mantivesse no saco de plástico. Portanto, tirei-o e coloquei-o numa travessa com papel de cozinha húmido por cima, enquanto procurava um especialista na Matéria, via Instagram. As instruções vieram rápido “o pano ou papel deve estar molhado com água salgada ou água do mar”. Ooops, lá fui deitar uns flocos de flor de sal por cima do papel humedecido, rezando para que lhe fizesse lembrar a água do mar. E como o cozinho?

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Domingo, pelas 12h sigo as instruções do Chefe Matéria. Numa panela aqueço 3 litros de água com 90 gramas de sal. Quando levanta a fervura, deito o lavagante lá dentro e conto os minutos. Tiro-o e coloco-o imediatamente em água com gelo e vou tratar do acompanhamento. Ainda não sei como vai resultar o prato, mas decido que duas batatas e um bolbo de funcho serão suficientes. Começo por separar a cabeça do corpo. Guardo a “mioleira” no frigorífico, corto a cabeça ao meio e junto as duas partes numa panela, onde uma cebola já estrugia no azeite. Junto água, adiciono alguns vegetais (funcho, aipo, alho francês) e vou à luta com as pinças. O termo é mesmo esse porque quando acabo o serviço a cozinha mais parece um campo de batalha. Talvez porque precisasse ainda de uns minutos extra de cozedura, a carne das pinças não se solta facilmente, pelo que não vou conseguir retirá-la intacta, o que me leva a ao plano B, decidido naquele momento).


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Provo o liquido. Está saboroso e elegante, pelo que decido que o mesmo não servirá apenas para o molho, mas também para servir como caldo (passe a redundância) junto com a carne das pinças. Temos uma entrada, portanto. Aconchego o desfiado num prato fundo, integro umas algas e uns pedaços de salicórnia e junto o caldo, após filtrá-lo - fica um pouco turvo, mas não havia nenhum chefe francês a julgá-lo, portanto, tudo como dantes no quartel de Abrantes.

 

 

Chegou a vez de dar o corpo do bicho ao manifesto. Caramba que a carapaça não sai facilmente. Os tais minutinhos a menos (culpa minha, não do Chefe Matéria. Afinal o lavagante tinha 1.2kg e as instruções do mestre eram para 1kg). Com jeitinho lá o ponho a nu. Que beleza...

 

 

Uma manteiguinha nunca fez muito mal a ninguém, pelo menos é o que depreendo pelas/os francesas/es esbeltas/os que se passeiam pelo Prince Royal. Portanto, em caso de não saberes o que deves fazer, bota manteiga na frigideira. Ou neste caso, no sautée, que é mais chique de dizer. E assim foi, levei o nosso amigo à manteiga, já ligeiramente noisette, e fui banhando-o, banhando-o, banhando-o.

 

Reservei o lombo, deitei fora a gordura, limpei muito ligeiramente a frigideira e “deglaciei” com vinho branco, os resquícios que ficaram agarrados ao fundo. Juntei-lhe uma parte do caldo e a “nhanha” da cabeça. Aquilo coalhou um pouco, como já receava, mas nada que uma varinha mágica, não fizesse jus ao nome. Num belo prato do Studio Neves (que a Luciana me ofereceu – adquiriu-o em São Paulo), verti o molho, pousei o lavagante (200gr, um escândalo, eu sei), um quarto de funcho ao lado, disparei a foto e comi. Ok, após a foto juntei mais funcho, uma batata e, ao lado, uma salada de agrião.

 

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E, pronto, quando um lavagante nos bate à porta há que deixá-lo entrar, cortejá-lo e levá-lo ao tapete. Com alguma manteiga, claro. 

 

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p.s: Quando a cozinha se transforma num campo de batalha...

 

Crónica: Um bom exemplo de Espanha (e o que poderíamos aprender com ele)

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Dénia, com os seus 40 mil habitantes, é uma pequena cidade costeira da comunidade Valenciana, que tal como em algumas localidades do Algarve é invadida de veraneantes em Julho e Agosto - e onde pouco se passa entre Outubro e Maio.

 

Para contrariar a sazonalidade, os responsáveis por cidades destas regiões tentam promover toda uma série de eventos para atrair pessoas de fora. Os festivais gastronómicos estão entre os eventos mais escolhidos e, no país vizinho, o mais recente foi o Dna – Festival Gastronòmic Dénia, que aproveitou o evento para celebrar e criar maior impacto para a distinção atribuída a Dénia, em finais de 2015, quando passou a fazer parte da Rede de Cidades Criativas Gastronómicas da UNESCO - como reconhecimento do seu modelo de ecossistema alimentar local, baseado na preservação do território e respeito do meio ambiente.

 

Ter uma série de produtos locais de extrema qualidade e restaurantes que os sabem trabalhar ajuda muito, mas ter um restaurante com 3 estrelas Michelin e um dínamo chamado Quique Dacosta ajuda ainda muito mais. E a ideia e concretização deste festival saiu em boa parte da sua cabeça e de toda uma equipa - sua e de parceiros locais -, que contou com o apoio (forte apoio) das autoridades locais e regionais: Município, organismo de Turismo, Comunidade Valenciana. E estas não se ficaram pelo apoio político e palmadinhas nas costas. Investiram e, pelo que pude ver, muito bem.

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De facto, há muito que não via um evento tão bem montado que integrasse de forma harmoniosa e festiva uma vertente mais popular com outra, a das apresentações dos chefes, com conteúdos para um público mais especifico.

 

No primeiro caso, tínhamos postos de restauração, food-trucks, stands de produtos regionais, aulas para crianças e, num segundo cenário, demonstrações de cozinha. Para o palco principal, ficavam as apresentações dos chefes e um ou outro debate. Isto numa uma estrutura de madeira com um ecrã LED gigante de grande qualidade, que permitia que se visse bem ao longe, em plena luz do dia.

A entrada era gratuita, porque havia o receio de não se conseguir atrair público suficiente e quando chegámos ao espaço, ainda vazio, pela manhã, ficámos impressionados com a beleza do local e com a estrutura montada ao longo dos 400 metros do Paseo de La Marineta, na zona de Marge Roig.

 

O evento foi bem divulgado, o sol brilhava, e a adesão da comunidade local e dos veraneantes em fim de época (internos e estrangeiros) foi total. Segundo a organização, durante os dois dias, passaram pelo evento cerca de 20 mil pessoas. Houve momentos críticos de excesso de afluência em que se tornava difícil a movimentação ao longo de todo o espaço - o que levou, inclusive, num determinado momento, as autoridades a restringirem o acesso ao local. Porém, rapidamente os presentes encontraram formas de contrariar o incómodo e ninguém parecia muito importunado – de facto os espanhóis gostam e sabem mesmo de viver a rua.

 

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Entre paellas, arrozes à banda, polvo seco, biqueirões, mariscos locais, enchidos, vinhos e cervejas artesanais lá andava o “comissário local” Quique Dacosta (na foto de cima), animando os talleres populares, entre mil e umas paragens para uma selfie (põe-te a pau, Marcelo), ou cumprimentando os cozinheiros dos postos de restauração, ou os chefes, antes de entrarem no palco principal (uma curiosidade de registar: Dacosta apenas fez uma apresentação de cozinha e no pequeno palco secundário, deixando o principal para os seus colegas convidados).

 

É claro que quando se tem uma personalidade catalisadora como Quique fica mais fácil ter um painel de Chefes de destaque. E, pelo palco lá passaram nomes como Joan Roca (foto de abertura deste post) , Andoni Luis Aduriz, Ricard Camarena, Ángel León e Jordi Cruz, além de uma série de chefes locais.

 

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E que podemos, em Portugal, aprender com o que se passou em Dénia?

 

Gostamos sempre de fazer comparações com o que se passa no quintal do vizinho pelo que ao longo destes dois dias, várias vezes me questionei:

 

Porque não conseguimos fazer algo assim, por cá, que misture estas duas vertentes, com estes meios, com esta adesão e com este fervor?

 

Porque é que nunca há condições ideais (sala/auditório, ecrãs) para os chefes poderem fazer apresentações como deve ser? (e porque é que muitos não se preparam devidamente, também é uma boa questão)

 

E porque é que o nosso público não adere, a não ser que seja um mega estrela o protagonista?

 

E porque é que (com uma ou outra rara excepção) nos eventos promovidos por entidades públicas tudo tem de estar carregado de mil e um logótipos e toalhas de papel com dois mil e um logótipos?

 

E porque é que (novamente com algumas excepções) o chefes não assistem às apresentações uns dos outros, como vejo em Espanha? (chama-se a isso “apoio” ou sentido de comunidade)

 

E onde estão os alunos das escolas de hotelaria e afins?

 

Não, os nossos eventos promovidos por entidades públicas ou privadas com dinheiros públicos não têm que se comparar aos Madrid Fusión, ao San Sebastian Gastronomika, ou até a muitos eventos periféricos a que não chegam nem de perto em meios (como o Forum Coruña ou o Forum Girona). Porém, uma cidade como Lisboa ou o Porto – só para nomear as principais – tão alavancadas no turismo e em que, segundo os seus dirigentes, a gastronomia é uma prioridade, deveriam de conseguir, no mínimo, ter meios como os que vi nesta cidade de 40 000 (quarenta mil) habitantes do Sul de Espanha. Não?

Critica Gastronómica: Euskalduna, o Porto já merecia um restaurante assim

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A riqueza gastronómica de um lugar é tanto melhor quanto maior for a diversidade da sua oferta. A região do Porto está bem servida de restaurantes tradicionais, de casas de comida popular e económicas, de algumas cozinhas do mundo, e, também, de espaços com propostas mais contemporâneas, seja numa vertente descontraída ou mais de fine dining. Porém, no que diz respeito a estes últimos, os da chamada cozinha de autor, faltava um espaço com um conceito muito especial como o do Euskalduna.

 

Comecemos pela origem do nome. Traduzido de basco para espanhol, Euskalduna significa Vasco, o primeiro nome do chefe proprietário deste novo espaço, que entre os vários lugares onde fez a sua formação como cozinheiro, contam-se o Mugaritz e o Arzak, restaurantes míticos do País Basco espanhol.

