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Instantâneos do Instagram: "la vie en rosé"

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Sabes que a maioria dos clientes é internacional quando: existem corredores inteiros dedicados a Rosé.

Uma publicação partilhada por OVO CRU (@ovocru_lx) a

 

Imagem oportuna de Tiago Macedo Pires, mais conhecido no Instagram por Ovocru. Há 10/15 anos eram só quase os estrangeiros de férias em Portugal que bebiam rosé. Segundo a foto, tirada no conhecido supermercado Apolónia, no Algarve, parece que o segmento continua fortíssimo nesta região turística.

 

Porém, mesmo no país, a quota dos vinhos rosados cresceu. E o perfil mudou. Um pouco por todo o mundo, o mercado ditou que estes vinhos tinham de ser pálidos como os franceses (aliás, mais pálidos, do que os da foto aparentam) e menos alcoólicos. A grande diferença é que por terras gaulesas, sobretudo a sul, é normal um destes vinhos custar 20/25 euros, sobretudo se for da Provence. A compra do Chateau Miraval, em 2008, por Brad Pitt e Angelina Jolie, deve ter ajudado ao upa upa dos preços. Porém, em França, ainda que o seu consumo se faça principalmente no período estival e em momentos de descontracção, o assunto sempre foi levado a sério, algo diferente do nosso panorama, onde, salvo uma ou outra excepção, os rosés são descritos regularmente como "vinhos para beber à beira da piscina" e é raro alguém dispensar mais do 5 euros por uma garrafa. 

  

  

Não é para ser do contra mas, por acaso (ou talvez não), o rosé que mais me tem dado gozo beber nestes últimos tempos está nos antípodas da tendência. Aproxima-se mais de um tinto leve para beber fresco. Trata-se do Humus, feito na Alvorninha (região de Lisboa) por Rodrigo Filipe. Este rosé é turvo, mais escuro, delicioso e digestivo (algo que ajuda o facto de ter um baixo grau alcoólico). Uma delicia para beber à beira de um lago. Ou até mesmo de um charco :). 

 


As primeiras impressões sobre O Watt, o novo restaurante de Kiko Martins

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Talvez a localização mais resguardada o tenha protegido dos holofotes, logo que abriu. “Se quer ser um dos primeiros a jantar n'O Watt, eis que chega, por fim, a oportunidade. Excepcionalmente, esta sexta e sábado, receberemos 75 pessoas em cada uma destas duas noites”, anunciava no passado dia 6 de Julho, o Chef Kiko na sua página do Facebook.

 

Os chamados soft openings são fundamentais para afinar a máquina mas a ânsia pela novidade (quer por parte da imprensa, quer por parte do público) é enorme, e por mais que tentem controlar é sempre uma pretensão inútil, que o diga ele e a sua equipa que levaram uma “grande tareia”, segundo as suas próprias palavras, nos primeiros dias do Surf&Turf, no Mercado da Ribeira.

 

Já deu para perceber que O Watt é o tão esperado restaurante de Kiko Martins no novo e moderno edifício da EDP. Porém, ao contrário de todos os outros projectos, que são propriedade do chefe, O Watt (tal como A Cafetaria, instalada na cave deste mesmo edifício) é um restaurante que surge em parceria entre as duas partes. A EDP construiu, desenhou e equipou o espaço. Kiko Martins, coordenou, definiu o conceito, colocou o pessoal (e algum equipamento) e paga uma renda.

 

O Espaço

 

Vasto, bem desenhado e decorado com tons sóbrios, com elegância, um toque retro e sem luxos “bling”, pelo atelier do designer britânico Jasper Morrison, o Watt, é um restaurante acolhedor (sobretudo quando está bem composto) que acomoda tranquilamente mais de uma centena de pessoas. Para já as reservas estão limitadas a 75 pessoas.

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O conceito

 

Para este espaço, Kiko Martins definiu uma carta cujo conceito anda à volta da sustentabilidade, da energia e de uma cozinha mais saudável, mas sem radicalismos. Por exemplo, não há fritos e a ideia é usar mais gorduras como o azeite, em detrimento da banha ou até mesmo da manteiga. De igual modo, nas sobremesas, está à partida vedada a utilização de açúcar refinado.

 

A carta e o chefe residente

 

Posto, isto e depois de provar uma série de pratos, dá para topar à distância a marca de Kiko Martins. Ou seja, espere-se uma cozinha com criatividade (umas propostas mais originais do que outras), confecções com muitos ingredientes (e aqui incluo temperos) e sabores do mundo. Como acontece nos outros restaurantes, há sempre um prato emblemático das outras casas do chefe bem como diversas ideias já vistas por lá – n’ O Talho, n’A Cevicheria ou n’ O Asiático. Porém, não se trata de baralhar e voltar a dar, como acontece, por exemplo, no seu espaço do Mercado da Ribeira. Não há pretensões a estrelas e afins - o posicionamento em termos de preço é semelhante aos seus outros restaurantes - mas carta parece-me apelativa, quer para um cliente gastronomicamente mais exigente, quer para um público mais preocupado com uma alimentação saudável, que vai além das sementes de chia e do abacate. A proposta também me pareceu congruente com o DNA do chefe e com o conceito que propõe, sem querer puxar muitas bandeiras.

 

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burrata com tomate bio ( o fruto em várias textura e a sua água) 

 

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cogumelos e couve-flor

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camarão indiano em folha de bananeira (e lentilhas)

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espetada de polvo à galega (e cevadinha com os sabores da paella)

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Barra energética d' O Watt (barra de coco, pistacio, tâmaras e gelatina de laranja

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Açaí e gaspacho de frutos vermelhos

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abacaxi, iogurte e pinhão

 

Nestes primeiros momentos, o próprio Kiko Martins vai andar por lá. Porém, como acontece já há algum tempo, os seus restaurantes estão estruturados com chefias de confiança para não dependerem de si no dia-a-dia, à hora do serviço. Quer isto dizer que depois caberá ao chefe executivo, o austríaco Martin Schreiner (que faz parte da equipa do grupo já há alguns anos), a voz de comando. 

 

Contactos:

 

Edifício Sede EDP, Avenida 24 de Julho, 12 ( Cais do Sodré – Santos), Lisboa . Tel: 21 1369504

 

Horários: Até Setembro - de Segunda a Domingo, ao almoço e Sexta e Sábado ao jantar. A partir de Setembro: Segunda a Domingo, almoços e jantares.

 

Fotos: fachada e interiores, Francisco Rivotti / as dos pratos, Miguel Pires 

 

Menu de Interrogação - 10 Perguntas a Paulo Amado

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Conseguimos apanhá-lo entre uma viagem a Nova Iorque, onde foi trabalhar num documentário sobre cozinha portuguesa no estrangeiro, e uma outra a um festival de jazz em França. “Vou ver, pela quarta vez este ano, o Wynton Marsalis tocar”, revela este inesperado estudante de trompete, que veio do Algarve para Lisboa para cursar Direito e entrou, como escritor, para o teatro da universidade. Quem o “descobriu” lá foi o director da revista Inter, que, em 1997, o contraria como jornalista estagiário. Quatro anos depois, Paulo Amado compraria a revista e com ela o prestigiado concurso de Cozinheiro do Ano, que dura até hoje.

 

Com este longo percurso, fundamentado com a criação das Edições do Gosto, não deixa de ser curioso ele continuar a dizer que acha que gastronomia é um lugar onde foi “parar por acaso e que aqui não pertence”. Só para se ter uma ideia, Paulo Amado já promoveu iniciativas como o Fórum de Inovação em Cozinha e Pastelaria (2002), Bolo de Noiva do Ano (2002), Congresso dos Cozinheiros (2005), A Revolta do Bacalhau (2005), Gastronomia com Vinho do Porto (2005), Jovem Talento da Gastronomia (2008), A Mesa dos Portugueses, com Cofina (2011), Lucky 13 Festival Nacional de Gastronomia (2015), Troféu Portugal, com Portugal Sou Eu (2015), revista Comer (2011) e o site ETASTE (2016), entre outras.

 


Como se não bastasse, tem novos projectos “entusiasmantes”: solução para manuais escolares actualizados nas escolas de hotelaria; parceria com a Essência do Vinho para a realização da Lisbon Food Week e do Congresso dos Cozinheiros; documentário A Moda da Cozinha, com Tiago Pereira; a revista INTER a sair de Portugal (está à venda em 150 locais no País, na Librarie Gourmand, em Paris, e na Papper Cut, em Estocolmo).

 

E quem julga que ele já perdeu a vocação de escritor, fica a saber que publicou pela Âncora, em 2015, “O que faz deus quando se sente sozinho”, e tem na forja “Se não fosse eu morríamos todos”, pelos Livros Mão (cooperativa editora da qual é fundador) a lançar este ano, numa homenagem à bravura algarvia de seu avô que rumou a Marrocos num barco a remos com a família.

 

Vamos ver o que ele tem a dizer agora quando submetido a interrogatório, mas os leitores devem já ficar a saber que Paulo Amado sabe de cor e salteado não só os nomes de tudo quanto é chefe em Portugal, mas também os seus percursos, locais onde estiveram, equipas com que trabalham ou trabalharam. Não por acaso, a resposta à primeira pergunta que lhe fizemos teve que ser reescrita e fortemente resumida por ele. É que, mesmo sendo o Mesa Marcada um blogue espaçoso, não “cabiam” todos os nomes citados. Fica prometido que o faremos quando, daqui a poucos meses, a Inter completar 20 anos.

 

Quais são para si os chefes mais marcantes na evolução da cozinha portuguesa nos últimos 20 anos?

 Ao longo destes 20 anos, que celebro este ano em Novembro, vi subidas, descidas e desaparecimentos. É minha convicção de que a conexão entre todos é enorme. O meio é pequeno, todos beneficiam do passado, todos constroem o futuro. Fausto Airoldi, Miguel Castro Silva, Joaquim Figueiredo e Vitor Sobral pelas novas possibilidades apresentadas quando tudo parecia ir num caminho clássico e estrangeiro. José Cordeiro e Albano Lourenço, os primeiros de uma nova geração a ganhar a estrela Michelin. Koerper, Koschina, Westermann, Franco Louise e Neuner enquanto estrangeiros que muito nos deram. Paulo Pinto e António Bóia pelas equipas Olímpicas de Culinária  e seus derivados. Barroyer, o grande fazedor de equipas e sua descendência. Luís Baena, o fora de série, por agora meio fora de cena. Nuno Diniz, o educador. Avillez (com David Jesus), Ljubomir, Pedro Lemos, Sá Pessoa e Alexandre Silva pelo evidente que são de uma nova geração de empreendedores. João Rodrigues,  peso pesado hoje e para o futuro. Rui Martins, potência explosiva na renovação da tradição.

 

Quando os chefes vão às mesas falar com os clientes estão verdadeiramente interessados no que eles têm para dizer?

Acho que sim, pelo menos espero que sim. Há uns anos atrás era menos comum, havia menos restaurantes, a geração de chefes e clientes era outra. Uma coisa eu tenho como certa: não há gastronomia sem clientes e a opinião destes é grande alimento para os chefes. Se queres continuar aqui, é bom que ouças os teus clientes, mesmo quando dizes que não lhes ligas. Se é assim, não lhes ligas e o restaurante está cheio, então alguma coisa deves estar a fazer bem.

 

Há Chefes Cozinheiros do Ano que se tornaram celebridades e outros nem por isso. Depende da personalidade do vencedor ou há outros factores que explicam a diferença?

Todos são celebridades, nem que seja para nós e para a família. Ganhar o Chefe Cozinheiro do Ano é aceitar sujeitar-se a estar perante factores que não se controla. Com os seus pares e perante os seus pares. Não é líquido que um não-cozinheiro consiga entender. Há duas esferas neste sector da gastronomia, uma mais profissional e que funciona para dentro e uma outra mais social e que funciona para o público. O Chefe Cozinheiro do Ano com 28 anos, veja-se o Bocuse D’Or que tem 30, alguma coisa há-de ter contado para quem ganha o titulo. Há um video no youtube em que os próprios vencedores explicam o que muda na vida deles.

Outra coisa: o facto como o vencedor aceita o impulso profissional e cada vez mais social que vencer a competição lhe dá. Aí nem todos têm as mesmas capacidades.

 

 Acha saudável que críticos, jornalistas e bloggers de gastronomia se gabem de serem amigos íntimos de chefes sobre os quais escrevem?