 

Em relação ao seu percurso, Vasco Coelho Santos estagiou ainda no famoso El Bulli tendo regressado ao Porto, depois, para trabalhar com Pedro Lemos, onde se manteve durante dois anos. Após o restaurante da Foz, viajou durante uns meses pela Europa e Ásia efectuando curtos estágios em diversos restaurantes. Enquanto reunia condições para abrir o seu actual e mais ambicioso projecto, o chefe portuense foi fazendo jantares privados, tendo tido tempo, pelo meio, para conceber o Baixópito, uma casa descontraída especializada em frango, na Baixa portuense.

 

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Mas viajemos até à Rua de Santo Ildefonso, no centro do Porto, uma zona em processo de revitalização, onde começam a aparecer pequenos negócios que aproveitam a boa onda e o dinamismo que se vive na cidade. No número 404, à porta fechada,  encontra-se então, desde finais de 2016, o Euskalduna Studio. Quando entramos, damos de imediato conta que estamos num lugar acolhedor, de decoração contemporânea, com uma sala ao comprido e cozinha aberta. O espaço não abunda, porém foi bem desenhado e é confortável - para o qual muito contribui a iluminação exemplar. Este aspecto não deixa de ser relevante, sabendo que quem ali entra é convidado a ficar o tempo que for necessário para apreciar, com calma, o menu único de 10 a 12 tempos. A opção passa por eleger uma das três mesas ou um lugar ao balcão, que foi a nossa escolha e que aconselho a reservar, sobretudo para quem gosta de ficar perto da acção e de interagir com os intérpretes.  É que no Euskalduna, com excepção do escanção, não há equipa de sala. Todos os pratos são servidos por este e pelos cozinheiros que estão à nossa frente, sem rede nem filtro. Este sistema, que se tornou mais conhecido com o Noma (em Copenhaga) e que começa a aparecer, aqui e ali (em Lisboa, é adoptado pelo Loco, por exemplo), além de talento requer uma equipa  motivada, conhecedora, com à vontade e capacidade de comunicação.

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E, posso dizer que Vasco Coelho Santos conseguiu reunir uma pequena e jovem equipa de luxo, do escanção Edgar Alves, ao “braço direito” Nuno Brás, passando pelos talentosos Rui Silva e João Costa - ou “Joãozinho”, o benjamim da equipa que ainda mal tem idade para ter carta de condução, mas que sabe explicar os procedimentos de confecção de um prato como um piloto experiente. É óbvio que toda esta conversa só faz sentido se a experiência for boa. E foi o que aconteceu.

 

O chef portuense apresentou um menu cosmopolita assente em produtos de época de grande qualidade, com manipulações reduzidas ao essencial. A proposta muda regularmente de acordo o que lhe vai chegando. Porém, ainda que o risco seja maior do que a opção por um menu muito ensaiado e certinho, o improviso, como no jazz,  assenta em bases  seguras. E o que é certo é que praticamente todos os pratos estiveram bem acima da média, com alguns a roçarem a nota máxima. Entre estes, destaco o caldo de dashi elaborado com cavala (em vez de bonito seco, como fazem os japoneses), um prato de uma enorme  finesse e elegância no palato, valorizado pelo acompanhamento de legumes crus e avinagrados e uma gema de ovo numa consistência de barrar (na foto abaixo). 

 

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 gamba, carabineiro e caril (foto fb Euskalduna. No prato servido as gambas vinham descascadas)

 

Outro prato vencedor foi o rabo de boi com couve grelhada (tão boa que pedi para repetir) e molho de carne confeccionado como mandam as regras.  Mesmo algumas propostas mais controversas não deixam ninguém indiferente. É o caso das gambas do Algarve (cruas) com molho de cabeças de carabineiro, granizado de caril, maçã e manga. A conjugação funciona muito bem, sobretudo para quem gosta de caril. Porém, este preparado de especiarias toma conta de tudo anulando parte do sabor do marisco (que era de grande qualidade).

 

Apreciei ainda a valer um prato de génese portuguesa, o filete peixe galo - de polme e fritura perfeita - acompanhado de uma saborosa açorda (que só pecava por se agarrar mais aos dentes do que devia). Vinha tudo ligado com um interessante caldo de peixe emulsionado com gordura de boi e óleo de coentros. Também merece destaque a corvina grelhada com molho feito com as peles de bacalhau, ou o porco ibérico com um molho de se colar aos lábios, feito com os seus pezinhos. E o que dizer da pornográfica rabanada (inspirada na torrija do Mugaritz) servida com gelado de queijo da serra, que fechou o jantar?

 

O único prato menos conseguido foi a tainha do mar com escabeche. Não por qualquer preconceito relacionado com o nome do peixe (que não tem nada a ver com o de águas menos convidativas) mas apenas porque a textura rija me desagradou.

 

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"sablee, panceta e pampo", o snack que se iniciou o menu 

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 filete peixe galo com açorda de ovas

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 porco ibérico, aipo e feijão (e jus dos pezinhos)

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rabanada com gelado de queijo da serra (foto fb Euskalduna)

 

Em matéria de vinhos, a oferta do Euskalduna é muito coerente com tipo de cozinha praticada. A carta não é grande mas é diversificada e evita o óbvio, dando preferência a vinhos com personalidade (novos e colheitas antigas) de pequenos produtores de todo o país, como dá para perceber pela amostra abaixo, ou seja, pelo pairing de vinhos (25€) que acompanhou o menu:

 

Espumante Hehn 2006 velha reserva (Távora-Varosa), Casal Sta Maria arinto 2014 (Lisboa), Barbeito Delvino dry 5 anos (Madeira), Quinta de San Joanne branco 2000 (Vinhos Verdes), Quinta da Costa do Pinhão Peladosa Tinto 2014 (Douro), Quinta do Canto, 1995 Garrafeira tinto (Bairrada), Quinta do Regueiro Barricas 2014 Alvarinho (Vinhos Verdes), VT Casal Figueira (Lisboa), Barbeito Malvasia 2000 (Madeira), Kokpe Colheita 2007 branco (Porto). Ainda neste campo, devo destacar, além do talento do Edgar Alves na escolha dos vinhos, o seu cuidado com as temperaturas de serviço e a qualidade dos copos, sobretudo os topos de gama da Zalto, que valorizam ainda mais este tipo de vinhos - não é à toa que têm vindo a ser adoptados por uma boa parte dos restaurantes de 2 e 3 estrelas Michelin.

 

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Estou em crer que o forte dinamismo que o Porto tem vindo a viver vem permitir que restaurantes com uma oferta mais sensível e arriscada, fora da matriz mais comum, possam ser bem sucedidos. O Euskalduna chegou na hora certa e merece o destaque e a glória. Espero (ansiosamente) que outros projectos lhe sigam o exemplo.

 

Preço médio: não existe escolha à carta, mas apenas um menu de degustação por 75€. Pairing de bebidas (não obrigatório) que além de vinhos pode incluir cerveja ou infusões: 25€

 

Contactos:

 

R. de Santo Ildefonso 404, 4000-466 Porto

Telefone: 935 335 301 | Horário: Abre apenas ao jantar, de Quarta a Sábado, das 19 às 23h

 

Classificação:

 

Cozinha: 18 ; Sala: 18; vinhos: 18

 

Texto publicado originalmente na Revista de Vinhos nº332 (Julho). Fotos: Miguel Pires e Euskalduna (as 3 iniciais e as assinaladas)

 

Crónica (em jeito de reportagem): “Matéria” da boa, do Alentejo ao Feitoria

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“Vai lá, James. Corre, pá!”, aponta o Sr. Rodrigues. Pink, a cadela épagneul breton farejava incessantemente e parara por uns instantes. Concentrada, com uma das patas traseiras ligeiramente levantada aguardava a indicação do dono. Porém, a codorniz antecipara-se, batera as asas e voara. É nesse instante que James recebe a indicação. Mas esta vem de vários lados e, meio confuso, por ser dada numa língua que não entende e porque há uma cadela estonteada a correr à sua frente em direcção à ave, aponta a espingarda mas por segurança não dispara. Quinze minutos depois, a cena repete-se mas de forma mais ordenada. Desta vez o inglês está preparado e “powww!”, acerta no alvo. A Pink, corre atrás da presa, apanha-a, dá meia volta e vem oferecer o troféu ao caçador, que retribui com um “good girl, Pink!”.

 

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Tu vê lá, oh James!

 

A cena passa-se num couto de caça, próximo de Montemor-o-Novo e James Lowe, chef de cozinha e proprietário do Lyle’s, em Londres (1 estrela Michelin) está em Portugal a convite de João Rodrigues, do Feitoria, para inaugurar o primeiro dos “Jantares Matéria”, uma iniciativa do chefe lisboeta que se desenrolará uma vez a cada 30 dias, durante os próximos meses.

 

Unir o triângulo produto - produtor - chefe é o principal objectivo destes encontros que surgem depois do vencedor dos prémios do Mesa Marcada 2016 ter criado no ano passado um menu com essa denominação, que foi, no fundo, e segundo as suas palavras “a materialização de um estudo no sentido de promover a partilha de produtos e produtores portugueses, permitindo a sua sustentabilidade económica e a sua sustentação científica, contribuindo desta forma para a sua conservação e crescimento futuro”.

 

Este Menu Matéria, ainda em vigor, tem sido um sucesso junto dos clientes do restaurante, que ficam surpreendidos quando a meio do jantar lhes é mostrado um peixe inteiro de bom porte (ou parte dele, no caso de um atum, por exemplo) e que pode vir junto com outras espécies pequenas que fazem parte da sua alimentação. João Rodrigues não o faz por exibicionismo ou apenas para mostrar a frescura ou a qualidade incrível do produto. A ideia do chefe português é ilustrar o ciclo da matéria à sua disposição, do mar à mesa, e, também, para consciencializar o cliente de que aquela porção e aqueles sucos que lhe aparecem no prato finalizado não vêm de uma embalagem asséptica, mas sim de um animal (ou de um vegetal) completo do qual tenta aproveitar o máximo e não apenas as partes ditas mais nobres.