Gaba-te cesto que vais à vindima e a seguir ninguém atirou a pedra à Madalena. Toda a gente tem amigos, chefes e não chefes. Os jornalistas têm amigos chefes, os chefes têm amigos jornalistas. Os organizadores de eventos vice-versa. Os jornalistas têm obrigação de escrever com independência, o que é humanamente relativo e muito puxado face ao trabalho encantatório das agências de comunicação e marcas. Outra coisa, e sobre isso há muita confusão, são os não jornalistas. Aqueles que não têm essa obrigação e não têm de ter vergonha. Se gostem, que o digam.

 

 Os chefes portugueses são menos unidos do que os de outros países?

 Não sei. Nós temos sempre um sentimento doído em relação aos espanhóis, que eles unidos deram a volta, etc e tal. Foi com união dos chefes que a restauração em Lisboa deu a volta? Venham os clientes que os chefes tratam deles e de fazer a gastronomia avançar. No mais, sim, vejo mais abraços agora. É outra geração, mais unida, menos unida, mais capaz, menos capaz, ninguém pode responder com ciência, sem ser vampiro. Estes novos serão sempre melhores que os anteriores, como os próximos melhores serão. É tudo uma ilusão. O dia-a-dia é que conta e sim, agora vejo mais união.

 

 Vive-se mesmo um período de ouro da nossa cozinha mais contemporânea ou isso não passa de uma invenção dos média para vender jornais e gerar clicks?

 Há muito média a puxar para cima o que acha ser a gastronomia e o mundo dos chefes pela atratividade que tem no público em geral, podendo não acertar no ouro deste período da nossa gastronomia. Agora estamos, e bem, no período Ljubomir que é um grande cozinheiro, ainda que os media se interessem mais por escavar na lama. Já estivemos na era do Henrique Sá Pessoa e do José Avillez, se acharmos que a televisão é a rainha dos media. Vive-se um período de ouro mas a cozinha não nasceu com aqueles que agora reluzem mais. Já vi outros períodos de ouro e num deles reinava o Vitor Sobral, que saía em todas as revistas, acompanhava presidentes da República e até recebeu uma comenda. Nada disso é menor do que se vive hoje. Mudam-se os tempos, mudam-se os dourados.

 

Como se internacionaliza a gastronomia portuguesa?

 Mudava-se melhor com uma estratégia de Estado, mas as sociedades são assim. As estratégias são, em geral, dos partidos e nunca chegamos à maturidade. Um faz, outro refaz e assegura e alguém desfaz. Assim andamos, mas não é só na gastronomia. Há mais de 100 escolas hoteleiras em Portugal e não há manuais para todos os anos e todos os cursos. Será assim tão importante para o turismo, isto da gastronomia, palavra que vem a seguir a religião e vinhos e praias, na boca de um governante? Qualquer acto que se faça resulta em uma de duas possibilidades: trazer mais turistas ou aumentar a compra de produtos portugueses. O efeito imediato há-de ser a glória do executante (um chefe português que vai lá fora ou um restaurante que já lá está) pelo seu trabalho e a valorização dos nossos produtos. Internacionaliza-se com condução e um projecto.

 

Há muitos anos que sonhava com esta possibilidade, poder fazer a promoção dos chefes portugueses no mundo. Já começou em Nova Iorque, onde vamos voltar em Fevereiro de 2018, seguirá com Amsterdão, Londres e depois Paris. Pelos mãos dos melhores embaixadores que a gastronomia portuguesa tem, os chefes. É fazer bem aqui e investir em promover o que aqui se faz. É ir lá para fora e mostrar o mesmo: talento, produto, tradição e inovação. 

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Numa altura em que se nota uma grande evolução dos nossos cozinheiros, a escassez de bons profissionais de sala continua a ser apontado (por proprietários e clientes) como o calcanhar de aquiles dos nossos restaurantes. O que é que se pode fazer para melhorar esse aspecto? A propósito, o que é aconteceu ao Artes da Mesa, o evento dedicado a esta área que a Edições do Gosto organizavam? 

 Mais turistas há, restaurantes e cozinheiros também, pessoal de sala é que não. O problema não é de agora, há uns 10 anos fizeram-se protocolos para trazer do Brasil profissionais. As profissões da sala não conseguem gerar nos jovens a mesma atractividade que as da cozinha. Não há tantos profissionais-referência na sala, como há na cozinha. As escolas não têm alunos para a área de sala, se tivessem havia mais cursos. Não há interesse e visão estratégica para compreender que a pessoa que recebe o cliente para a experiência gastronómica é o primeiro contacto no local, cabendo-lhe o exercício da hospitalidade. A gestão do cliente como parte fundamental da sobrevivência do restaurante. Pode-se apostar na criação de um movimento, uma causa, que mobilize. Fazer manuais, juntar profissionais de referência, apostar neles, influênciar as escolas, alterar os currículos e a diminuição dos cursos e aí as coisas mudam.

 

Nós levámos a cabo três edições do Artes da Mesa e como nunca são os profissionais a suportar os custos efectivos dos eventos, têm de ser as marcas que têm interesse nisso, a suportar. Acontece que as marcas da sala, aquelas cuja facilitação ao cliente depende do bom serviço do pessoal de sala (águas, cerveja, vinho, café, refrigerantes, entre outros ), querem é trabalhar com os cozinheiros. Durante as três edições, achando-me obrigado pessoalmente a uma participação eclética, a puxar por todas as áreas ou seja, que não favorecesse apenas a cozinha, suportei isso, as Edições do Gosto, quero dizer. Chegou a um dia em que tive de suspender o projecto. Ainda assim não está morto. À primeira oportunidade regressa, é um tema de há muito. Veja-se a pastelaria, não está tão mal, porém padece de uma doença similar. Por agora vimos investimento nessa área através de uma acção que fazemos nas escolas, o Jovem Talento da Gastronomia. Aí temos um trabalho que está a andar e há uma marca de café que põe as coisas em movimento e há ar fresco a chegar às escolas, também se chama Artes da Mesa mas é para estudantes.

 

Vamos lá ver se é mesmo um algarvio de gema: carapaus alimados ou pescada à Poveira? 

 Antes de mais, um reparo, “charres alimades”, assim os designamos em Olhão, onde nasci. Amanhados e salgados para lhes reforçar a textura, ficam a repousar, meia hora que seja. Retirado o sal, água quente em cima, o tempo suficiente para que se possa retirar a lima e alguma espinha e a cabeça. Ali, feitos em frente aquela janela ao pé do lava-louça, as mãos inundando tudo e o pano enroscado que as limpa com a travessa a caminho da mesa. Alho cru, cebola e azeite para todos menos para mim. Como estão é como vão. Outra coisa, não é como a sardinha à lisboeta, nem cinco, nem 10, não se conta, come-se todos e o máximo possível. Até que acabem na altura certa que o pão e as batatas fizeram o resto do trabalho. A seguir vem xarém. O milho moído até ficar cozido em água e sal, nada mais. Um punhado de conquilhas e baixa-se a tampa. Uns minutos depois já está a boca farta da seca que é o xarém sem par e abre com os dentes a conquilha que rega de sabor salgado e essencial, como se fosse sangue do meu sangue e é um regalo para mais três ou quatro colheres de xarém, até à próxima conquilha.

 

A pergunta da praxe:qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?

 Eu já tinha pensado na morte mas nunca nesta pergunta - que é um bocado maluca - até que um dia li uma resposta do Eng. Bento dos Santos e compreendi que a minha resposta seria semelhante. Um pão caseiro e manteiga. Com uma faca desmontava as minhas partes preferidas, uma côdea que está acima da parte que toca na laje, ali quando arredonda e oferece uma côdea irregular e mansa. Ainda assim, se o mundo acabasse amanhã, comer não era a primeira coisa que faria, podem crer. Primeiro estava à procura de uma solução e quando me desse vencido, ai menino...                                             

 

Fotos: Adriana Freire e Nicole Sánchez 

 

O Menu de Interrogação tem o patrocínio da Estrella Damm, no âmbito do apoio da marca à Gastronomia. 

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Os chefes-celebridade e o horror à cozinha

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Dos meus tempos de jornalista, recordo o incómodo que me causavam. Um “caso” da política? Não interessava, não ia dar em nada. Um incêndio? E daí, já se sabe que no Verão isto arde tudo. Um investimento de uma empresa? Não se mexiam, não estavam ao serviço de interesses económicos. Nada motivava estes jornalistas, geralmente veteranos, mas também alguns ainda com idade para ter genica. Era um horror ao trabalho que ia além da preguiça, era um certo medo de serem postos à prova, de terem que se dedicar a um assunto, a ponto de não quererem que nada acontecesse que perturbasse a sua medíocre rotina. O meu incómodo maior era causado pelo medo de um dia vir a ser como eles. E, se tal se verificasse, não ter coragem de mudar de vida.

 

Hoje, vejo esse tipo de comportamento entre chefes de cozinha. Parece que alguns, vários ainda bastante novos (embora se saiba que a grande maioria dos cozinheiros começa muito cedo e a partir dos 50 anos já deixaram para trás a parte mais criativa da sua carreira), ganharam um verdadeiro horror a estar à frente da cozinha no dia-a-dia de um restaurante, têm medo de já não conseguir agradar com novas receitas, sem energia para o processo de tentativa-erro essencial na criação. Nos casos mais graves, já nem têm prazer em pegar nos tachos a não ser nuns poucos minutos para a televisão e para os fotógrafos, num ou outro evento bem pago, em fins de semana entre amigos.

 

No entanto, estes chefes não recusam o estatuto de celebridades, não se poupam aos holofotes, pelo contrário, fazem lindas declarações sobre o seu amor à cozinha e prometem novas conquistas para breve, que muitas vezes se concretizam em novos restaurantes onde também não põem os pés.

 

Pois bem, pode parecer paradoxal, mas eu sempre defendi o estrelato na cozinha como forma de afirmação da sua renovação e modo de alcançar novos públicos através da mediatização. Sempre achei que os chefes deviam sair dos seus restaurantes para conhecer mundo e divulgar a sua cozinha. Aliás, no meu trabalho para a Associação de Turismo de Lisboa, que desenvolvo há 10 anos, apoiei e apoio viagens de chefes portugueses a festivais internacionais e eu próprio, como organizador do Peixe em Lisboa, proporciono anualmente ocasiões para os chefes saírem dos seus restaurantes.

 

Mas então porque os critico? Porque acho que estão a exagerar. Porque muitos deles não estão a conseguir equilibrar a imprescindível presença na cozinha do seu principal restaurante, aquele que lhes deu nome, aquele onde podem ganhar estrelas Michelin e outras distinções, com as outras actividades para que são solicitados.

 

No recente simpósio do evento Sangue na Guelra, em Lisboa, estive ao lado da Maria de Lourdes Modesto numa conversa. Ela, com quem nem sempre concordo, mas que tem sempre razão, alertava os muitos chefes presentes na plateia que a grande cozinha francesa tinha se tornado célebre com a dedicação apaixonada dos chefes aos seus restaurantes. Em Portugal, dizia ela, os chefes estão sempre a pular de restaurante em restaurante, sem tempo de deixar marca.

 

Desta vez, estive completamente de acordo com Maria de Lourdes Modesto, até porque para a minha geração, mais do que a cozinha francesa, foi a espanhola a mais marcante. Fiquei a pensar do que seria de Ferran Adrià, Joan Roca, Quique Dacosta, Andoni Luis Aduriz, Martín Beresategui, David Muñoz e tantos outros sem essa dedicação quase obsessiva aos seus restaurantes. O caso do El Bulli apareceu-me como o mais exemplar. Assim que começou a ser uma estrela da cozinha mundial, Adrià passou a abrir só seis meses por ano, deixando o outro semestre para viagens, participações em congressos, eventos e tudo o mais, incluindo também para se dedicar no seu famoso “atelier” em Barcelona ao desenvolvimento de novas técnicas e receitas. Mas nos seis meses de abertura estava na cozinha quase todos os dias.

 

Voltando à conversa com Maria de Lourdes Modesto, depois dela ter falado, eu acrescentei que não só os chefes passam a vida a mudar de restaurante (apesar de achar que está melhor agora do que há uns anos), mas que mesmo quando ficam no mesmo restaurante raramente são vistos por lá. É claro que a provocação não terá ajudado à minha popularidade entre os cozinheiros presentes e ainda que ninguém se tenha publicamente pronunciado, sei que houve logo quem me considerasse “retrógado”, incapaz de compreender os “jovens” (mesmo que de jovens alguns deles já só tenham a roupa e o penteado) e o novo papel dos cozinheiros, que é andar pelo mundo e em ocasiões mediáticas, a fazer declarações sobre tudo e mais alguma coisa, desde que agrade a quem os ouve.