 

Porém, João Rodrigues sentiu que precisava de ir mais além. “A seguir a implementar este menu, obriguei-me a explorar melhor a ideia. Percebi que havia lacunas fundamentais de network e decidi focar-me mais no ciclo “produto - produtor - chefe”. Segundo ele, há questões de logística e de consistência neste triângulo (que na verdade não são de hoje), o que o levou a ir para o terreno e, posteriormente, a criar estes encontros. “Entre o menu e o próximo passo devia haver uma concretização e é assim que surgem este jantares”, explica.

 

Os encontros foram pensados para a época baixa e com ambição de conseguir alcançar uma certa expressão internacional. E, segundo o chefe, a melhor forma de o fazer é incluindo pessoas de fora que possam contribuir para esta cadeia. “A melhor forma é fazê-los viver in loco algumas das nossas experiências”.

E foi deste modo que James Lowe veio parar ao Alentejo. Além da caçada, a pequena comitiva que o acompanhou, visitou Joaquim Arnaud, um produtor muito especial de vinhos e de produtos de cura de nicho (de porco e de vaca de raças autóctones); a SEL, Salsicharia Estremocense, uma empresa de Estremoz - que emprega mais de 200 pessoas da região - especializada em enchidos e outros derivados de porco alentejano, elaborados com uma forte componente artesanal 8ou semi-artesanal) e, por fim, jantou na Mercearia Gadanha, onde a chefe Michele Marques vem fazendo uma cozinha cuidada, saborosa, com um pé na tradição e outro nos dias de hoje.

 

“Queríamos abranger vários espectos de uma região. Ter um chefe local, um produtor de vinhos e de outros produtos característicos daqui”. Sendo a caça, uma actividade ligada ao Alentejo, Rodrigues lembrou-se de Lowe, que além de ser caçador a inclui habitualmente, no Lyle’s.

 

Depois de uma noite bem passada na Casa do Terreiro do Poço, em Borba (um belíssimo turismo de habitação de João Cavaleiro Ferreira), regressámos à propriedade de Joaquim Arnaud, em Pavia, para um almoço à alentejana e à caçador, com o Sr. Rodrigues a apresentar uma feijoada de lebre (caçada na semana anterior) de fazer inveja aos pratos do filho João. Ovos com farinheira, presas e plumas de porco preto de chorar, torricado, presunto de porco alentejano com vários anos de cura do Joaquim Arnaud, mais os seus vinhos meio fora da caixa, enchidos da Sel e uns queijos trazidos pelo Pedro Cardoso d’A Queijaria, completaram o repasto. E que repasto...

 

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James Lowe, Michele Marques e João Rodrigues na Mercearia Gadanha, em Estremoz

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Os presuntos de Pavia do Joaquim Arnaud não foram feitos num dia. Os enchidos da Sel, são de outra cura (de fumeiro) e as plumas e presas na brasa nem meia hora duraram na mesaIMG_2459.JPG

Pai de peixe sabe nadar. Ou será o o contrário? 

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Fim de tarde em Pavia (Alentejo)

 

Por fim, no dia seguinte, houve o jantar no Feitoria, com João Rodrigues, James Lowe e Michele Marques. Aqui, a “matéria” não se ficou exclusivamente pelo Alentejo. Pedro Bastos, da Nutrifresco, fornecedor habitual de Rodrigues (e de uma boa parte dos estrelas Michelin lusos), enviou um belo sortido de pescados e, incansável, andou de mesa em mesa com os cozinheiros a explicar as suas características.

 

Na maior parte dos jantares que reúnem vários chefes, cada um traz o seu prato e tenta-se que haja um fio condutor. Pois, parece-me muito mais interessante quando se arrisca a ir para o arame sem rede, ou, vá lá, com pouca rede. É o que acontece nos jantares no Sangue da Guelra, por exemplo, e foi o que que aconteceu neste Jantar Matéria, no Feitoria, com cada um a trazer para o prato a sua filosofia, com decisões finais tomadas no próprio dia, de acordo com o produto e com o conceito. Estes jantares podem-se tornar mais longos, e nem tudo sai por vezes perfeitinho. Porém, são sem dúvida muito mais estimulantes, quer para quem está do lado de cá, quer para quem está do lado de lá. Ainda para mais, o nível alcançado neste dia foi surpreendente. É engraçado como os pratos de James Lowe comunicam bem com os de João Rodrigues – a cozinha de ambos sendo diferente partilha de muitos pontos comuns, precisamente neste tema da matéria. Porém, e sem qualquer paternalismos, não posso deixar de destacar o trabalho apresentado por Michele Marques, que não tendo a experiência ou as estrelas Michelin dos rapazes esteve à altura deles.

 

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Hora de ponta na cozinha do Feitoria, com Michele Marques, André Cruz, Ruben Trindade, João Rodrigues e James Lowe 

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Portugal num prato (João Rodrigues), borrego, mioleira e pickle (Michele Marques), atum, figado e pimento (James Lowe), gema, cogumelos e tutano (JR), codorniz, romã e beringela (JL), boletus e tocinho fumado (MM)

  

Há muito que não me deixava ficar até ao fim num destes jantares. Sai do Feitoria já bem tarde e com duas garrafas de vinagre do Sr. Rodrigues. “Oh, quando o vinho não corre bem, mando-o para dentro de um depósito e faço vinagre. Este de 2013 está muito bom”. Hum... espera, não são duas, é apenas uma. A outra garrafa “é para a sua colega”. A Alexandra que não se apresse...

 

No meio disto tudo acabei por não me despedir convenientemente de James Lowe. Todavia, deixo-lhe aqui uma mensagem: vai lá, James. Corre, pá! Diz lá à malta de Londres que “quail” em português é codorniz e que nem todo o enchido ou presunto de porco preto de bolota de topo habla español.

 

Fotos: Fabrice Demoulin

Joan Roca vem aí

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Quem esteve na primeira edição, no ano passado, também na LX Factory, certamente não quererá perder a jornada gastronómica Estrella Damm, que, a 30 de Outubro, terá apresentações de grandes nomes da cozinha portuguesa e espanhola, com natural destaque para o mundialmente célebre Joan Roca. O dia em questão é uma segunda-feira, especialmente adequado para os profissionais do sector, a quem o Estrella Damm Gastronomy Congress é dirigido, e terá como tema a mostra de novas tendências na cozinha. Na primeira edição, compareceram quase 400 pessoas (como aqui e aqui relatámos) a este evento promovido pela cervejeira catalã, que também é organizado em Londres, Miami e Melbourne.

 

O programa lisboeta começa às 11.30h, com Alexandre Silva, do Loco, em Lisboa (uma estrela Michelin), com uma apresentação que tem como tema “A criatividade para lá do território”. Segue-se, às 12.15h, Fina Puigdevall, do restaurante Les Cols (duas estrelas), situado em Girona, com “Reinterpretação sensível da própria paisagem”. A jornada da manhã encerra com “A fusão como manifestação criativa”, de Henrique Sá Pessoa, do Alma, Lisboa (uma estrela), único chefe que também se apresentou no ano passado neste evento.

 

A “pausa para degustar”, entre as 13.45h e as 15h, sempre na Lx Factory, fica a cargo de Kiko Martins, um dos chefes portugueses presentes no palco no ano passado. Para iniciar a tarde, não um chefe, mas sim o investigador gastronómico e escritor Toni Massanés, criador e director-geral da Fundação Alicia, que falará sobre “A tendência da ‘não tendência’", um tema bem em foco também em Portugal. Vitor Matos, do Antiqvvm (uma estrela), chega do Porto para, às 15.45h, mostrar “Recordações, tendências, globalização e emoção”.  Segue-se um dos chefes mais promissores de Espanha, Fran López, do hotel Villa Retiro (uma estrela), em Tarragona, com “Quando o local se torna global”. Por fim, Joan Roca, do Celler de Can Roca, em Girona (três estrelas), com “A integração total como a vanguarda”. O famoso chefe catalão, que já se apresentou duas vezes no Peixe em Lisboa (em 2010 e 2015), é um comunicador nato, tem sempre algo de novo para mostrar e o seu trabalho é dos mais interessantes que se fazem a nível mundial. Imperdível. No final, entre as 18 e as 19h, será o tempo dos chefes responderem às perguntas do público. Mais informações aqui.

Populismo gastronómico

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Quer receber muitos aplausos? Ser citado e partilhado? Quer aparecer nas televisões e jornais a dar opiniões sobre tudo o que meta garfo e faca? Quer ser reverenciado como um sábio? Ou, pelo menos, ser uma “referência”? O caminho é claro. Basta afirmar que a “cozinha portuguesa é a melhor do mundo”. Se não se atrever a tanto, diga “uma das melhores”. Mas precisa de encenar bem a coisa, pôr um ar solene de quem ponderou gravemente o que está a dizer, de quem está familiarizado com as melhores mesas do planeta e, portanto, está capacitado para, depois de muita análise, estabelecer definitivamente que “a nossa é a melhor”.

 

O populismo no mundo gastronómico é relativamente fácil e está ao alcance de todos. Mas há que preencher certos requisitos se se quiser ter impacto. E nada melhor, como os manuais de ciência política explicam, do que um “inimigo externo”. Alguém que nos quer invadir e destruir, que quer conspurcar a nossa pureza, que desrespeita as tradições dos nossos ancestrais.  Ora na cozinha isso é canja.  Definimos o que é tradicional, o que se deve fazer, o que é nosso. Unamo-nos em torno dos nossos tachos e quem não for por aí é um traidor da Pátria, um cúmplice dos invasores estrangeiros. Na melhor das hipóteses, um provinciano que, após umas viagens reais ou virtuais, agora imita o que se faz lá fora.