 

Mas há que deixar muito claro, mas mesmo muito claro, que se trata de uma generalização, que aliás nem é só dirigida aos chefes portugueses. Felizmente, há muitos que não se enquadram nela de jeito nenhum. Podia citar dezenas de nomes, mas por comodidade e falta de espaço, limito-me a lembrar os chefes distinguidos com estrelas no último guia Michelin, todos eles bons exemplos actuais de dedicação ao seu principal restaurante, sem deixarem de sair dele quando se justifica, de forma equilibrada e sensata.

 

Claro que - não fosse a intriga um desporto nacional- houve logo quem achasse que eu me referia a José Avillez. E aí não estavam totalmente errados. É verdade que sendo eu seu admirador, gostaria de ver maior renovação no Belcanto (embora ele me tenha dito agora que está com novidades) e menos restaurantes a abrir, menos viagens e ausências. Mas o trabalho que José Avillez já fez ultrapassou todas expectativas e foi determinante no bom momento que estamos a atravessar. Ou seja, mesmo que amanhã ele se dedicasse ao sector do calçado e transformasse os seus não sei quantos restaurantes em sapatarias, já tinha deixado uma marca decisiva na história da cozinha portuguesa. Além disso, é suficientemente inteligente para, se achar caso disso, fazer uma pausa no futuro para se concentrar e renovar a sua cozinha.

 

Ou seja, refiro-me especialmente a quem ainda pouco fez, mas já se julga um novo José Avillez. Quem afirma que tem orgulho em ser cozinheiro, mas se comporta mais como um vulgar homem de negócios. Quem passa a vida a elogiar a “equipa” e nunca está ao lado dela nos fogões. Ou seja, a quem ganhou horror à cozinha e não tem coragem de mudar de vida. E deixar de ser uma celebridade.

 

Artigo publicado originalmente na Revista de Vinhos - A Essência do Vinho nº331, Junho de 2017

Fotografia do filme "À Procura de Uma Estrela" ("Burnt"), publicada só neste post

 

Dominique Crenn “a 4 mãos” no Loco

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Há 2 anos, poucos sabiam quem era Dominique Crenn, na Europa . Na verdade, mesmo nos Estados Unidos, a chef francesa radicada na costa oeste era quase uma ilustre desconhecida. Tudo começou a mudar, em 2013, quando o Guia Michelin atribuiu duas estrelas o seu restaurante Atelier Crenn, em São Francisco, tornando-a na primeira mulher a alcançar tal feito em terras do tio Sam. Depois disso, em 2016, veio o prémio de “Melhor Chef Feminina do Mundo” para o júri do The World’s 50 Best Restaurants, um episódio na série da Netflix Chefs Table e, mais recentemente, a entrada para a 83ª posição da segunda parte da lista atrás mencionada.

 

Dominique Crenn hoje é uma estrela e não é comum vermos alguém vir dos Estados Unidos no auge da sua carreira para fazer um jantar em Portugal. Esse momento terá lugar no Loco (1*Michelin), no próximo dia 15 de Agosto, às 20h, em dueto com o chefe anfitrião Alexandre Silva.

 

Tenho de aplaudir o esforço de Alexandre Silva que sem uma grande estrutura ou patrocinadores por trás, tem vindo a organizar jantares “a 4 mãos” no seu restaurante, com chefes em ascensão ou de créditos firmados com trabalho muito interessante, como foi o caso de Atsushi Tanaka, do A.T. (Paris), Daniel Burns, do Luksus (Nova Iorque – entretanto encerrado), Diego Guerrero, do DStage (Madrid) ou, mais recentemente, de Pedro Pena Bastos do Esporão (Monsaraz).

 

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 Alexandre Silva com Pedro Bastos e as suas equipas no último "a 4 mãos"

 

Acompanhei à distância os primeiros jantares, mas estive presente neste último, no dia 20 de Julho e saí rendido. Como escrevi na altura no texto que acompanhou a série de fotos que coloquei no Instagram, “apesar cada um ter a sua identidade, ambos jogaram em equipa com um fio condutor que em nenhum momento nos levou ao enfado. Houve pratos que se distinguiram, como o rim, a lula com raiz de aipo e trufa de verão, o lírio e azeite, a corvina e caldeirada verde, o pato com cantarelos, o gelado de morango, tomate e pimento, ou o pêssego com pastinaca e avelã. Apenas um prato ficou um pouco aquém (os bivalves com pés de porco), o que dá para perceber o alto nível de jantar. É impressionante ver a evolução dos nossos cozinheiros nestes últimos anos. Definitivamente a alta cozinha, em Portugal, está a atravessar um momento de ouro. E se são sempre os chefes a levar os louros, não se pode deixar de elogiar as equipas de profissionais motivados e cada vez mais bem preparados que com eles trabalham”.

 

Portanto, só tenho razões para dizer Dominique Crenn promete. Sim, a experiência não vai ser uma pechincha. Ainda assim os 200€ ficam mais em conta do que reservar uma mesa no Atelier Crenn (325 USD + 175 do pairing) e apanhar um avião para São Francisco. Reservas para 213 951 861 ou do reservas@loco.pt.

 

Fotos: Chuck Thompson e Miguel Pires 

Tata Eatery com pop-up em Lisboa

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Ana Gonçalves é portuguesa e Zijun Meng chinês. Juntos abriram em Junho de 2016, na zona leste de Londres, o Tata Eatery, um restaurante de cozinha contemporânea com raízes chinesas e portuguesas. A dupla, que trabalhou com Nuno Mendes no Viajante e Chiltern Firehouse, anunciou recentemente que vai sair do espaço que partilha com um outro projecto e que andam à procura de um local próprio na capital inglesa. 

 

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Porém enquanto isso não acontece, vêm a Lisboa para um pop up no Café Garret (Teatro D. Maria II), de Leopoldo Garcia Calhau, nas noites de 1 e 2 de Setembro. Nesses jantares, a dupla apresentará um menu de seis pratos (+ snacks) elaborados com produtos portugueses e sabores asiáticos. O valor será de 48€ (sem bebidas) e as reservas podem ser feitas aqui

 

 

Mangalica, o "wagyu dos porcos" que chegou ao Fundão

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Parecem nascidos em laboratório, do cruzamento entre um javali e uma ovelha, mas nem as vitimas de Obelix, nem os parentes da Dolly são para aqui chamados. Sim, são mesmo porcos, da raça mangalica, lanzudos e com uma grande percentagem de gordura, características essenciais para a adaptação ao frio e à neve nas estepes húngaras, de onde são originários. Os exemplares destas fotos (e vídeo) são criados perto do Fundão, um caso raro se não mesmo único por cá. Mas já lá vamos.

 

Rico então em gordura, a produção de o mangalica (também conhecido por mangalitza, ou mangalitsa) entrou em declínio no período seguinte ao pós-Segunda Guerra, acentuando-se ainda mais a sua escassez durante a crise económica que abalou a Hungria a seguir à queda do bloco de leste. Por um lado, devido ao aparecimento do óleo de girassol, que levou à queda do consumo de banha, e por outro lado, devido à introdução de raças de crescimento mais rápido e com maior percentagem de carne. Rezam as crónicas que nos anos de 1990 não havia mais do que duas centenas de unidades deste suíno e que foi graças ao contributo de um produtor espanhol de presuntos de porco ibérico, Juan Vicente Olmos, que a raça se salvou. Segundo a imprensa espanhola, o produtor de Segóvia percebeu que o mangalica tinha um potencial muito elevado para a produção de presuntos, o que o levou a comprar uma boa parte dos exemplares que restavam. Porém, Olmos manteve a criação e o abate na Hungria fazendo a transformação, posteriormente, em Espanha.

 

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Esta acção do produtor espanhol criou alvoroço no sector, que viu no mangalica uma ameaça ao negócio, sobretudo no que se refere ao topo de gama, o presunto porco ibérico puro de bolota. Percebe-se a agitação, na altura, por volta de 2012, o mangalica era vendido a 7 euros o quilo, enquanto o seu parente ibérico, de que em parte descende, valia 40 euros (hoje o valor é superior mas ainda abaixo deste). Como se não bastasse as qualidades organolépticas (cor, sabor, odor e textura) desta raça começaram a destacar-se, sobretudo quando a carne chegou ao outro lado do Atlântico e o New York Times o comparou à bovina de wagyu.

 

Porém, gastrónomos e outros entendido espanhóis reconhecem a qualidade mas dizem que em comparação de sabor, o “bellota” ibérico ganha. Já se tivermos em conta a relação peso qualidade a vantagem fica do lado do “lanzudo”. Escreve o jornalista gastronómico, Fernando Lázaro Arranz, no El Mundo: “El mangalica es primo de nuestro cerdo ibérico y el parentesco se nota: a simple vista, el parecido es espectacular y las lonchas de jamón son casi idénticas, con perfectas infiltraciones de una grasa veteada, ambarina y brillante, tal cual las presenta uno de los productos estrella de nuestra gastronomía, el ibérico de bellota. Incluso el color de la carne es idéntico. Sin embargo, ¿qué hay de su sabor? Pues 'allegro ma non troppo', bueno pero sin llegar a los niveles de placer que depara un buen bellota. La grasa que atesora es menos fundente, tiene menor complejidad y se presenta con menos finura, pero el sabor es igualmente dulce y el resultado en el paladar es interesante. Si se come con la vista, las dehesas húngaras poco tienen que envidiar a las españolas. Si se piensa en la cartera, más de lo mismo. Pero si se come con el corazón, la bellota gana...”. Mas como diz o produtor Juan Vicente Olmos (que vende uns e outros): "Consumir uno y otro no son excluyentes. Al igual que alguien puede consumir un queso roquefort y disfrutar a la vez de un camembert".

 

O Mangalica do Fundão

 

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Foram estas características e o factor de diferenciação que levaram o casal belga Lucas e Gerrie a apostar nesta espécie, em Portugal. O Mesa Marcada quis saber o porquê do mangalica em terras de porco ibérico e Lucas e Gerrie, por cá há 16 anos, foram muito práticos na resposta: “Já há tantos ibéricos a ser produzidos que não nos dava a possibilidades de nos distinguirmos de outros produtores. É sempre a melhor a escolha de produzir algo que os outros não produzem”.

 

Ao contrário de Vicente Olmos, que manteve a criação na Hungria, o casal belga resolveu apostar em trazê-los para a sua Quinta 1001 patas, próximo do Fundão. “Começámos há seis anos com alguns exemplares, vimos como se adaptavam ao clima, qual a melhor forma de manutenção, a gestão das fêmeas e pouco a pouco fomos tentando melhorar a produção, a alimentação, e o acabamento até o abate”, referem. Porém, o casal gosta de assinalar que, mais do que as razões comerciais, foi a qualidade da carne que os convenceu. “Nunca provámos nada desta qualidade e isso foi confirmado bem rápido por vários chefes de cozinha”.

 

Perguntámos também se este é um produto para exportação ou se se encontra também em Portugal.

 

“Tentamos produzir para o mercado nacional. Contudo, a carne é muito cara e procuramos sobretudo mercado gastronómico de topo”. O segredo da sua qualidade (e do preço alto) está nas as características dos animais e a forma como são criados. “A produção é muito limitada porque da criação até o abate demoram dois anos, no mínimo. Além disso, as fêmeas têm poucas crias e os pequenos ficam com a mãe no mínimo 3 meses”.

 

Este ritmo lento sem engordas forçadas faz com que os belgas não sejam modestos na hora de puxar a brasa à sardinha, ou a bolota à sua vara, neste caso: “andam todos ao ar livre 100% do tempo (= crescimento lento). Podemos dizer que no final do acabamento, o produto é o Rolls Royce da carne de porco”.

 

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Lucas, o produtor belga do Fundão, como cortador, no último festival do Vila Vita

 

Por último, quisemos saber quem são os principais clientes em Portugal. Parece que interessados não faltam, mas...

 

 

“De momento vendemos principalmente os presuntos. Para as outras partes há restaurantes do mais alto nível interessados, mas quase nenhum compra uma carcaça inteira. Nem metade. Por exemplo, os chefes querem 20 lombinhos, ou 40 bochechas. Há um que só quer as patas, o focinho e o rabo. Há outro que quer o cachaço e a barriga. Assim, para nós, não é possível matar os animais sem ter a possibilidade de vender a carcaça inteira. Então buscamos um distribuidor que esteja 100% dentro deste mercado”.

 

Contudo...

 

“Mas, por exemplo, o Hans Neuner (do Ocean) ja teve uma carcaça inteira para experimentar e disse-nos que a carne é uma maravilha e quer trabalhá-la. O Dieter Koschina (do Vila Joya) está interessado em comprar meia carcaças e, entretanto, o Rui Silvestre (do Bom Bom) utiliza o nosso presunto em vez do 5J”. Segundo Lucas e Gerrie, “é preciso de alargar muito o plantel de interessados para poder produzir sem de ter cuidado de poder vender todas as partes”. Por último, o casal revela ainda que estão a desenvolver um tipo de enchido com a colaboração de vários chefes mas que o projecto ainda está no inicio.

 

Num mercado pequeno como o da nossa alta gastronomia, onde as modas vão e vêm e em que se alguém descobre um novo produtor ou um novo produto, logo uma legião de seguidores vai - ou quer ir - atrás (algo que não é exclusivo de cá, diga-se), desconfio que o bísaro e o porco ibérico vão ter concorrência e que o mangalica não tardará a aparecer em muitas mesas Michelin (e não só). Apenas desejo que não se seja trafulha na qualidade. 

 

  

P.S. A verdadeira razão deste post foi este video que Lucas e Gerrie me fizeram chegar. Portanto, era para ser  um post de silly season mas acabou neste lençol de texto. Afinal, é também para isto que serve um blogue. 

 

 

instantâneos do Instagram: a sobremesa voadora de Jordi Roca

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É um pássaro, é um avião? Não, é a última sobremesa de Jordi Roca, no Celler de Can Roca. O mais novo dos irmãos Roca, responsável pela parte de pastelaria (ou será, neste caso, de magia?), acaba de publicar este pequeno video no Instagram.

 

Parece uma nuvem de algodão doce que voa até ao prato do cliente. A legenda não revela do que se trata (apenas lança uma pista: #postrelactic), mas claro, as reacções não se fizeram esperar. 14 000 visualizações em menos de uma hora e comentários de "😱WTF!!!" a  "That's just simply...awesome!!!".

 

Tenham um bom domingo. De preferência, sem nuvens. Das outras. 

 

 

 

 


Menu de Interrogação - 10 Perguntas a Rodrigo Castelo

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Todos conhecemos alguém que diz que um dia vai deixar a profissão para se dedicar a uma paixão que até aí não passava de um hobby. Porém, são poucos os que o fazem e ainda menos os que são bem sucedidos. Rodrigo Castelo é um dos casos de sucesso.

 

Profissional da industria farmacêutica - e antigo forcado amador - Castelo mandou os remédios às malvas para se dedicar à cozinha, actividade cujo gosto desenvolveu desde cedo, influenciado pelo pai. Sem cura, ou retrocessos, em finais 2013 abriu na sua terra natal, Santarém, a Taberna Ó Balcão e logo começou a dar nas vistas na região. Santarém fica a menos de uma hora de Lisboa e o chefe Rodrigo Castelo rapidamente encurtou ainda mais a distância do centro mediático e fez-se notar. Não pelos petiscos saborosos mais comuns, que também faz, mas por se ter dedicado a recuperar receitas, tradições e produtos locais pouco conhecidos fora da sua região e sem receio de deixar, aqui e ali, uma marca própria . Não foi o primeiro a fazê-lo mas já há algum tempo que não aparecia ninguém assim. De tal forma que o jornalista e critico Fernando Melo escreveu recentemente na Evasões (DN/JN) que ele é “o mais intranquilo dos chefes da nova vaga e representa o que vai salvar a cozinha portuguesa autêntica”.

 

Se vai mesmo ser isso tudo ainda é cedo para o sabermos. Porém, se ultimamente temos ouvido falar de bode capado, peixes do rio ou carne de toiro, muito a ele se deve.

 

Rodrigo Castelo, como já perceberam, é a "vítima" que aceitou responder a mais um "Menu de Interrogação", a rubrica quinzenal deste blogue, que conta com o patrocínio da Estrella Damm, no seguimento do seu apoio à gastronomia. 

 

Acha que os chefes autodidactas continuam a ser olhados de lado pelos que fizeram o caminho habitual das escolas de hotelaria?

Apesar de não ter feito um percurso clássico, fiz um caminho óbvio de aprendizagem. Ninguém aprende sozinho e no meu caso comecei por beber da minha família, da minha região, do Ribatejo. Tenho aprendido com muita gente, com os pequenos produtores da região, a passar tardes com o pescador e, com o talhante, a conhecer o produto a fundo, com a Escola Superior Agrária de Santarém no desenvolvimento de novos produtos, como o enchido de toiro bravo. Tenho ainda tido o privilégio de ser convidado por outros chefes para cozinhar nas suas cozinhas, e recebe-los em jantares a quatro mãos no Balcão. O que sinto é que sempre fui bem recebido e que há sempre um grande respeito por quem cozinha.

 

Quais foram os chefes que mais o influenciaram, em Portugal e no estrangeiro?

 É difícil para mim citar nomes, mas não posso deixar de enunciar três pessoas que me marcaram em diferentes fases da minha carreira, Filipe Pina, Rui Martins e o Ljubomir Stanisic. Tenho vindo a aprender, a partilhar e a crescer com vários chefes da nova geração. Acompanho de perto o trabalho desenvolvido pelos mais conceituados chefes portugueses e de além fronteiras.

 

E de repente, com o Rodrigo Castelo voltou-se a falar mais da cozinha ribatejana. De onde vem a Taberna Ó Balcão, há mais? 

Digo muitas vezes que sou muito patriota, mas que sou ainda mais ribatejano. Tenho muito orgulho de que o meu nome seja uma marca do Ribatejo, que se tenha começado a falar mais sobre a nossa gastronomia e que haja interesse por conhecer ainda mais. A Taberna Ó Balcão tem procurado recriar as receitas regionais, estando ainda muito centrada nas matérias-primas do distrito de Santarém. Ambiciono investir na pesquisa e desenvolver receitas de todo o Ribatejo, da lezíria, do bairro e da charneca. Para além do rio, tenho também fortes ligações ao mar e é desta junção que vai nascer um novo projecto, desta feita em Lisboa. Santarém tem nos últimos anos aumentado a sua oferta gastronómica, tem dinamizado uma série de projectos no panorama da gastronomia, como é o caso do Lucky 13, integrado no Festival Nacional da Gastronomia, e que permite aos chefes scalabitanos mostrarem o seu trabalho ao lado de alguns dos nomes mais sonantes do país.

 

Apesar das distâncias curtas e das estradas boas, parece que custa aos lisboetas e aos portuenses andarem uns quilómetros para ir a um restaurante fora da cidade. É possível um restaurante ser bem-sucedido economicamente fora dos grandes centros urbanos?

Lisboa e o Porto têm uma oferta gastronómica extraordinária. Em Santarém, a cerca de 80 km de Lisboa e 250 km do Porto, é possível ter sucesso, casa cheia e reconhecimento. Economicamente … fora dos grandes centros urbanos dificilmente se tem o mesmo poder de compra, o que implica um ajuste no food cost. Ou seja, não conseguimos vender a um preço que considero justo para o investimento e custo de produção do que é feito.

 

 

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Qual a razão para os peixes do rio, como o barbo ou o lúcio-perca, serem quase ilustres desconhecidos, ao contrário do sável e da lampreia que têm uma legião de admiradores? 

A maioria dos peixes são difíceis de trabalhar, quer pela textura quer pelo sabor, havendo no entanto cada vez mais peixes do rio a brilhar como a fataça e o peixe rei. Tanto o sável como a lampreia vêm do mar e como tal têm um sabor muito rico. Pessoalmente, a fataça e o barbo são os meus peixes do rio preferidos. Este último é o melhor para caldos, as tradicionais sopas de peixe do rio são feitas de caldos de barbo e as melhores ovas do mundo. No entanto, tem muitas espinhas e um sabor muito característico a rio, o que leva os pescadores a usarem-no como isco para o lagostim. O lúcio é um dos peixes mais recentes nos nossos rios, é um predador, e o seu sabor é completamente insípido.

 

Um menu como o do seu restaurante com mais de 50 propostas não é assustador, quer para quem tem de escolher, quer para quem tem de as executar? 

Completamente, é o “lodo”, para o cliente que tem que escolher e para a equipa que tem diariamente muita mise en place para executar. Estamos neste momento em fase de reformulação do menu, já reduzimos um pouco e queremos reduzir mais ainda para termos uma carta afinada à equipa. Vamos ter ainda um menu degustação onde posso criar e experimentar novos produtos e dar a conhecer cada vez mais a cozinha ribatejana.

  

O que que custa mais, lidar com um toiro enraivecido ou com uma critica maldosa?

O toiro é um prazer e desde miúdo que respiro o mundo dos toiros. Na pega de caras o embate com toiro é frente a frente, numa crítica maldosa o crítico esconde-se atrás dos media, das redes sociais, raramente tem a coragem de investir cara a cara o que torna mais difícil “pegá-lo”. O mais importante para mim é nunca perder a paixão.

 

Enumere dois ou três crimes que acha que são cometidos em nome da cozinha tradicional portuguesa.

Não considero que se cometam crimes em nome da cozinha tradicional portuguesa, tudo evolui. O único atentado que me ocorre é o sabor passar a ser secundário, em prol das texturas e da mise en scène. As desconstruções estão muitas vezes rodeadas de polémicas, a tradição deve ser sempre respeitada através do sabor/base e do produto. Por exemplo, a minha massa à barrão não é visualmente igual à do tacho do meu pai, mas quando a como volto até à minha infância. Eu posso fazer uma massa à barrão seguindo a receita base, mas posso também acrescentar algo que potencie a receita, como os fígados de tamboril, A tradição é uma herança significativa, mas com o aparecimento de novos produtos e novas técnicas é natural que os cozinheiros queiram dar aos seus pratos uma nova contemporaneidade, a receita está em nunca deixar de respeitar o produto.

 

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Rodrigo Castelo em acção no jantar com peixes do rio no âmbito do último Sangue na Guelra

 

O que se vê a fazer daqui a 20 anos?

Daqui a 20 anos, com 57 anos, imagino-me a colocar o Ribatejo, e em especial Santarém, na boca do mundo, e gostava muito de ver os meus filhos a darem continuidade ao meu trabalho, ao meu lado.

 

E pergunta da praxe: qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã? 

Essa é difícil! Adoro estar rodeado da família e dos amigos, uma casa bem cheia, por isso a última refeição era uma mesa farta e bem regada na minha tertúlia, onde não poderia faltar o toiro bravo, o peixe do rio e o bode capado. Como se diz na gíria taurina, “um casão”.

 

Fotos: Mário Cerdeira (entrada); Paulo Barata (última)

 

Patrocínio:

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Um Local felizmente fora de moda

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Esqueçam fermentados e fumados, vegetais como protagonistas, dashi, ramen ou soja. Esqueçam algas, esqueçam ceviche, esqueçam barriga de porco. André Lança Cordeiro está mais na cozinha clássica francesa. Tem a ver com o seu percurso. Quando tinha 27 anos, depois de ter trabalhado na Sonae em algo que não tinha nada a ver com a cozinha, esteve na saudosa Taberna 2780, em Oeiras, onde era comum ver gente vinda de outra paragens, como Nuno Barros, Francisco Magalhães ou Joana Xardoné. Depois, foi para França aprender a ser cozinheiro, na escola de Alain Ducasse. Seguiram-se passagens por vários restaurantes franceses, especialmente ao lado do estrelado Frédéric Simonin, que ainda o levou para Suíça num projecto de consultoria. Ao todo, cinco anos de ausência.

 

Há cerca de dois anos, voltou a Lisboa, quase directamente para a chefia do hotel Nau Palácio do Governador, em Belém, com destaque para o restaurante Ânfora, onde estive há uns tempos num almoço para a Comunicação Social que me deixou óptimas impressões. Mas, há três meses, André Lança Cordeiro, agora com 37 anos, decidiu mudar de via. E a coisa é radical. O Local é um pequeníssimo espaço na Rua do Século, 204 (na parte de cima, mais um trunfo para o Príncipe Real), cozinha escancarada a dar para uma “sala” onde cabe uma única mesa para 10 comensais, ombro a ombro.  Ao lado do chefe, somente Leonor Sobrinho, essa com Escola de Hotelaria do Estoril, estágio no Belcanto, prática no Cantinho do Avillez e no hotel Nau Palácio do Governador. E um bem educado e jovem português a atender.