 

Toca portanto a invectivar e troçar desses traidores. Há que defender as nossas tradições, mesmo que elas datem dos anos 60 ou 70 ou que tenham, no máximo, um século ou dois. E é nessa altura que, de preferência com voz embargada pela emoção, se deve evocar a cozinha das nossas mães e avós. Dá um dramatismo especial, estamos a defender os lares de Portugal dos invasores e dos traidores. Ai de quem se meter com o nosso bacalhau (que vamos buscar a mares distantes) com batatas (originais da América do Sul, só se popularizaram entre nós na primeira metade do século XIX), com a nossa broa de milho americano, com feijoadas também com feijões americanos, do nosso gaspacho feito com tomates e pimentos ainda americanos, pimenta da Índia, laranja da China, canela do Ceilão, da nossa doçaria carregada de açúcar de origem asiática transplantado para as Américas. E, no fim, café do Brasil ou de África.

 

Nada disto faz vacilar os populistas gastronómicos. Não interessam os factos, só as narrativas. O que eles querem é desempenhar o seu papel, eles querem é recolher os benefícios da popularidade fácil. Querem aplausos e a aprovação das plateias indignadas com quem não faz frente aos invasores estrangeiros. Fomos educados no nacionalismo e modernamente vivemos obcecados com “o melhor”. A conjugação é fácil de fazer. Somos os melhores, temos a melhor cozinha, o melhor vinho, o melhor peixe, o melhor azeite, os melhores doces. E o mundo curva-se perante o pequeno Portugal.

 

Ora estes populistas poderiam ser inofensivos na sua busca de importância.  Mas não, eles fazem mal à nossa cozinha, que tanto dizem defender. A grande riqueza da nossa cozinha, como de outras do Sul da Europa, é precisamente a abertura que sempre mostrou a novos produtos, a novos temperos, a novas maneiras de cozinhar. O território que hoje corresponde a Portugal teve a sorte de ter sido ocupado por dois grandes impérios, o romano e o árabe (este último não era bem um “império”, mas enfim...). No interior desses impérios, viajaram produtos, técnicas, agricultores, pessoas, novos hábitos e culturas. Eles próprios integravam influências do mundo então conhecido, de gregos, fenícios ou persas, da Ásia Menor ao Extremo Oriente. Mais tarde, seríamos nós e os espanhóis os detentores de impérios que mudaram os hábitos alimentares do planeta.

 

 

É essa tradição de abertura ao mundo que queremos renegar em nome da defesa das receitas que as nossas mães e avós aprenderam na TeleCulinária ou no Pantagruel? Queremos mesmo que a cozinha que se faz em Portugal se cristalize em torno de certas receitas e produtos e que, ao contrário do que sempre aconteceu na nossa história, não mude? E tratar como “traidor” qualquer cozinheiro português que se esteja nas tintas para os “sabores portugueses” e as “memórias” que nos querem impor?

 

Não quer isto dizer que não haja um receituário português actual que não valha a pena manter. Para mim, há. Neste Verão, por exemplo, fui ao Café Correia, em Vila do Bispo, e serviram-me uns camarões guisados, com um molho com cebola, alho, tomate, louro, provavelmente vinho branco e muitas outras coisas que não identifiquei. Tive a certeza que estava em Portugal. Julgo ser impossível que em qualquer região de Espanha, França ou Itália fizessem algo no género, mesmo que tenham os mesmos ingredientes e técnicas.

 

Mas não me preocupei em eleger esse prato como “melhor” do que qualquer outro, de outro país. Diferente, sim. Que me soube lindamente, com certeza. Mas nem melhor nem pior do que outros “estrangeiros”. E nem me passaria pela cabeça achar que qualquer cozinheiro em Portugal fosse obrigado a “respeitar” esses sabores e a praticá-los, mesmo que eles não integrassem o estilo culinário que adoptou.

 

O populismo na gastronomia, tal como em muitas outras áreas, é extremamente perigoso e difícil de contrariar. Muitas vezes esconde, em nome da defesa das tradições e da “cozinha portuguesa”, más práticas culinárias e produtos medíocres. No entanto, os autores destas malfeitorias raramente são criticados com a mesma veemência que é dirigida a um chefe que arrisca uma cozinha diferente,

 

O nacionalismo, um dos principais ingredientes do populismo, é um dos grandes males do nosso tempo. Mas parece que, por muito evoluídas que sejam as sociedades, o lado tribal está sempre presente. Basta ver no índice de popularidade das notícias dos jornais online. Se houver um português que tenha sido vice-campeão de berlinde algures na Micronésia, vai ter a notícia mais lida. A nossa tribo, já se sabe, é a melhor, tem as melhores pessoas, a verdadeira religião, a melhor cozinha.

 

Será que é possível um dia libertar a cozinha dos nacionalismos automáticos e substituí-los pelo reconhecimento de um património de produtos e técnicas inserido numa determinada cultura (como me aconteceu no Café Correia)? Não usar rótulos como “cozinha portuguesa” ou francesa ou espanhola, às vezes acrescentados de outros como “tradicional” ou “moderna”? Julgo que não, que não será para o meu tempo de vida. O nacionalismo está cada vez mais presente no mundo, mesmo nas sociedades ditas avançadas. Mas, ao menos, saibamos identificar aqueles que fazem dele uso apenas para se promover e esconder a ambição da popularidade fácil.

 

 

Artigo publicado originalmente na Revista de Vinhos - A Essência do Vinho nº334, Setembro de 2017

Fotografias publicadas apenas neste post

 

 

 

 

 


50 Best da América Latina tem um novo nº1 (mas o Peru volta a ganhar)

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Quem anda sempre à procura de tendências (ou a querer inventá-las) dizia que o Peru já era e que agora o que estava a dar era o México ou quem sabe, a Colombia, dado que este ano a cerimónia se realizaria lá. Porém, O Peru mantém-se firme como o país com os melhores restaurantes da América Latina, pelo menos a ver pelos resultados revelados esta noite, na cerimónia do Latam 50 Best Restaurants que decorreu em Bogotá e que consagrou o O Maido, de Lima, como o novo nº1 da lista, que se publica pelo quinto ano consecutivo. 

 

O restaurante do chefe Mitsuharu 'Micha' Tsumura, com a sua cozinha Nikkei, de fusão  japonesa e peruana, retira assim o título de Melhor Restaurante da América Latina ao Central deVirgilio Martínez e Pía León, que tinha triunfado antes por três vezes e que agora passou a ocupar o segundo lugar. Em 3º lugar ficou o D.O.M., de Alex Atala (São Paulo), em 4º o Pujol, (Cidade do México) e em 5º o Boragó, de Rodolfo Guzmàn (Santiago). Completando os 10 melhores estão o Quintonil, da Cidade do México, em 6º lugar; o Astrid y Gastón, de Lima, em 7º; A Casa do Porco, de São Paulo, em 8º; Maní, em São Paulo, em 9º e Tegui, em Buenos Aires, em 10º.

 

Além da apresentação da lista, uma série de prémios especiais concedidos a restaurantes e indivíduos foram apresentados durante a cerimonia:

 

Saiko Izawa d’A Casa do Porco, em São Paulo, recebeu o Latin America's Best Pastry Chef 2017 Award, reconhecendo suas criativas sobremesas japonesas de inspiração brasileira. O Chefs' Choice Award 2017, foi para Germán Martitegui, chefe-proprietário do Tegui, de Buenos Aires, como um prémio de reconhecimento dos colegas de profissão – de chefes, para chefes. O Astrid y Gastón, de Lima, Peru ganhou o Art of Hospitality Award, prémio que reconhece excelência e o melhor serviço da categoria. O prémio de Highest New Entry 2017, foi para o Alcalde, de Guadalajara, no México, que entrou na lista em 36º lugar após ganhar o The One To Watch Award em 2016. O Harry Sasson, de Bogotá, na Colômbia, ganhou o Highest Climber Award, depois de subir 23 lugares até a 17ª posição. 

 

 

Jancis Robinson escolhe 10 vinhos portugueses e fala de tendências

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Com o pretexto de celebrar os 10 anos como colunista da revista Wine (agora Revista de Vinhos), a Essência do Vinho trouxe a Portugal Jancis Robinson, uma das maiores referências mundiais da escrita sobre o tema. Jancis dispensa grandes apresentações. Foi a primeira pessoa fora do sector a tornar-se Master Wine (MW), é autora de vários livros (entre eles o indispensável Oxford Companion to Wine), do site JancisRobinson.com - onde publica diariamente - e cronista em diversas revistas do sector e, também, do Financial Times, onde escreve todas as semanas.

 

Numa sector a atravessar uma mudança significativa ao nível do consumidor, Jancis - apresentada no seu site como uma pessoa que “ama e vive para o vinho em toda a sua gloriosa diversidade, favorecendo, habitualmente, o equilíbrio e a subtileza em detrimento do volume” - é a líder de opinião mais equilibrada, menos dogmática e mais atenta à actualidade que conheço e, por isso, quis muito ouvi-la, até porque costuma ser uma óptima comunicadora.

 

Estamos no inicio da sua apresentação, no Hotel Sheraton, em Lisboa, perante uma sala cheia. Antes de começar, a autora inglesa tem o cuidado de dizer que não é especialista em vinhos lusos, dado que é a sua colaboradora Julia Harding (também MW), quem escreve mais sobre eles nas suas páginas online. Ela conta, inclusive, com alguma ironia, que fez a sua primeira viagem a Portugal, em 1978, logo após ter completado uma graduação importante na área e, nessa altura, “a única em que achava que sabia tudo sobre vinhos”, ao abrir a lista do restaurante do hotel, no Porto, onde estava hospedada, não reconheceu uma única referência. Porém, a partir de 1984 Jancis passou a olhar melhor para o nosso país, no seguimento de uma encomenda de um guia que lhe fizeram sobre vinhos lusos. “Era a altura das reverência as castas internacionais e aos excessos de madeira” e vários produtores portugueses começavam a ir na onda. Felizmente, nem todos foram na conversa e, desde aí, a inglesa reconhece que as coisas mudaram muito.