 

A lista, tal como o restaurante, é curta - quatro entradas, três pratos principais, três sobremesas -, mas André Lança Cordeiro promete renovações permanentes. Passei lá à porta por volta das 19h, marquei mesa com ele e voltei às 20h. Abriu há uma semana e ainda não tem nome na porta, nem telefone, nem Fb, nem nada.  Abre só para jantar e faz turnos. E logo para começar algo que marca ao estilo da casa, uma positiva, outra, a meu ver, nem por isso. Havia o lado francês, já que eram umas gougères muito bem feitas, mas com, hélas,óleo de trufa, que estaria presente em mais dois pratos, sem necessidade nenhuma.

 

Mas está visto que eu simpatizava com a casa e lá desculpei as “trufas” por causa de um salmorejo de sapateira, bem ácido e refrescante e com as tostas imersas com um toque crocante perfeito que me fez saudar as vantagens da formação francesa. Também provei uns cogumelos hidratados de boa qualidade (empresa portuguesa Fungus), morquelas e boletos, com uma base de cogumelos Paris com... óleo de trufa, que, vá lá, não estava de todo mal integrado.

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Nos pratos principais, sem “trufa”, veio um esplêndido robalo com batatas fondant esplêndidas e molho de champagne (na foto) e também um peito de frango biológico com ervas menos utilizadas como endro, coentros e estragão. Peixe e ave em pontos de suculência perfeitos. Ao lado, de brinde, um bom puré de batata, mas, adivinhem, com óleo de trufa... No fim, o chefe, que também fez pastelaria em terras gaulesas, apresentou um belíssimo Paris Brest com espuma de laranja. Ainda tivemos direito a óptimos canelés, que levámos para casa para comer com o café, algo que o novel restaurante ainda não tem condições de oferecer. O pagamento, só em Multibanco ou dinheiro, ficou em cerca de 40 euros por pessoa, tomando um Chocapalha Chardonnnay (19 euros) bem bom e uma água italiana que não conhecia (5 euros). Há também pouquíssimas opções de vinho e quem for para os três tintos disponíveis só tem opções mais caras.

 

Resumindo e concluindo, gostei imenso deste novo projecto/atitude de André Lança Cordeiro, quero lá saber se é possível rendibilizar uma casa de 10 lugares. O que me interessa é que fiquei com vontade de voltar a este Local onde o cozinheiro faz aquilo que quer - e sabe fazer -  e não aquilo que julga que está a dar. Quando tiverem telefone, ponho aqui.

 

Fotografias: Cristina Gomes

A cozinha arrebatadora de um chefe que encontrou o seu estilo

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Durante muito tempo não consegui compreender a cozinha de Hans Neuner. Estava à vista que ele era bom, muito bom, que havia grande técnica e uma tentativa honesta de criatividade, mas, para mim, não resultava. Fosse no Ocean ou em diversos jantares especiais em que ele estava presente, havia sempre algo que me falhava, talvez uma certa falta de personalidade no estilo culinário, como se o chefe austríaco, com quem sempre simpatizei, ainda não tivesse descoberto seu caminho. De alguma maneira, sempre senti que eu é que estava errado, não só pelas duas estrelas Michelin que ele já tinha conquistado, mas sobretudo por ver que toda a gente que mais respeito, nomeadamente outros chefes, ficava deslumbrada com a cozinha de Neuner. Como se calcula, não vivia bem com esta sensação, porque queria gostar desta cozinha e não conseguia.

 

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Pois bem, tudo isto se resolveu numa noite, num jantar extraordinário no Ocean, no Vila Vita Parc, para o qual fui convidado, para conhecer os novos pratos e o espaço, que foi remodelado há menos de dois anos. O restaurante está agora muito mais bonito, tirando todo o partido da extraordinária vista para o mar e com uma decoração moderna e confortável. De destacar o serviço de vinhos, conduzido por um equipa de escanções de grande nível, chefiada por Nelson Marreiros, que propôs um espectacular menu de acompanhamento, só com marcas portuguesas, algumas menos vistas.

 

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Sardinhas de Sagres e cenouras à algarvia; taco português; frango piri-piri; tomate com mangericão e orégãos 

 

Quanto a este memorável jantar, começou, com duas rodadas de entradas, onde predominaram as referências à cozinha portuguesas, com taco português (com a couve a fazer as vezes da massa), uma sardinha de Sagres e umas cenouras à algarvia. Depois, frango piri-piri e tomate com orégãos e manjericão. Tudo de um nível estratosférico, um festival de sabores que reconhecemos facilmente, apesar de “disfarçados” por um sem número de técnicas que nos surpreendem.

 

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Ostra/foie gras e ananás dos Açores; Carabineiro local, meloa, verbena/amêndoas verdes 

 

É claro que as versões modernizadas de pratos conhecidos, em que se vai ao “esqueleto” do sabor, podem funcionar muito bem em termos de desfrute gastronómico e de admiração pelas técnicas utilizadas. Nunca me esquecerei da primeira vez que, no final dos anos 90, provei no El Bulli a célebre versão da tortilla espanhola do século XXI, mas, lá está, não me parece que um chefe com o gabarito de Hans Neuner se contente apenas com estas adaptações.

 

De facto, o que veio a seguir mostrou uma cozinha que não me pareceu ter a ver com nada, nem com pratos tradicionais nem com “memórias” nem com nacionalidades nem com exotismos. Quando muito, o recurso a alguns produtos e receitas locais como ostras, carabineiro, amêndoas verdes, raia, pargo, milho de Aljezur ou xerém. Mas tudo enquadrado numa cozinha livre, imaginativa, cheia de sabor e alegria. Pratos extraordinários que, para mim colocam Neuner num patamar de criatividade superior, sabendo conciliar ingredientes quase ao miligrama, todos tratados com um leque de técnicas assombroso, sempre com sentido, sempre resultando numa sensação de êxtase.

 

Este desfile de luxo começou ainda na última das entradas, com ostra, foie gras e ananás dos Açores, prosseguiu com carabineiro local/meloa/verbena/amêndoas verdes, com alho francês/caviar Imperial/toucinho/raiz de salsa/levístico, depois raia/alcaparras/salsa/agrião e por fim, pargo/milho de Aljezur/xerém/bivalves.

 

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Alho francês/caviar Imperial/toucinho/raiz de salsa/levístico; Raia/alcaparras/salsa/agrião; Pargo/milho de Aljezur/xerém/bivalves; Pluma de porco preto/maçã verde/grelos/mostarda/fermento

 

No fim destes pratos do mar, uma pequena decepção com a pluma de porco preto/maçã verde/grelos/mostarda/fermento. Não porque estivesse má, porque estava excelente, mas sim porque me pareceu estar relacionado com a detestável “comfort food” , algo que dispenso em restaurantes como o Ocean. Essa ideia de que temos que servir um naco de carne vermelha no final de um menu, para que ninguém saia dali com “fome”, é algo muito comum em grandes restaurantes portugueses e estrangeiros, mas para mim não faz sentido nenhum. Teria talvez gostado mais da outra opção de carne (codorniz do Alentejo/chimichurri/alho preto/couve-flor), mas não foi essa a que me serviram. Foi um prato que perdeu na comparação com os anteriores, em termos de complexidade e subtileza. Mas, enfim, deve haver quem precise de se sentir “reconfortado” e seja uma esquisitice minha.

 

Mal acabei de escrever o parágrafo anterior, senti que poderia estar a dar a entender que o prato não prestava. Nada disso. Tomara eu conseguir encontrar outras vezes carne tão boa e tão bem tratada, um fundo de carne com mostarda tão bem feito, notas tão delicadas da parte vegetal. Foi só o enquadramento em que ele foi servido que me desagradou. Um pouco, não muito.

 

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Alperce/fava tonka/leite/amêndoa; Cactus/chorões/agave

 

Vieram depois as sobremesas de Márcio Baltazar, que fez parte da equipa de Leonardo Pereira nos seus tempos no hotel Areias do Seixo, com pipocas/morangos da Costa Vicentina/limão, depois cactus/chorões/agave e por fim alperce/fava tonka/leite/amêndoa. De novo a complexidade de sabores e ingredientes, alguns menos comuns de ver em doce, como agora é moda e ainda bem. As “pipocas” de morango, até pelo seu carácter refrescante estavam inesquecíveis.

 

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Pipocas/morangos da Costa Vicentina/limão

 

Vi que na cozinha estavam o inseparável Florian Ruhlmann, braço-direito de Neuner há muito tempo, e também Rui Sequeira, um jovem português que, depois de se ter destacado num concurso televisivo cujo nome já não recordo, não se perdeu por aí, assentou praça no Ocean, onde está há seis anos. Na equipa, outros jovens portugueses, que certamente estarão a aprender bastante.

 

Admito que este reencontro com a cozinha de Hans Neuner me surpreendeu.  Estava à espera de algo mais ou menos semelhante às experiências anteriores, talvez com uma busca de aproximação a “sabores portugueses” ou de actualização de tendências (escandinava, vietnamita, coreana ou algo no género). Mas, para minha felicidade, fui encontrar um estilo próprio poderoso e ambicioso, um Neuner sempre entusiasmado mas mais maduro, a trabalhar com uma precisão quase mágica. Foi o final feliz de uma história de mal-entendidos. Uma grande cozinha que ainda tem muito para nos dar.

 

Uma cozinha bem arrumada 

 

 

Fotografias e vídeo: Cristina Gomes

 

Ocean

Vila Vita Parc

Rua Anneliese Pohl, Alporchinhos, Porches 

Tel: 282 310 100

Email: reservas@vilavitaparc.com

Menu seis pratos: 175 euros

Menu de vinhos: 95 euros

 

 

Tomo regressa ao Japão e deixa Paulo Morais no seu lugar

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A partir de hoje, Paulo Morais é oficialmente o chefe do Kanazawa, substituindo Tomoaki Kanazawa, conhecido por Tomo, que fundou este pequeno restaurante japonês de cozinha kaiseki em Algés, com apenas oito lugares ao balcão, há pouco mais de ano e meio, como aqui o Miguel Pires deu notícia. Foi tudo muito repentino. “Ele veio falar comigo e perguntou-me se eu queria ficar como chefe e responsável do restaurante. Explicou-me que tinha que voltar imediatamente ao Japão por motivos pessoais”. É assim que Paulo Morais conta ao Mesa Marcada a surpreendente mudança, que o levou a abandonar a anterior chefia do restaurante Rabo d’Pêxe, em Lisboa, onde estava também há cerca de ano e meio.

 

Quem nos avisou da situação foi o nosso amigo e leitor Artur Hermenegildo, um dos muitos admiradores do chefe japonês, cujo trabalho foi extraordinariamente marcante para a divulgação não só na cozinha do seu país entre nós, mas também na relação com os produtores e com o respeito pela sazonalidade. Dois aspectos que, aliás, continuarão a ser realçados por Paulo Morais. “Fora uma pequena intervenção na decoração, não vou mudar nada no conceito. Mantêm-se os oito lugares ao balcão, só ao jantar, com quatro menus, um de 150 euros, com bebidas incluídas, e três sem bebidas incluídas, de 100, 90 e 60 euros”.

 

O chefe português, com 46 anos de idade e 28 de carreira – iniciada no Furusato no Tamariz, Estoril, e logo depois na Quinta da Penha Longa, Sintra – explica a razão porque aceitou a proposta de Tomo, que se mantém como sócio do restaurante de Algés e promete vir de vez em quando a Portugal para ocasiões especiais. “Quando estava na Penha Longa, fui ao Japão e fiquei muito interessado na cozinha kaiseki. Fiz, aliás, umas tentativas, que hoje vejo que eram bastante rústicas. Há uns tempos, eu e outros chefes fizemos uma formação com o Tomo e agora, quando ele veio falar comigo, achei que o kaiseki era a oportunidade de regressar às minhas origens na cozinha”.

 

Paulo Morais explica que, apesar do conceito se manter, os pratos terão obviamente diferenças, terão identidade própria. “O Tomo não me disse que queria manter os mesmos pratos, embora se tenha prontificado a ajudar-me à distância, via Internet, no caso de eu ter alguma dificuldade”. Mas o trabalho com os produtos da estação, o respeito pela sazonalidade, irá manter-se. Assim como a relação com os produtores locais, exemplificado pelos casos dos legumes biógicos da Quinta do Poial, em Azeitão, ou do alentejano Lugar do Olhar Feliz, não apenas nos seus célebres citrinos, mas também noutros produtos da terra, desenvolvidos em conjunto pelo casal que detém a propriedade, Anne e Jean Paul Brigand, com chefes como Tomoaki Kanazawa, que forneceu inclusive várias sementes, e o próprio Paulo Morais.

 

“Tem sido muito interessante trabalhar com o Olhar Feliz, ver aquilo que a terra pode dar e quando pode dar. Além dos citrinos, temos, por exemplo, milho branco japonês e umas pequenas beringelas japonesas, tão macias que se comem cruas, quiabos, abóbora, meloa...”. E Paulo Morais considera que, ao realçar os produtos locais, o conceito kaiseki sai até dos ingredientes típicos do Japão. É o caso do nigiri de camarão da costa, criado por Tomo, que é pincelado com azeite, leva flor de sal em vez de soja e yuzu do Lugar do Olhar Feliz.

 

Vamos ver agora como as coisas vão correr. Paulo Morais, que tem mais três pessoas na equipe, promete que já em Setembro terá um novo menu da sua autoria. Quanto ao grande Tomo, parece que tem intenção de abrir um pequeno hotel, de apenas 10 quartos, numa região do sul do Japão, com um restaurante de cozinha, espantem-se, francesa...

 

Fotografia: Cristina Gomes

 

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Menu de Interrogação - 10 Perguntas a José Nobre

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É praticamente impossível ir a'O Nobre e não encontrar alguma figura pública sentada à mesa. Sejam do mundo da política ou dos negócios, das artes ou do desporto, há sempre alguém rendido à cozinha de Justa Nobre - e das suas irmãs Guida e Ana - e sempre atendido pelo sorriso aberto do marido José Nobre, que em muitos casos, nem precisa de entregar a lista de pratos aos seus clientes, bastam duas ou três recomendações verbais e já está. O casal Justa e José Nobre teve altos e baixos, boas e más apostas, chegou a comandar oito restaurantes ao mesmo tempo e passou por uma situação em que nem sequer podia usar o seu nome nos estabelecimentos que geria. Mas, ao fim destas peripécias todas e de mais de 40 anos de casamento, o seu profissionalismo e personalidade, na cozinha mas também na sala, fez com que os seus clientes nunca os abandonassem, contribuindo para o êxito actual d'O Nobre, no Campo Pequeno, e dando ânimo para novas aventuras, como o À Justa, cuja abertura está para dias.

 

José Nobre vai manter-se na sala do restaurante que leva o seu nome de família, sempre atento aos mínimos pormenores, sem nunca mostar cansaço ou fastio por uma profissão que conheceu aos 13 anos, quando foi trabalhar para a Pensão Restaurante Brandão, casa então vizinha do célebre Fialho, em Évora. Nascido em Abrantes há 64 anos, teve um início de vida de trabalho dividido entre a restauração e o trabalho de escritório. Curiosamente, seria precisamente o empresário em cujo escritório trabalhava que, ao decidir abrir um restaurante (o 33, na R. Alexandre Herculano, em Lisboa), veria nele e em Justa Nobre, já casados, o potencial para sala e cozinha. Não se enganou e desde então a vida do casal tem sido esta, criando alguns dos restaurantes mais marcantes de Lisboa das últimas décadas, com destaque para o célebre O Nobre, na Ajuda, frequentado por tudo quanto era tudo no Portugal dos anos 80 e 90. É desta personalidade com um experiência extraordinária que procurámos recolher algumas respostas, em mais um Menu de Interrogação que tem o patrocínio da cerveja Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.

 

É capaz de interromper uma conversa entre os clientes para lhes explicar o prato que vai ser servido?

Sim, se sentir que a conversa é de somenos  importância, interrompo educadamente. Mas não explico o prato, porque isso já foi explicado por mim ao cliente no momento do aconselhamento da refeição, no seu início. Ou seja, quando tenho as cartas e antes de as entregar, recomendo aos clientes o que devem comer e só digo “bom apetite” para a refeição escolhida e recomendada por mim.          

 

Costuma desejar “boa continuação” aos clientes que está a atender ou prefere outras expressões?

 Não, porque eu aprendi e penso que está correto que só se deve desejar bom apetite aos clientes no início da refeição, quando servimos as entradas. Ou, no caso do Nobre, a Sopa de Santola. que sai para 95% dos clientes como entrada. Depois, só intervenho para perguntar se os pratos recomendados estão ao gosto e se o serviço acompanha a refeição como mandam as regras.

 

A simpatia no atendimento pode salvar um mau serviço?

Sim sem margem para dúvidas

 

Já se recusou a servir algum cliente por este não ter um comportamento correcto?

Não, felizmente e graças a Deus. Já temos muitos anos desta vida e em todos os restaurantes que tivemos nunca foi preciso tomar esta atitude. Mesmo quando era chefe de mesa não me lembro de nenhum caso destes. Não quero dizer com isto que não se tenham atendido alguns clientes mais difíceis do que outros. Mas, por experiência e maneira de ser, temos que perceber como é o cliente  e tentar ir ao encontro daquilo que ele deseja, mantendo uma empatia total. Sou do tempo em que o cliente tem sempre razão e não me tenho dado mal com esta maneira de ser.  O cliente vem ao restaurante por várias razões. Ou porque se come bem ou pelo serviço ou pela localização ou porque está na moda ou porque é um clássico e nós só temos que prestar um serviço que vá ao encontro dos seus desejos.

 

Quais as razões de haver muitos jovens portugueses que querem ser cozinheiros, mas poucos a escolher o serviço de sala?

Penso que a maior parte dos jovens que querem ser cozinheiros querem é ser  logo chefes. Mas para isso é preciso muito espírito de sacrifício e percorrer um longo caminho de aprendizagem tanto na escola bem como depois na cozinha de um hotel ou restaurante. Eu comparo muito a cozinha ou restauração com o futebol. Em 100 miúdos que começam nas camadas jovens só dois ou três é que chegam aos seniores. A maior parte dos jovens que querem vir para o cozinha pensam que vão logo para a televisão querem aparecem nas revistas e jornais. Mas, como sabemos, para lá se chegar há um caminho muito árduo e longo a percorrer.

 

Na sala, há menos procura porque não é tão mediática. Os media não dão a Importância que a actividade merece, porque ser um bom chefe de mesa tem que se lhe diga. Mas, por aquilo que eu vejo, já não há a mesma vontade de agradar ao cliente como antigamente, não há o protagonismo da cozinha e a possibilidade de aparecer e ser visto é muito mais difícil. Não quero dizer com isto que não hajam ainda bons chefes de mesas bem como empregados bem simpáticos, mas, com tamanha quantidade de restaurantes, são muito poucos.

 

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Há quem goste de chegar a um restaurante, dispense de ver a carta e se deixe ir na recomendação do chefe de sala. Que trabalho é preciso fazer com o cliente para ganhar a sua confiança? 

Não sei, acho que isso nasce com a pessoa. Eu, desde que me conheço, nunca tive dificuldade em recomendar uma refeição a um cliente sem mostrar a carta, ainda hoje o faço e agora mais que nunca. Muitas vezes só passeio as cartas debaixo dos braços, porque a grande maioria dos clientes confiam e me perguntam - “então Nobre, o que é que a Justa preparou para hoje?”. Depois eu informo os pratos que a Justa aconselha e geralmente a grande parte dos clientes aceita o meu conselho e não nos temos dado nada mal com esta maneira de trabalhar, visto que o resultado final é do agrado das pessoas que nos visitam e recomendam aos amigos.

 

Em Portugal, deve haver poucos restaurantes de nível com um cariz tão familiar como o Nobre, onde trabalham marido, mulher, irmãs e cunhado, todos da mesma geração. Quando este núcleo resolver parar para um merecido descanso, haverá outra geração para dar seguimento ao trabalho, ou vê a hipótese, por exemplo, de um cargo principal poder ser ocupado por alguém de fora da família? 

Não sei tudo depende do que o nosso filho Filipe quiser e vier a fazer. Agora, ele irá tomar conta do novo restaurante À Justa, na Calçada da Ajuda nº 107, a partir de Setembro. Aliás, o chefe e o subchefe da Ajuda, com o comando da Justa, já trabalham connosco há cerca de cinco meses no Nobre do Campo Pequeno e pelo que temos observado têm mão para a cozinha. Vamos a ver o que o futuro dirá e o mesmo só a Deus pertence. De qualquer das maneiras, só daqui por 15 anos é que o Nobre e a Justa pensam em arrumar os tachos e as bandejas... Riam, mas é verdade.

 

Qual o disparate mais comum no atendimento que observa quando vai a outro restaurante? 

 Já vi de tudo, desde os empregados gritarem com os clientes, os empregados não ligarem nenhuma quando os clientes chamam e continuarem na conversa. Também já assisti, muitas vezes com o restaurante cheio, chegarem pessoas para comer e o empregado dizer que mesas só daqui para uma hora ou mais. Logo de seguida, há uma ou duas mesas que estão a pedir a conta. Isto acontece onde o empregado pensa que, mesmo sem clientes, o ordenado chega sempre a tempo e horas. Não há a visão de que o cliente é que traz o ordenado. Felizmente, também de há uns tempos para cá há uma maior consciência dos empregados a atender clientes o melhor possível e mesmo fora de horas.

 

Perguntar-lhe qual o prato da Justa de que mais gosta era fácil de mais. Por isso, vamos ser mauzinhos e perguntar-lhe: qual o prato da Justa que menos aprecia? (responder "gosto de todos" não é válido :) 

De facto, é uma pergunta difícil de responder, visto que a Justa tem uma panóplia de pratos de comer e chorar por mais. Mas há sempre um ou outro que eu não aprecio. Talvez possa enumerar um, que por acaso até sai bem e as pessoas gostam: Tamboril com Mel e Uvas.

 

E a pergunta habitual deste questionário: : qual seria a sua última refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?  

Como o mundo não vai acabar amanhã ou pelo menos para já, pode é mudar este sistema como o vemos, posso comer um belo Bife com Batatas Fritas, que sabe sempre muito bem.

 

Fotografias: Miguel Pires

 

 

Patrocínio:

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Critica Gastronómica - Aqui Há Peixe (Lisboa): molhar os pés no Chiado

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A pergunta é frequente: “Onde se come um bom peixe grelhado, em Lisboa?”. A resposta é sempre um tanto embaraçosa porque nunca sei muito bem o que responder. Para mim, peixe grelhado é coisa de se comer à beira-mar (na Praia da Adraga, ou no Meco, por exemplo) e, por isso, é raro optar por tipo de preparação na capital.
 
Vem isto a propósito do convite de uns amigos para jantar no Aqui Há Peixe, próximo do Largo do Chiado, restaurante de que não ouvia falar há bastante tempo. Era uma sexta-feira à noite, final de um dia quente de Abril. O percurso entre o Príncipe Real e o Largo do Carmo fazia-se a custo, devido aos alfacinhas que festejavam na rua a antecipação do Verão, a que se juntavam os turistas que não param de afluir à cidade. Ainda não eram 20 horas e o restaurante já se encontrava cheio. Os tons de pele clara corada pelo sol e o som de idiomas centro-europeus, misturados com português tropical, levaram-me de imediato a constatar que seria o único português ali, naquela noite. Torci o nariz e procurei baixar as  expectativas. Teria-se transformado numa armadilha para turistas este “chiringuito de cidade”, “despretensioso e bem disposto”, como um dia o saudoso David Lopes Ramos o caracterizou? 
Na sala, o som de agrado que se faz sentir quando as pessoas estão a passar um bom momento parecia contradizer o mau presságio...
 
Miguel Reino (irmão de Bernardo Reino do famoso GiGi, no Algarve) formou-se como cozinheiro no Brasil nos anos de 1980 e por lá estagiou e abriu o seu primeiro restaurante. Ainda nessa década regressou a terras lusas onde foi dono de vários restaurantes, entre eles o Picanha, que fez sucesso, em Lisboa. Porém, o Aqui Há Peixe viria a ser o seu projecto mais bem sucedido e duradouro. Primeiro, durante 12 anos, na Comporta (ou mais precisamente na Praia do Pego) e desde 2010, em Lisboa, junto ao Largo do Carmo. 
 
O percurso do chefe anfitrião reflecte-se naturalmente no conceito do restaurante. Das influências brasileiras, aos petiscos e pratos de restaurante de praia, com destaque para os peixes grelhados, há de tudo um pouco. Nada muito original, mas quase sempre com um toque pessoal, aqui e ali, a dar-lhe uma certa personalidade.
 