 

Melhorou-se o conhecimento sobre como fazer vinho, começou-se a valorizar as vinhas velhas e as castas autóctones e a utilizar a madeira de forma mais contida. Houve também a valorização da cortiça, a redescoberta dos vinhos generosos – para além do porto – e de vinhos de outras latitudes (Algarve, Açores..). “O progresso foi enorme, Portugal não esta mais isolado. Definitivamente faz parte do pequeno grupo dos grandes produtores”, resume.

 

Mas era a altura de falar dos 10 vinhos que escolheu para ilustrar o igual número de anos de colaboração com a Essência e, ainda que dissesse que não gostava muito de eleições do género, não foge com o rabo à seringa. Quer dizer, a coisa só sai depois de mais alguns avisos:

 

“Quero que entendam que estes 10 vinhos não são necessariamente os 10 melhores. Há mais. Porém, estes são os que por uma ou outra razão me surpreenderam”. E quais são mesmo esses 10?

 

Calma, porque Jancis ainda tinha de pedir desculpa por não ter escolhido mais referências alentejanas, nomeadamente de Portalegre, ou até mesmo de Lisboa, “como o Casal Figueira 06 vital que bebemos no sábado, no Belcanto e que estava extraordinário”.

 

Pronto, já chega de avisos e desculpas. Vá, chuta lá a lista, Jancis. Não vês que a plateia está repleta de produtores à espera de saber se ganharam ou não o teu óscar?

 

Então, aqui vai ela e algumas das suas justificações em tradução livre...

 

  1. Soalheiro Primeiras Velhas 2016

 

“Há uma paixão em Inglaterra por albariños (os Alvarinhos da Galiza). Os portugueses são menos conhecidos”. Escolhe o Soalheiro porque considera ser um produtor que não tem medo de correr riscos e fazer experiências, como os novos Granit e Terramater. O Nuno (Pires, director da Essência e da Revista de Vinhos), sugeriu-me o Primeiras Vinhas 2007, mas achei o vinho pouco fresco e com falta de acidez. Mas pode ter sido apenas daquela garrafa, pelo que escolhemos antes o 2016”. A inglesa aprecia nele a frescura, a mineralidade, as “notas florais e de fruta de caroço” e refere que é um branco (tal como muitos outros de qualidade) que melhora com a subida da temperatura. Ah! e diz igualmente que é fã de decantar este tipo de vinhos, “sobretudo os novos”.

  

  1. Quinta dos Roques Encruzado 2007

 

Expressão, tensão, solo. Solo não, “rocks”. A autora pede desculpas pela comparação que vai fazer, mas não resiste: “por fora, o rótulo lembra um muito um bom Borgonha; por dentro, é mais confiável do que muitos bons Borgonhas. E envelhece tão bem como um deles”, anota.

 

  1. Luís Pato Vinha Barrosa 2005

 

“Eu não o beberia antes de 2020. Alguns talvez esperassem que trouxesse o Post Quercus, da Filipa Pato (sua filha)”, um vinho moderno à antiga, “feito em ânfora”. “Digamos que esses são o futuro” - tirando este escriba acho que ninguém esperava isso, amiga.

 

... E os restantes sete?

 

Lá vem mais um pedido de desculpas pelo facto de haver quatro do Douro entre os seguintes.

 

“Vou começar por aquele q mostra a história dos vinhos do Douro e dos vinhos portugueses. Foi o primeiro a sério que bebi desta região”. A marca já todos adivinhavam. Faltava o ano...

 

  1. Barca Velha 1999

 

“Lembro-me de experimentar o 1985 junto com o 1966 e achei-o muito bruto porque era feito para envelhecer. Mas agora... é como um old fashioned Bordéus, mas não no mau sentido”.

 

  1. Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa 2005

 

“Um contraste completo. O inicio da revolução. Numa altura em que os modelos ainda não estavam bem definidos. Um vinho como muita madeira, mais do que devem ter agora os novos. Aqui temos um vinho feito para expressar esta parcela, um novidade na altura. Encorpado, cheio... acho a madeira americana um pouco dominadora, mas é um grande fine wine. Especiarias, doce no final...”.

 

  1. Batuta Niepoort 2007

 

“A novidade num novo caminho. Fresco, leve, mineral. Escolhi-o para

celebrar um alternative thinker como Dirk Niepoort. Alguém para quem a comida é muito importante. É um vinho com um perfil muito diferente em relação aos anteriores. Mais fresco... é bom que hajam estilos diferentes.”

 

  1. Poeira 2011

 

“Este e para celebrar independência, tenacidade e um grande ano. É mais no estilo do Batuta do que dos outros”.

 

  1. Bojador Vinho de Talha 2015 (Espaço Rural , tinto Alentejo).

 

Burburinho na sala. “Boja quê?”, “Que vinho é este??”

 

“Seria idiota ignorar as tendências. Há muitos novos consumidores neste mundo e muita gente que se está a borrifar para o facto de nunca conseguirem vir a beber um Bordéus”, refere Jancis em relação ao paradigma de épocas anteriores, em que o sonho de um enófilo era meter os beiços num grand cru francês. “Eles querem coisas novas, frescas e novas formas de fazer vinhos. Abram os olhos e os palato para estes novos vinhos”, aconselha. “Este é muito atraente, peppery, fresco. Dá água na boca. Vai muito bem com muitos pratos vossos de marisco. É mais do que sabido que há tintos leves que vão muito bem com marisco”, adianta. “Celebrate future and experimentation!” Yeah, clap, clap, clap. Hip hip, hurra! - exclama alguém na audiência, para dentro (e que apenas autoriza ser identificado pelas iniciais, MP)

 

  1. Barbeito Ribeiro Real Tinta Negra Lote1 20 anos

 

Neste meio não há como ficar indiferente aos fortificados portugueses. “Escolho este Barbeito para celebrar a ousadia de fazer um vinho e de colocar no rótulo a casta de maior produção” (e considerada menor na Madeira). “Riqueza e frescura”.

 

  1. Graham’s Single Harvest Tawny Port 1972

 

“Estando sentada aqui ao lado do Andrew Bridge, o mais natural seria ter escolhido um Taylor’s, mas não”. Que maldade Jancis... só falta dizeres que a existência deste vinho é a prova que Deus existe, mas já se sabe que vivemos uma época em que temos de ter cuidado com as piadas que dizemos.

 

Está finalizada a escolha dos 10 vinhos mais emblemáticos e, tirando o “Boja quê?”, não houve propriamente graaaaandes surpresas. Já agora, o Bojador, que tive oportunidade de provar no final, é um tinto de talha que escorrega fácil (e por isso apetece beber e beber). Ouvi falar dele, pela primeira vez, através de um importador inglês e desconheço se fica algum para venda em solo nacional. Mas vale a pena procurar, até porque o preço parece-me ser agradável. 

 

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Tendências

 

Depois do top 10, e antes de se despedir, Jancis Robinson revelou aos presentes na sala as principais tendências que tem compilado a partir do que vai vendo e do que os colaboradores do seu Oxford Companion to Wine lhe têm feito chegar:

 

. Mudança para biológico e biodinâmico Move

 

. Vinhos com leveduras indígenas

 

. Uma grande mudança em direcção aos vinhos naturais - “o que é bom e mau”, adiantou. “Porque há mais vinhos com problemas do que nos não naturais. Mas há uma grande evolução e é um movimento que não se pode ignorar”.

 

. Vinhos de maceração pelicular (skin contact) e Orange wines

 

. Acidez, menos álcool e algum amargor

 

. Vinhos feitos e estagiados em cimento em detrimento de madeira. “Lots of concrete, eggs...” (“eggs”, ou “ovos” são depósitos em forma de ânfora, cuja forma ajuda a que haja uma constante circulação das massas que supostamente dá ao vinho uma maior profundidade, volume e textura.

 

. Mudanças climatéricas que levam à procura de variedades e zonas mais resistentes ao clima

 

. Técnicas de dry farming (vinha sem irrigação, a não ser a natural)

 

. “Ideias diferentes sobre o que é um vinho perfeito. Mais consumidores que que num dia querem beber um vinho natural num dia, um convencional depois, e um de uma região longínqua no dia seguinte”.

 

. “Os wine experts têm de correr mais para estarem actualizados”.

 

. Preços elevados dos vinhos troféu. “Os preços dos vinhos mais elevados atingiram ao ridículo. Tenho pena que os produtores destes vinhos, comprados por oligarcas russos e chineses, provavelmente, nunca venham a ser provados pelos mais apaixonados”

 

. Mercado Asiático. “Os portugueses têm de acelerar. Bordéus, já não detém o monopólio. China e não apenas Macau”.

 

Antes e depois do show Jancis: Encontro com Vinhos... e Sabores e outras apresentações

 

Antes de Jancis fora apresentado o Encontro com Vinhos e Encontro com Sabores (uma parceria agora entre a Massemba e a Essência do Vinho), que decorre na Centro de Congressos da Junqueira, em Lisboa, de 10 a 12 de Novembro – e que este ano debaixo do seu chapéu inclui ainda o Congresso Nacional dos Cozinheiros e o Lisbon Food Week (este de dia 3 a 13), em colaboração com as Edições do Gosto, de Paulo Amado.

 

Porém, depois de Jancis ainda houve 3 outras apresentações: uma de Andrew Bridge, do grupo The Fladgate Partnership (Taylor’s, Yeatman, etc...) sobre o World of Wine, o mega projecto, desta empresa que ocupará 30 mil metros quadrados no centro histórico de Gaia e que incluirá museu, centro de exposições, lojas, escola de vinhos, etc; outra do especialista em viticultura António Graça. Que falou sobre a biodiversidade da videira, e, uma última apresentação, bastante interessante e eloquente, sobre vinhos naturais pelo jornalista e critico de vinhos brasileiro Alexandre Lalas.

 

Restaurante emblemático de Nova Iorque perde 3ª estrela Michelin

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O Guia Michelin de Nova Iorque 2018 foi divulgado ontem e não traz muito boas noticias para a restauração local. Se é verdade que continua a ser o guia vermelho em solo norte-americano com mais número de estrelas, 56, contra 41 do da região de São Francisco (ainda que este conte com 7 com 3*** -, 19 em Chicago e 11 em Washington, também é verdade que ao nível máximo, o das três estrelas, perde um dos seus lugares mais emblemáticos, o Jean Georges, que passa agora a ter apenas duas.