De entrada provou-se três pratos de cariz petisqueiro. Fantásticas, as amêijoas à Bulhão Pato (talvez as melhores que comi este ano) com os bivalves a exibirem  um óptimo porte e qualidade superior, ainda para mais cozinhados no ponto e de acordo com a receita. O segundo petisco foi um pratinho de anchovas, algo raro, por cá, num restaurante.  Confesso que ao ler “da Cantábria” sonhei com as artesanais de Santoña, gordas e de sabor sem fim. Mas quem me manda a mim vislumbrar além do enunciado? Pronto, eram anchovas decentes (por 7€, não poderia esperar mais) em cima de uma rodela de tomate fora de época, logo, sem grande sabor. Dígamos que deu para enganar o desejo. Já as lulinhas com alho e coentros precisavam de maior competência - porventura menos pressa - na cozinha. Pareciam mais cozidas do que salteadas e isso prejudicou o sabor e a textura. Mas afinal estávamos ali pelo peixe grelhado (lembram-se?). Escolhemos um robalo e um pregado, ambos para duas pessoas (mas que deu bem para 5). E o que dizer? Muito bons, qualquer um deles. Carne suculenta e saborosa, a revelar o bom domínio da grelha e a qualidade do produto. Os mais puristas dizem que é um crime escalar um peixe de 1 kg (aprox) como era o caso do robalo, mas a verdade é que a mestria que faltou na confecção das lulas foi injectada em sobra em quem cuida da grelha. Clap, clap, clap! De acompanhamento: legumes ao vapor (feijão verde e cenoura) e batata assada. Tudo para salpicar com umas gotas de bom azeite e vinagre ou molho de manteiga, limão e alho. 
 

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Amêijoas à Bulhão Pato (com as lulas ao fundo)

 

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 Robalo grelhado escalado (sem ser assassinado)
 
 
A experiência com o peixe foi tão positiva que, passadas umas semanas, voltámos ao para a molharmos os pés outra vez. Agora, num dia de semana, com menos afluência, mas com mais clientes lusos. Além reincidirmos no robalo (antes que chegue o Verão e a sua gordura natural se perca), repetimos também as amêijoas. E os elogios. Nota máxima para a cozinha e para quem escolhe o produto. Experimentámos ainda as gambas al ajillo, correctas, mas sem ficarem na memória, e um arroz negro de choco, como se faz na região de Valencia. Embora pouco puxado nos sabores, o arroz estava agradável e a maionese de açafrão que acompanhava dava  twist  necessário ao prato. 
 
No campo doceiro, das “sobremesas da Mafalda”, a esposa de Miguel Reino, sobressaiu a encharcada de ovos,  molhada, saborosa e obviamente doce, mas sem exageros.  Interessante, ainda (e menos usual), os figos em calda com hortelã com gelado de baunilha, enquanto o bolo de chocolate com chantilly era agradável mas há melhor por aí. 
 
Em termos de vinhos, a carta do Aqui Há Peixe, com as suas cerca de sessenta referências (com larga tendência para o Douro e Alentejo) enquadra-se no espírito descontraído do restaurante, mas falta-lhe, incompreensivelmente, a mais básica das informações: os anos de colheita. A acompanhar a refeição bebeu-se um Soalheiro 2016, que vai sempre muito bem com peixes e mariscos, e um Quinta de Saes Reserva 2011, com elegância e complexidade quanto baste para se bater a preceito com o arroz negro, por exemplo. 
 
Por último, o serviço. A um sábado, com lotação esgotada (65 lugares) e muitos estrangeiros para tirar dúvidas a probabilidade do atendimento descambar parecia-me certa. Mas não. Em geral, houve eficiência e simpatia, quer nesse dia, quer na segunda visita, em ambiente mais calmo. 
 
Para terminar peço emprestada de novo uma afirmação de David Lopes Ramos (que desapareceu fez 6 anos no dia 29 de Abril), quando escreveu no Público sobre o restaurante: “ (O Aqui Há Peixe) tem tudo o necessário para uma refeição bem disposta e despretensiosa. Não lhe peçam mais”. Desculpa, querido David, mas peço sim: era mais um peixe grelhado para a mesa do canto, por favor!
 
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 figos em calda com hortelã

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encharcada de ovos

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O chefe da casa, Miguel Reino 
 
 
Preço médio: 35/40€ (por pessoa, com vinho). 
 
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R. Trindade 18A, Lisboa | Tel: 21 343 2154 | Horário: 12:00–16:00, 19:00–23:00 (encerra à segunda todo o dia e sábados e domingos ao almoço). 
 
 
Classificação:
 
Cozinha: 16.5 ; Sala:16.5; Vinhos:14
 
 
Texto publicado originalmente na Revista de Vinhos Nº330 (Maio 2017) | Fotos: retiradas do site do restaurante, excepto a das ameijoas, de Miguel Pires
 
 

À Justa abre ao público daqui a uma semana

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Ainda recentemente falámos deles aqui, mas agora é tempo de anunciar que dentro exactamente uma semana abrirá ao público o muito aguardado À Justa, a nova aventura da experiente chefe Justa Nobre. Neste restaurante em plena Calçada da Ajuda, em Lisboa, de que já aqui demos notícia, ela irá apresentar alguns dos clássicos que lhe trouxeram fama ao longo de uma carreira com mais de 40 anos, mas também novidades que se irão renovando sazonalmente. “É sempre cozinha portuguesa, vou ter a sopa de santola, o robalo à Justa, a perna de cabrito, mas também outros pratos, alguns feitos pelos miúdos que vão estar cá permanentemente”, disse a chefe ao Mesa Marcada.

 

Os “miúdos” referidos são Gonçalo Moreno, o chefe, e André Santos, o subchefe, que nos últimos cinco meses estiveram n’O Nobre, no Campo Pequeno, tendo já trabalhado em vários restaurantes em Portugal e no estrangeiro. “Têm boa mão para a cozinha, para o tempero, acho que vão fazer coisas giras”, garante Justa, que nestes primeiros tempos, como é natural, vai estar mais pelo novo restaurante. Na sala, um nome importante, o escanção Sérgio Antunes, que depois de já ter trabalhado em restaurantes de Vítor Sobral e, mais recentemente, no Loco, de Alexandre Silva, volta ao activo.

 

Como o restaurante do Campo Pequeno continuará a funcionar normalmente, não haverá o perigo de um tirar clientes ao outro? Justa Nobre acha que não. “Sempre gostei muito da Ajuda, desde os tempos que tínhamos aqui o restaurante, e conheço muito bem esta zona. Acho que vamos ter muitos clientes daqui e do Restelo, por exemplo. Vai dar para os dois”, assegura, “até porque aqui só temos 34 lugares, é pequeno”.

 

O À Justa fica aberto durante a semana para almoços e jantares, fechando sábado ao almoço e domingo todo o dia. “Para mim, é um sonho voltar à Ajuda, que é um bairro que me está no coração. Estava de olho neste lugar há dez anos e parece-me que o restaurante vai ficar muito bonito. Vamos experimentar vários pratos e depois faremos uma selecção daqueles que agradem mais aos clientes. Mas a ideia é ir mudando a carta de acordo com a estação do ano, criando novos pratos. Mas vai continuar a ser à minha maneira, à Justa...”, sublinha a chefe transmontana.

 

Fotografia: Sapo Lifestyle


Sangue na Guelra leva embaixada portuguesa a Dusseldorf

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 Muito se tem falado ultimamente na internacionalização da cozinhar portuguesa e este é mais um passo neste sentido. Depois de vários anos a realizar e eventos em Portugal, a Amuse Bouche de Ana Músico e Paulo Barata foram convidados para levar o seu Sangue Na Guelra a Dusseldorf, na Alemanha, numa curadoria que conduzirá a esta cidade doze chefe e dois produtores portugueses.  
 
Tudo isto terá lugar entre 13 de Setembro e 2 de Outubro, no festival gastronómico internacional Metro Unboxed, que contará com a participação de 25 paises.

"Ao longo de três semanas, contamos com chefs e produtores portugueses de referência para mostrar aos visitantes que Portugal tem uma cozinha única, fundada no respeito pelas suas raízes gastronómicas, que valoriza os produtos locais e que se apoia na mestria de uma nova geração de cozinheiros talentosos para conquistar a cena gastronómica mundial", informa a Amuse Bouche em comunicado enviado à imprensa. 
 
Os curadores adiantam ainda que o programa "consiste em pequenos showcookings e palestras, apresentação e provas de diversos produtos nacionais. Ao longo dos 20 dias de festival, cozinheiros e produtores irão suceder-se e apresentar pratos simples, técnicas, curiosidades da nossa gastronomia, e conversar com o público". 
 
A este evento, organizado pelo grupo Metro (a que pertence a Makro, patrocinador habitual do Sangue na Guelra), a Amuse Bouche leva uma série de chefes com quem trabalha e outros que têm participado nos seus eventos. São eles: João Oliveira (Vista Restaurante), Vasco Coelho Santos (Euskalduna Studio), Vítor Adão (Bistro 100 Maneiras), Carlos Fernandes (Loco, 1* Michelin), Luís Gaspar (Sala de Corte), Hugo Brito (Boi Cavalo), Rodrigo Castelo (Taberna ó Balcão), Pedro Pena Bastos (Esporão), Hugo Nascimento (Peixaria da Esquina), Maurício Vale (Soi), Daniel Rente (Avenida Sushi Café) e Tiago Bonito (Largo do Paço, 1* Michelin). Estes nomes juntam-se ainda os produtores Jorge Raiado (Sal Marim) e Avelino Ormonde (Biofontinhas).
 

A carta de um cozinheiro à comunidade que está a dar que falar

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Ben Shewry é um prestigiado chef de origem neozelandesa que está na crista da onda. Aos 40 anos é respeitado entre os seus pares e clientes, teve direito a um episódio dedicado a si logo na primeira série de Chef’s Table (Netflix) e o seu restaurante Attica, em Melbourne, Austrália, figura entre os melhores do mundo (nº 32 do World 50 Best).

 

Porém, o que leva então Shewry a publicar na sua conta do Instagram uma foto sua, com 23 anos, visivelmente exausto, com uma mensagem bem diferente da imagem "glamourosa" de rock star que muitos associam à vida de um chef?

 

Vão-me dizer que o desgaste que Ben fala também existe em outras profissões e é verdade, mas este parece-me um bom texto de reflexão numa altura em que muitos alunos continuam a entrar nas escolas de hotelaria iludidos pela fama fácil que vêm na televisão e em que os restaurantes se debatem com uma enorme falta de profissionais de cozinha e de sala. Cada um que tire as conclusões que quiser.

 

Aqui vai então o post de Ben Shewry numa tradução livre (feita por mim):  

 

 

Ano 2001, 23 anos, exausto. De vez em quando, oiço pessoas bem intencionadas dizerem : "o seu sucesso deve-o fazer sentir incrível", ou a frase gasta, "você deve-se sentir um sortudo". E estou grato com certeza, mas este ano tenho reflectido sobre alguns factos do meu "sucesso". Tenho 40 anos e uma média de 75 horas por semana nas cozinhas, desde a idade de 14 anos. Já trabalhei aproximadamente a mesma quantidade de horas do que uma pessoa com uma média de 40 horas por semana, ao longo de sua carreira até a idade da reforma. Por isso não, eu não me sinto "incrível". Eu sinto que tenho 65 anos!

 

Temos construído o restaurante com base em valores de questionar tudo, TUDO. Este ano, sinto que damos um grande passo em frente no desenvolvimento da nossa cultura, colocando os jovens homens e mulheres que trabalham nas nossas cozinhas em turnos semanais de 48 horas. 4 dias de trabalho, 3 dias de folga.

 

Será correcta a moda antiga de trabalhar que nem um louco e não ter vida própria fora da cozinha? Na minha opinião, não. Lamento trabalhar as horas que tenho? Não, contudo, não havia outra opção na altura.

 

Alterar a estrutura de turnos para a adequar o facto de os cozinheiros serem humanos, não máquinas, e poderem ter, de facto, vidas, tem sido catártico, não apenas para a equipa mas também para o negócio.

 

Conseguimos retirar 48 horas de grande qualidade de cada um deles e todos os nossos cozinheiros podem trabalhar nas várias secções em qualquer momento, tornando-se, com este processo, altamente qualificados.