 

Ao que parece, esta destituição não aconteceu de ânimo leve. Segundo o director mundial do Guia Michelin, citado pelo site Eater.com, os inspectores da empresa visitaram o restaurante por 10 vezes, nos últimos 18 meses e, em Julho, alertaram o chefe Jean Georges Vongerichten para alguns pormenores menos positivos, de forma a darem hipótese de os corrigir antes de fecharem a edição. Segundo Ellis este é um procedimento normal do guia, mas pelos vistos os avisos não surgiram efeito. Assim, o guia vermelho da “cidade que nunca dorme” passa a contar “apenas” com 5 representantes a este nível: Eleven Madison Park, Le Bernardin, Per Se, Masa e Chef’s Table at Brooklyn Fare (que recentemente se mudou para Manhattan).

 

Porém, ao nível de 2** estrelas, as notícias também não fizeram lançar muitos foguetes, dado que há apenas um novo restaurante neste patamar, o japonês Ginza Onodera.

 

De realçar ainda que o luso-descendente George Mendes, que anunciou recentemente fecho para breve do Lupulo (ao que consta por questões relacionadas com o arrendamento do espaço), mantém a estrela alcançada há já alguns anos no Aldea.

 

Para finalizar, deixo a baixo a lista completa dos restaurantes estrelados pelo Guia Michelin Nova Iorque 2018:

 

3*** estrelas: 

 

Chef’s Table at Brooklyn Fare, Eleven Madison Park, Le Bernardin, Masa, Per Se

 

2** estrelas: 

 

Aquavit, Aska, Atera, Blanca, Daniel, Jean-Georges, Jungsik, Ko, Marea, The Modern, Ginza Onodera (novidade)

 

1* estrela:

 

Agern, Ai Fiori, Aldea, Aureole, Babbo, Bar Uchu (novo), Batard, Blue Hill, The Breslin, Cafe Boulud, Cafe China, Carbone, Casa Enrique, Casa Mono, Caviar Russe, The Clocktower (novo), Contra, Cote (novo), Del Posto, Delaware and Hudson, Dovetail, Faro, The Finch, Gabriel Kreuther, Gotham Bar and Grill, Gramercy Tavern, Gunter Seeger, Hirohisa, Jewel Bako, Junoon, Kajitsu, Kanoyama, Kyo Ya, L’Appart, La Sirena, La Vara, Meadowsweet, Minetta Tavern, Musket Room, Nix, NoMad, Peter Luger, Rebelle, River Cafe, Rouge Tomate (novo), Satsuki (novo), Sushi Amane (novo), Sushi Inoue, Sushi Yasuda, Sushi Zo, Tempura Matsui, Tori Shin, Uncle Boons, Ushiwakamaru, Wallse, ZZ’s Clam Ba.

 

Em Banguecoque, no mundo de Gaggan Anand, o chef Nº1 da Ásia

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Banguecoque não é apenas capital da comida de rua e de mercados vibrantes. Por detrás deste mundo, outros não menos interessantes se revelam. Em parte por culpa de Gaggan Anand, que lidera o restaurante considerado há três anos consecutivos como o melhor da Ásia e 7º do mundo (em 2017) das listas dos 50Best.

 

Após umas horas a experimentar várias comidas, em Chinatown, no centro de Banguecoque, o calor intenso leva-nos em busca de água num pequeno café, à saída do mercado. Sentamo-nos e enquanto esperamos para ser atendidos observamos o espectáculo.  No balcão encontram-se vários produtos e condimentos em frascos altos de vidro, e do lado de dentro, concentrada, uma cozinheira corta papaia e pepino com rapidez e destreza, deixando-os cair em tiras num enorme almofariz. Mexendo de forma constante, a mulher (na foto abaixo) acrescenta os restantes ingredientes à vez: tomate, malagueta, camarões secos, amendoins tostados, molho de peixe, sumo de lima e açúcar de palma. É impossível ficar indiferente perante a cena, pelo que quando o empregado se aproxima, além de duas águas pedimos, também, uma salada de papaia verde, claro. E o popular prato fresco (e picante) tailandês, feito no momento, conjuga na perfeição os cinco sabores básicos  - doce, salgado, ácido, amargo e umami -,  correspondendo ao jogo de sedução que tínhamos observado.

 

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Da comida de rua à cozinha de autor

 

Banguecoque é uma das capitais de comida de rua do mundo. Em qualquer lugar e a qualquer hora pode-se comer um pouco de tudo, de uma simples fruta cortada a um ramen chinês, passando, obviamente, pelos mais diversos pratos tailandeses com a sua variedade de produtos frescos (e alguns fermentados) adquiridos diariamente nos vários mercados da cidade.

 

Porém, para um gastrónomo, a capital da Tailândia não se esgota na comida de rua. Numa cidade com oito milhões de habitantes e um turismo muito forte – numa rua há mais hotéis de luxo do que em Lisboa inteira – é normal que haja igualmente um panorama interessante na cozinha de autor. Porém, se há duas décadas só havia comida de rua e restaurantes de hotel (normalmente de cozinha francesa), muito tem mudado nos últimos anos. Um dos responsáveis por essa mudança é Gaggan Anand, cujo restaurante Gaggan lidera há três anos consecutivos a lista de “Os 50 Melhores Restaurantes da Asia” – posição, aliás, que já tinha sido ocupada (em 2013) por outro espaço da cidade, o Nahm, de cozinha thai, do australiano David Thompson. “Este país mudou muito e eu faço parte dessa mudança. Há 20 anos só existia street food e resorts. Hoje o fine dining é forte. Há vários restaurantes de cozinha de autor tailandesa e de outras cozinhas estrangeiras não francesas - muitos deles fora dos hotéis”, conta-nos o chef indiano.

 

O mundo de Gaggan Anand 

 

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 (foto: Paulo Barata)

 

Gaggan Anand chegou à cidade em 2007 depois de uma vida atribulada na sua Índia natal. Nascido em Calcutá no seio de uma família pobre, cedo revelou dotes para a cozinha, o que lhe valeu um trabalho num dos melhores restaurantes do país, de onde viria a sair por não se rever na severidade e constante humilhação a que eram sujeitos os cozinheiros mais novos. Ainda na Índia, fez caterings, foi enganado por um sócio e tornou-se empresário. “Ganhava bom dinheiro mas não cozinhava” e isso não o fazia feliz. Um dia recebeu um convite para ser chef de um restaurante em Banguecoque, o Red. Sem nunca ter saído da Índia, quando chegou à Tailândia Gaggan ficou fascinado com os mercados e com todos aqueles produtos, que não encontrava, nem nos melhores restaurantes do seu país. O Red tornou-se um espaço bem sucedido, mas Gaggan só se viria a realizar quando conseguiu abrir o restaurante que leva o seu nome, em 2010.  Hoje, os prémios amealhados com a sua cozinha “indiana progressiva”, como lhe chama, fazem dele uma referência mundial na área, sendo igualmente estimado na sua pátria de acolhimento, onde apoia e desenvolve vários projectos ligados à gastronomia e produção agrícola sustentável.

 

Visitamos com ele o Mercado Or Tor Kor, no norte da cidade, diferente dos mercados populares que se encontram no centro. Limpo e ordenado, não é tão fotogénico nem acessível à maior parte da população local, mas é aqui que se encontram alguns dos melhores ingredientes de produção local: vegetais, frutas como o mangustão, o coco, as lichias (perfumadas e de sabor incrível) ou o  durian, a fruta amada e odiada, de aroma intenso e sabor que lembra uma mistura de alho fermentado, queijo e manga. O chef indiano odeia-a. “Despeço qualquer cozinheiro que tente fazer algum prato com ela”, diz-nos com um ar cómico-dramático. No Or Tor Kor vale ainda a pena visitar a peixaria, a loja de produtos biológicos, as bancas de especiarias, ver como se faz leite de coco e obviamente experimentar e comer um pouco de tudo. Aliás, vale mesmo a pena pegar um prato aqui, outro ali, e sentar numa das mesas para almoçar, como fizemos na nossa visita: um pad thai, um caril (amarelo, verde ou vermelho), uma salada de papaia verde (claro!), massas e arrozes preparados de formas diferentes, normalmente de frango ou camarão e vegetais - mas também com rã ou caranguejo. Para terminar, pode-se até matar saudades de Portugal, com um pastel de nata (sofrível) ou um dos vários doces de ovos de inspiração lusa, numa das bem concorridas lojas de gulodices do local.

 

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 Mercado Or Tor Kor, do peixe fresco às refeições pronto a levar

 

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Um prato aqui, outro ali, no Mercado Or Tor Kor, ou a confusão à mesa quando se junta um bando de jornalistas de gastronomia 

 

De tudo um pouco, até fine dining alemão

 

Imagine que está expatriado em Banguecoque ou de férias pela Tailândia há já algum tempo e quer fazer uma pausa de comida local. Foi a pensar nesse mercado e igualmente nos muitos clientes asiáticos que visitam a cidade que os gémeos Sühring resolveram abrir um restaurante de fine dining. Não há nada de estranho nisso. Sempre houve (e há) restaurantes deste género na cidade. Porém, a novidade é a proposta ser de cozinha contemporânea alemã. E esqueça quem estiver à espera de uma fusão com sabores Thai. Embora em terras de Siam há uns bons anos, onde trabalharam em vários hotéis, os irmãos Sühring procuram, aqui, resgatar os sabores do seu país de origem e fazem-no com modernidade e com mais alma do que em muitos restaurantes da Alemanha. O sucesso não foi imediato, mas com ajuda de Gaggan (que se tornou seu sócio) e com a entrada na lista dos Asia’s 50 Best Restaurants, o negócio acabou por descolar.

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Pratos de carne do menu de degustação do restaurante Sühring (foto: Paulo Barata)

 

O chef indiano tem ainda outros restaurantes na cidade, próprios ou em parceria, como é o caso do Meatlicious, um espaço informal e acessível dedicado aos prazeres da carne e que cruza influências ocidentais e orientais. Neste local, tudo é cozinhado em forno a lenha ou sobre brasas e os pratos vêm para a mesa para partilhar. Já no Gaa, mesmo em frente do seu restaurante principal, a sua ex-nº2, Garima Arora (que também passou pelo Noma, em Copenhaga), apresenta num ambiente citadino, uma cozinha de autor de sabor e sentido estético apurado, com influências que evidenciam o seu percurso por terras indianas, tailandesas e escandinavas.

 

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 Um dos restaurantes informais de Gaggan Anand

 

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Prato de Garima Arora (ex-nº2 do chefe indiano) no Gaa, mesmo em frente do seu restaurante principal

 

À mesa de Gaggan

 

 Mas a principal razão que nos levava a Banguecoque era a cozinha indiana progressiva de Gaggan, há três anos consecutivoso o mais votado da lista dos 50 Melhores Restaurantes da Ásia (e nº 7 do ranking mundial de 2017). 

 

“Estou aqui para vos mostrar a minha cultura”, começa por nos dizer. A cena passa-se na cozinha de testes, no piso superior do restaurante.  Sentados num enorme balcão em forma de “U”, o grupo de convidados tem à frente uma folha de papel com 25 emojis, que correspondem às 25 propostas que vão ser servidas, das quais 22 são para comer sem talheres. “Na Índia come-se com as mãos”, justifica o chef.

 

Antes de abrir o restaurante, em 2010, Gaggan Anand passou seis meses no elBulli, de Ferran Adrià, e como acontece com quase todos os cozinheiros que assumiram chefias após trabalharem com o mago catalão, também ele regressou inspirado e com influências assumidas. Exemplos: o menu é longo, conceptual e com vários “bocados” para comer à mão, como acontecia no elBulli.  Há também merengues, sponge cake e um “iogurte explosivo” que rebenta na boca, ideia e técnica que vêm das azeitonas esferificadas de Adrià . Porém, embora hoje essas influências estejam presentes, elas são menos pronunciadas. O menu actual  divide-se em capítulos que correspondem a quatro fases da sua vida: Índia, percurso, sentimentos e Japão.

 

Algumas destas fases misturam-se e apesar da japonesa ocupar cada vez mais o seu espaço, a indiana continua a ser a que mais vezes sobe ao palco principal. Além da já falada “explosão de iogurte” com um toque de caril, que simboliza, para Gaggan, um dos elementos preponderantes da cozinha indiana, há outras propostas, como o bolo esponjoso de arroz, que representa o pequeno-almoço do Sul da Índia, um vindaloo e caris, apresentados de diversas formas. Um deles, de lagosta, é-nos apresentado numa forma mais clássica numa dosa (panqueca indiana), enquanto outro, uma sobremesa incomum, tomava a configuração de um gelado (com chocolate).

 

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 Fachada do restaurante Gaggan, Nº1 da lista Asia 50 Best Restaurants (foto: Paulo Barata)

 

Muitas das propostas que nos são apresentadas valem por si, mas a narrativa contada por Gaggan ao longo da refeição é fundamental para se perceber o todo. O chef fala da influência lusa e inglesa e de como os indianos adaptaram as coisas ao seu gosto e necessidades. “Os navegadores portugueses polinizaram o mundo, com o comércio, com as especiarias, que os ingleses as levaram depois para as colónias. Nós, os indianos, ao que não gostamos juntamos especiarias, que na altura funcionavam igualmente como um conservante”.  O chef dá um exemplo recorrendo a um prato goês nosso conhecido. “Se forem a uma loja em Inglaterra, o vindaloo não tem nada a ver com os temperos portugueses de ‘vinho e alho’, que lhe deram origem”. Curiosamente,  um dos cozinheiros que faz parte da brigada que nos acompanha nessa noite é o jovem português João Pereira, natural de Silgueiros (Viseu), que passou por vários restaurantes em Portugal e Macau, antes de chegar ao “melhor restaurante da Ásia”.

 

Falávamos antes da influência japonesa que aparece no menu do Gaggan dos últimos anos. Segundo o chef, o resultado é visível no depuramento da sua cozinha - “nos últimos três anos deixei de fazer pratos com trinta ingredientes” – e no esforço para ser mais disciplinado. “Sushi é disciplina e eu odeio disciplina”, diz, quando nos apresenta um falso nigiri, com uma base de merengue e barriga de atum no topo, seguido de um maki elaborado com aneto (em vez de alga nori) com uma escandalosa gónada de ouriço do mar em cima.

 

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Falso nigiri, com uma base de merengue e barriga de atum no topo (foto: Paulo Barata)

 

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 João Pereira (segundo a contar da esquerda) um jovem português de Silgueiros na equipa de Gaggan

 

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 O menu de degustação, descrito em emoticons (foto: Paulo Barata)

 

A mudança para o Japão

 

A aproximação à cozinha nipónica prende-se também com a obsessão de Anand por este país, para onde pensa mudar-se em 2020. O plano passa por fechar o seu restaurante de autor em Banguecoque – mantendo espaços mais informais na cidade – e abrir nessa altura um pequeno Izakaya de dez lugares em Fukuoka (Sul do Japão) com o seu amigo Takeshi Fukuyama, chef e dono, nesta cidade, do La Maison de la Nature Goh.

 

E o que leva o chef indiano a fechar o seu multipremiado restaurante de autor na capital tailandesa? “A fama é um vício, como a cocaína. Tão depressa te põe para cima como te traz para baixo”, explica. “O que eu aprendi com a fama? Abandona no ponto auge da tua carreira”.

 

Gaggan Anand é uma figura especial, interessante e intensa como a sua cozinha, ou como a cidade que o acolheu e o tornou famoso. É necessário tempo para absorver e descodificar todo o seu discurso, toda a informação.

 

No último dia, antes de partir, resolvo comer num dos postos de comida de rua, junto ao hotel. Olho para um alguidar com pedaços de frango, camarão, lula e caranguejo, sobre folhas de bananeira. Aponto em direcção às lulas. “Seafood?” (marisco), pergunta o cozinheiro, num inglês básico. Respondo que sim. “Spicy?” (picante) “Um pouco”, faço sinal.  O homem coloca então um punhado de menta e manjericão thai no fundo da taça e junta uma mão cheia de camarões e outra de lulas. Depois, aquece o óleo na wok, deita tudo lá dentro, com várias pastas (camarão, peixe e pimento), molho de soja e de peixe e frita rapidamente (stir fry) mexendo de forma contínua os ingredientes. Em menos de dois minutos e está pronto. “Egg”? Aponta para um prato com dois ovos estrelados pouco cozinhados. Não arrisco e recuso simpaticamente. Pego no prato de plástico bem composto e sento-me à mesa. Não é o Gaggan, mas a comida da vizinhança é saborosa, picante,  “especiada” e custa-me apenas 50 baths (menos de 1.5 euros), um terço de um café no Starbucks do lado. É difícil não gostar desta cidade gastronómica, complexa e de bons contrastes.

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Cozinha de rua no mercado de Chinatown

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 Vegetais e frutas de época encontram-se um pouco por todo o lado e podem ser transformados em sumo no momento, como acontece neste ponto de venda de sumo de romã.

 

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 Provavelmente as melhores lichias que alguma vez comi. Alguém falou em fruta de época? 

 

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um prato de massa com barriga de porco em Chinatown

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É impossível a um apaixonado por comida ficar indiferente perante o colorido, os aromas e sabores de uma cidade como Banguecoque 

 

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...mesmo às 4 da manhã.

 

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E numa cidade com um trânsito terrível o barco é a melhor opção. E parece que vão uns contra os outros, mas nem sempre isso acontece. 

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Barcos rápidos, pontes baixas, capacete e emoção.

 

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A influência portuguesa nos doces de ovos locais, no mercado de Or Tor Kor

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 Durian, a fruta "amo-te ou odeio-te" de aroma intenso e sabor que lembra uma mistura de alho fermentado, queijo e manga

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 Um dos principais mercados da cidade onde afluem centenas de pessoas ligadas ao negócio da comida de rua (foto: Paulo Barata) 

 

Guia Prático

 

Como ir

 

A inexistência de um voo directo de Portugal para Banguecoque obriga  a uma escala em Moscovo, se voar na Aeroflot, ou no Dubai, caso a opção seja a Emirates. Isto, se a partida for de Lisboa. Se iniciar a viagem no Porto, a escala faz-se em Amesterdão. Estas são as companhias com preço mais competitivo à data (na casa dos 550/650 euros).

 

Do aeroporto ao centro da cidade, o percurso faz-se em menos de uma hora de comboio rápido (SRTET City line). Esta é a melhor opção, sobretudo em hora de ponta quando o trânsito é caótico.

 

Metro (MRT), Skytrain, barco (no rio Chao Praya) e um calçado confortável são as melhores opções para se movimentar na cidade dos tuk tuk, onde existe igualmente Uber. 

 

Onde dormir

 

Os bairros de Siam (onde está o Gaggan),  Silom e Sukhumvit, bem como a zona central das margens do rio Chao Praya (onde ficam os emblemáticos Peninsula e Mandarin Oriental), são os locais onde se encontram os principais hotéis e templos de consumo moderno. Se não é fã do género, mas também não lhe agrada a confusa zona da Khao San Road apinhada de mochileiros e hotéis baratos, procure nas áreas próximas, onde existem várias guesthousese boutique hotéis agradáveis.

 

Onde comer

 

A dificuldade em encontrar bons ingredientes tailandeses em Portugal faz com que seja difícil resistir à tentação de querer trazer um pouco de tudo. Os frescos não viajam bem, mas misturas de especiarias como os caris, ou pastas como as de peixe ou de camarões fermentados são essenciais caso se pretenda fazer um brilharete culinário em casa com os amigos. A não perder, também, as frutas desidratadas como a manga ou o galangal (um tipo de gengibre).

 

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Texto publicado originalmente na Fugas do Público de 16 Set 2017. Fotos: Paulo Barata (entrada e assinaladas) e Miguel Pires (as restantes).

 

Vinhos e carnes num post inacabado

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Já se sabe que entre o final das férias de Verão e o Natal multiplicam-se as iniciativas de produtores de vinhos e de responsáveis de restaurantes para mostrarem à Comunicação Social o que andam a fazer. Não era luxo a que me pudesse dar quando era jornalista, mas hoje, como blogger, evito muitos destes convites, na verdade quase todos na área do vinho, que me interessa cada vez menos, a não ser quando as garrafas são servidas em boas mesas e não em 400 copos alinhados uns ao lado dos outros, acompanhados das inenarráveis bolachinhas de água e sal. E nem vou falar nas cuspideiras, algo que deveria ser reservado para o recato das salas dos enólogos e dos provadores profissionais.

 

Mas não há dúvida que os nossos produtores andam a escolher bem os locais onde o fruto do seu trabalho pode brilhar. Foi o caso do grupo Symington, que foi até Sintra no início de Outubro para apresentar num almoço no estrelado Lab, no hotel da Penha Longa, o seu tinto topo de gama, Quinta do Vesúvio DOC Douro 2015, que acompanhou muito bem um cabrito assado com falsos maranhos e jus de hortelã preparado pelo chefe residente Milton Anes, com conselho do escanção Ricardo Santos. Antes, a segunda marca desta histórica quinta, o Pombal do Vesúvio 2015, tinha sido servido com as já lendárias molejas de vitela que por aqui se servem, desta vez com especiarias, puré de abóbora assada à marroquina, cenouras e funcho vichy,  jus de laranja e gengibre.

 

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Foi do agrado geral, mas eu, que tenho dificuldade com tintos novos, não sei o que dizer e por isso dou a palavra a quem o fez, os enólogos Charles Symington e Pedro Correia: “ Cor púrpura profunda carregada. Fruto de grande pureza e frescura. Notas aromáticas que revelam rosmaninho e um ligeiro toque de cânfora. Barrica muito bem integrada. Volumoso, apresenta uma estrutura de grande porte com taninos assertivos, mas muito polidos. Concentrado na boca com sabores de frutos pretos, ainda de recorte austero, evidenciando a sua juventude e a longa capacidade de guarda que possui“. Tem 14% de álcool, Touriga Nacional e Touriga Franca, um pouquinho de Tinta Amarela, ficou 16 meses em barricas de carvalho francês, preço indicado de 50 euros. Gostei do “ainda de recorte austero” e da “longa capacidade de guarda”, ou seja, vamos ver como estará daqui a uns anos.

 

Na verdade, do que gostei mais, mas mesmo muito mais, foi da estreia da casa nos brancos Reserva. Foi o Altano Reserva Doc Douro 2015, que leva Arinto (40%), Viosinho, Gouveio e Rabigato, fica oito meses em barrica e um ano em garrafa, tem 13% e um óptimo preço: 11 euros. Ouvi mais tarde uns resmungos de “madeira a mais” por parte de especialistas presentes, mas a mim soube-me muito bem a acompanhar os igualmente lendários aperitivos do restaurante do chefe espanhol Sergi Arola – vermuth, tortilha de batata, esponja de azeitona, bomba de Barceloneta, bocata de calamares, pastel de atum, batatas bravas e cone de camarão, ao que se acrescentou uma novidade: “pão com manteiga”, “ numa “desconstrução” que  também levava foie gras.  É quase escusado dizer que o branco duriense “amadeirado” esteve perto da perfeição.

 

Perfeito mesmo estava o Graham’s Porto Vintage 1970 que acompanhou a sobremesa fava de cacau, julgo que já da autoria de Francisco Siopa, que assumiu recentemente a chefia da pastelaria da casa. Um extraordinário exemplo de que, para os grandes vinhos, nada substitui a passagem do tempo.

 

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E é com este vinho excepcional da Graham’s que passo para o tema seguinte, já que também foi servido acompanhando um belíssimo queijo Stilton no final do almoço de apresentação das Jornadas Gastronómicas do Boi de Trás-os-Montes que, pelo quinto ano consecutivo, decorrem por esta época do ano no restaurante Vinum que o grupo Symington detém em Vila Nova de Gaia em parceria com o grupo de restauração basco Sagardi. Foi a primeira vez que compareci a estas jornadas e confesso que temia não serem muito do meu agrado. Gosto de carne de vaca, mas nada por ir além. E sou ainda menos entusiasta desta moda das carnes maturadas, e muitas vezes fétidas, que se vê por aí. Por outro lado, como cliente normal, tinha almoçado há uns dois ou três anos no Vinum e, apesar da deslumbrante vista para o Douro e centro antigo do Porto, da qualidade do espaço, não fiquei com nenhuma recordação especial do que comi, embora, segundo me lembro, tudo estivesse razoável.

 

Pois bem, na apresentação que o responsável pelo grupo Sagardi, iñaki Lopez de Viñaspre (o cozinheiro que fundou o grupo) fez destas jornadas, houve logo palavras que desvaneceram os meus receios. Para ele, a carne deve idealmente ser cozinhada entre três e cinco semanas após o abate. É tempo suficiente para distender a carne e deixar que as gorduras façam o seu trabalho. Maturações mais demoradas podem implicar no surgimento de odores e sabores (e mesmo cores) que a prejudicam, nomeadamente na parte da gordura. Mais do que a raça, o que importa é a história de cada animal, o modo como foi criado e se alimentou. Depois, vem a arte do corte e do saber cozinhar. Ao lado de Iñaki, outro basco, Imanol Jaca, da empresa espanhola Txoigtxu, especializada em carnes, concordava com tudo.

 

Foi assim com um misto de alívio e de reconforto por ver que não estava sozinho no mundo da carne, que me dediquei a analisar as diferenças entre uma vaca velha galega da justamente famosa raça Rubia Galega e um boi velho, desta vez minhoto (proveniente de Minhotães, uma pequena aldeia do concelho de Barcelos) e não transmontano, que encantou Imanol Jaca pelo “cuidado e carinho” com que foi criado ao longo dos anos.

 

Ainda antes de irem para a grelha, houve oportunidade de acariciar com a ponta dos dedos a camada de gordura exterior dos imponentes costeletões, algo que nunca me tinha passado pela cabeça. A temperatura do nosso corpo é suficiente para derreter uma parte da gordura e cheirá-la. Foi uma experiência interessantíssima, sobretudo pela intensidade e delicadeza da gordura da vaca, enquanto a do boi me pareceu mais neutra. Neste “duelo de sexos” bovino, que era o tema das jornadas deste ano, já tinha um (a) favorito (a).

 

Os especialistas bascos foram então para a grelha do restaurante, que se pode apreciar da sala, devidamente separada por uma parede de vidro, cozinhando as carnes apenas com sal, colocado só depois destas estarem seladas pelo fogo. E ganharam mais uns pontos na minha consideração quando afirmaram que com eles não há cá disso dos clientes pedirem “médio/mal passado”, “mais para o bem passado” e coisas no género. Aquela carne é para ser servida num determinado ponto e (pelo que depreendo, eles não o afirmaram com estas palavras), quem não quiser arriscar é melhor pedir outra coisa. De facto, julgo que é de seguir a sabedoria de quem cozinha na casa, porque na prova comparativa que se seguiu, ambos os animais brilharam a grande altura. Curiosamente, talvez por já estar sugestionado pela “prova da gordura”, voltei a gostar mais da vaca, da sua complexidade e macieza, embora compreenda perfeitamente que haja quem prefira a maior intensidade do boi.

 

Fomos então para a mesa e rapidamente mudei a perspectiva com que tinha ficado do meu anterior almoço no Vinum. É que veio logo uma esplêndida alheira de Mirandela com maçã. Quase chorei quando vi que ainda há quem a saiba fazer a preceito, com o exterior quase “vidrado” e o interior contrastante, macio, saboroso, subtil. Quais “crocantes”, quais “massas de alheira”, quais croquetes...Não há nada, absolutamente nada, que tenha mais interesse gastronómico do que uma alheira bem feita e não desfeita.

 

O prato seguinte foi também muito bom e original, já que se tratava de um guisado de bacalhau com amêijoas e feijão branco, provavelmente de influência basca. Lembrou-me as amêijoas com feijão (mas sem bacalhau) que Miguel Castro e Silva tão bem faz. Por fim, costeletão só de boi velho fatiado finamente perpendicularmente ao osso, só acompanhado por pimentos de piquillo assados. Absolutamente espectacular, mesmo para pessoas como eu, que são mais de peixe do que carne, que bocejam de tédio na quarta ou quinta garfada de um bife comum. Por isso, se ainda forem a tempo, desde que não sejam vegetarianos, não percam estas jornadas. O menu acima descrito, com o Stilton e ainda trufas de chocolate (e um magnifíco pão artesanal com farinha moída à moda antiga), fica em 80 euros se for com vaca velha, em 125 euros se for com boi velho.  Quem quiser acompanhar com os vinhos  sugeridos, paga mais 32 euros. Tel. 220 930 417 

 

Bem, isto era para ser um post com várias notas, mas acabei por me entusiasmar, ficou grande demais e tenho que ir para Évora onde esta tarde a Fundação Eugénio de Almeida lança mais um Pêra Manca tinto, desta vez de 2013. Depois eu conto. Fica também prometido, do mesmo autor, notas sobre como o chefe Pascal Meynard, o sub-chefe Carlos Cardoso e o chefe pasteleiro Fabien Nguyen (agora coadjuvado por Diogo Lopes, vindo da Penha Longa) continuam a fazer no Ritz Four Seasons um das melhores cozinhas de Lisboa, de como o Reserva Especial Ferreirinha 2009 teve um lançamento à altura da sua grandeza, no Palácio da Ajuda, com um jantar a cargo de Joachim Koerper, de como a Casa da Calçada acertou em cheio ao ir buscar Tiago Bonito para chefiar as suas cozinhas e muito mais.

 

Fotografia Quinta do Vesúvio: João Oliveira

 

 

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