 

Pode parecer estranho dizer isto, mas muitos cozinheiros não aprendem a cozinhar adequadamente em restaurantes de fine dining. Ficas preso numa secção, ficas a escolher uma tonelada de ervas e a empratar uma toneladas de pratos com muito bom aspecto, mas muitas vezes não tens um conhecimento profundo para cozinhar como deve ser.

 

É muito importante para mim que os nossos cozinheiros saem daqui com capacidade para cozinhar correctamente. E, enquanto trabalham na Attica, também é importante para todos os nossos funcionários que tenham uma vida própria para estarem com os seus parceiros, amigos e familiares.

 

Publicada há onze horas atrás, este post de Ben Shewry (que tem 85.3 mil seguidores) recebeu cerca de 6 mil "gostos" e mais de 500 comentários, o corresponde a cinco, seis vezes mais do que o habitual.

 

Foto de entrada: Broadsheet.au 

 

Menu de Interrogação - 10 Perguntas a Vítor Claro

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“Isto é o mais próximo do que me irão ver cozinhar no futuro”, dizia-nos há menos do mês Vítor Claro durante um intervalo na vindima da parcela onde faz um dos seus vinhos, próximo da Arruda (região de Lisboa). Foi na pausa do almoço do pessoal, para quem tinha preparado um gaspacho (trazido num garrafão de água), umas bochechas estufadas ( para fazer sanduiches com pickles caseiros) e umas fatias de vitello tonnato. Se houvesse um concurso de almoços de vindima improvisados, este ganharia, ou não fosse o vinhateiro reconvertido, que passara a manhã sentado no trator (na foto de cima) a transportar caixas de uvas, um antigo chefe de culto, ainda hoje muito estimado entre os seus antigos colegas e clientes.

 

Começou-se a falar de Vítor Claro quando ele tinha 21 anos e se instalou em Lisboa com o Pica no Chão, um restaurante de menu único que rapidamente conquistou gastrónomos e a crítica da altura, a ponto de ainda hoje se ouvir falar desse período. Antes desta aventura, tinha passado enquanto cozinheiro pelas cozinhas do Can Fabes, de Santi Santamaria, Fortaleza do Guincho, London Savoy Hotel e Vila Joya. Depois do minúsculo espaço do Príncipe Real, já como chefe, abraçou outras aventuras, como o Xtoril, Degusto, Restaurante da Malhadinha, Hotel Albatroz e o Claro!, em Paço de Arcos, o seu projecto mais duradouro, que o ajudou a vingar como chefe de culto – chegou a entrar no Top 10 do Mesa Marcada, tendo inclusive ganho o prémio Destaque de 2013.

 

Vítor Claro começara a interessar-se pelo mundo dos vinhos por influência do seu amigo Dirk Niepoort, ainda antes do período de Paço de Arcos. De facto, foi o conhecido produtor do Douro (e hoje também da Bairrada e Dão) que lhe apresentou um estilo de vinhos finos e leves - bem diferentes da tendência vigente - pelos quais se apaixonou. Daí a tornar-se produtor em part-time foi um passo. Durante alguns anos conjugou essa paixão com a de chefe proprietário de restaurante. Porém, a entrada no mundo vinhateiro de nicho, para onde já tinha “arrastado” a sua mulher Rita (desviada da arquitectura), começava a correr bem e exigiam cada vez mais atenção, pelo que não demorou muito a fechar o restaurante, surpreendendo o meio gastronómico, dado que uns meses antes tinha feito uma remodelação e parecia querer ganhar novo fôlego na cozinha. Tal não aconteceu. Contudo, se é verdade que se perdeu um chefe de cozinha talentoso, é igualmente justo dizer-se que se ganhou um “chefe de vinhos” habilidoso e que também aqui já consegue fazer a diferença.

 

É pouco provável que venhamos a ver Vítor Claro à frente de uma cozinha nos tempos mais próximos. Porém, para quem é fã, não precisa de ir a correr pedir para vindimar com ele - embora alguns tenham-no feito (e ele aceite). Aqui e ali, num pop up ou numa apresentação dos seus vinhos, é certo que ele voltará meter a mão na massa. É só uma questão de se ficar atento.

 

É Vítor Claro, portanto, que senta hoje à Mesa para responder ao Menu de Interrogação, a nossa rúbrica quinzenal que conta com o apoio da Estrella Damm no âmbito do apoio da marca à gastronomia.

 

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Vítor Claro com o Sr. Celestino, em Portalegre, com as uvas que irão dar origem ao Dominó Foxtrot 2017

 

Conhecemos alguns chefes que fizeram o curso de escanção e outros que assinam vinhos em colaboração com enólogos e produtores. No entanto, nenhum foi tão longe e de forma tão radical como o Vítor Claro que largou a vida de cozinheiro para se tornar um vigneron, um pequeno produtor que mete a mão na massa em tudo (cuida da vinha, vindima, vinifica e comercializa). Como é que se dá essa transformação?

Foi muito gradual. Temos de ver que houve seis anos de "convivência". Lancei a primeira colheita de Dominó (2010) no ano e mês em que abri o Claro, em Janeiro de 2012. Houve um crescimento acelerado em duas partes e depois uma começou a abrandar e outra a querer crescer e eu sem tempo para as duas. Demos uma força imensa para relançar o restaurante em 2016 e ao mesmo tempo produzimos já 10 mil garrafas. No final do ano, em jeito de balanço, foi mais ou menos óbvio (e muito doloroso) o caminho a seguir.

  

Escolheu fazer um estilo de vinhos de intervenção mínima numa filosofia muito próxima dos chamados vinhos naturais. Encontra paralelismo com a cozinha que fazia?

Claro. Aliás, foi quando comecei a conhecer estes vinhos e a entender essa filosofia que comecei a "limpar" a cozinha que fazia.

 

Sabemos que não tem a mínima vontade de voltar à anterior actividade, ainda que continue a ser contratado para fazer jantares privados e pop ups (em que cozinha e apresenta os seus vinhos). Pode-se tirar um cozinheiro da cozinha mas não se tira a cozinha que há num cozinheiro?

Sim. É justo ver assim. Não tem tanto (só) a ver com vontade mas com disponibilidade. Este ano estamos por cima das 20 mil garrafas e é também justo perceber que não é fácil venderem-se sozinhas. Exige tempo. É um full-time. Nos últimos meses de Claro, falava muito com a Rita sobre voltar a abrir um espaço "picaniano". Três ou quatro mesas, só almoços ou só jantares. Principalmente sem staff. Neste momento, a produção de vinhos é composta por nós dois - eu e a Rita. Não nasci provavelmente para gerir equipas. É preciso ter alguma sorte nessa parte também e com a experiência ganha nos últimos anos - vulgo calo - pode dizer-se que ficámos com um belo traumatismo. Não é razoável ter mais problemas com staff do que com clientes.

 

Está a saber muito bem trabalhar sozinhos (não me acontecia desde a Rua do Século). Temos trabalhadores à jornada que nos ajudam sempre que é preciso, mas é um ponto assente que não pretendemos que o negócio cresça ao ponto de termos uma estrutura de pessoal fixa.

 

Qual considera o ponto mais alto da sua carreira de cozinheiro?

O prémio Chefe em Destaque no ano 2013, pelo blog Mesa Marcada, que é assim mais ou menos.

 

Quando cozinha, tem coragem de usar um bom vinho feito por si?

 Sim. Algumas vezes até ponho na comida. Piadas à parte, sim. Claro.

 

O mundo dos vinhos “intelectualizou-se” um bocado, incluindo na linguagem utilizada. Faz falta a atitude (geralmente) mais prática dos cozinheiros?

Uma das coisas que mais me foi “des-seduzindo” na cozinha foi a extrema e desordenada intelectualização. Encontrei uma atitude muito prática na ligação à terra enquanto produtor de vinho que me é muito confortável. Curiosamente, vemos esta questão de modos diferentes. Opostos até. Lembro-me de uma entrevista feita à Maria de Lurdes Modesto há uns anos. Dizia que os cozinheiros deviam ler mais. Intelectualizarem-se. Meses depois (um ou dois anos, talvez) noutra entrevista, referia isso enquanto enquadrava um prato de um chefe-mais-ou-menos-na-moda, com um enunciado de duas linhas de texto. Leiam menos, disse então. “Des-intectualizem” a coisa. Não compliquem. Há um mundo de complicação evidente na cozinha. Como os relógios mas sem tanto valor. Nos vinhos também, mas é menos evidente. No meu caso, particularmente, sinto que consegui uma ligação à matéria-prima que nunca consegui na cozinha. Erro meu, tão só, evidentemente.

 

É mais fácil servir gato por lebre ou vinho de “terroir” europeu proveniente do Norte de África?

Mais fácil do que servir do que vinho europeu a querer ser novo-mundo? Não sei. Nada devia ser mais fácil do que servir o que é, como é.

 

Na sua opinião, o que seria no sector do vinho o equivalente a ganhar uma estrela Michelin?

Stocks esgotados antes de lançar a nova colheita? Estar representado em dois ou três sítios que são a Meca dos vinhos genuínos? Não estavam à espera que  dissesse que são >95 pontos Parker, pois não?

(Nota do editor: no mundo dos vinhos naturais o sistema de pontuações não é muito valorizado e muito menos ainda o mundo dos Robert Parkers e afins).

 

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 O jogo de Dominó, de origens várias, de Vítor Claro

 

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 Não, este prato ainda não faz parte da merenda de almoço ds vindimadores, mas sim da época em que o Claro fazia comida no Claro!

 

 

Acompanha o que se vai passando na nossa restauração ou está mais preocupado se o mosto fermenta ou não?

Acompanho, assim à distância. Em Junho, organizei um almoço no Feitoria e fui dividir (ligeiramente) a cozinha com o João Rodrigues. Nunca trabalhámos juntos (já lá tinha feito um prato num jantar, uma vez, para um evento, mas foi só) mas tinha um grande ideia do seu trajecto. Fiquei abismado. O João está num grande nível e foi um prazer imenso aquele dia tão bem passado. Não tenho tido é tempo (nem tempo) para jantar fora e ir conhecer todos os sítios que gostaria. Vou lendo o Mesa Marcada.

 

E pergunta da praxe: qual seria a sua ultima refeição se soubesse que o mundo acabaria amanhã?

Uma sardinhada em casa dos meus pais com a família toda à volta. Tudo regado com um Poulsard do Jura.

 

Fotografias: Miguel Pires

 

 

 

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Crónica - quando um jornal de prestígio escreve sobre sardinhas e Portugal fica de fora

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Já é quase fastidioso enumerar a quantidade de artigos que semanalmente saem na imprensa mundial a gabar as maravilhas lusas, tipo “o beco mais trendy do mundo é português” até à possibilidade, segundo um artigo da BBC, da cozinha portuguesa ser a mais influente do mundo.

 

A maior parte dos leitores identifica-se com estes artigos, a ver pela quantidade de “gostos” e partilhas nas redes sociais, e as publicações online também, obviamente, sobretudo, numa altura em que as receitas das edições em papel estão com o rating próximo de “lixo” e os clicks valem ouro (ou bronze vá lá). Até há quem compile e divulgue essas notícias, com um certo tom irónico, como faz Pedro Boucherie Mendes, numa espécie de rubrica intitulada “Amor que nós temos ao amor que têm por nós”.

 

E tudo isto vem a propósito de quê? de algum artigo elogioso recente que tenha escapado aos nossos media?

 

Bom, pior que não nos elogiarem é ignorarem-nos completamente, dirá a maioria. E eu desta vez corroboro. Logo em matéria de sardinhas e ainda por cima no New York Times (NYT) - provavelmente o melhor, mais completo e mais influente jornal do mundo.

 

Se calhar sou eu que me sinto desiludido com o jornal, pelo qual pago uma subscrição anual, devido à qualidade do seu jornalismo, em geral, e pelos artigos e criticas gastronómicas (historicamente as mais bem escritas), em particular. Estarei a exagerar? Talvez, um bocadinho. Mas vamos lá.

 

O antigo cozinheiro e actual autor de livros de cozinha, David Tanis, escreve semanalmente no NYT a coluna “City Kitchen”. A fórmula é simples e de leitura fácil: apresenta um prato de cozinha caseira (ou um produto), escreve sobre o que o inspirou, as origens, etc, e no fim deixa a receita.

 

Esta semana, Tanis fala de um prato de sardinhas, um peixe que existe em outras partes do mundo, obviamente, mas que em nenhum país atinge um nível de obsessão como em Portugal. Como gosto de conhecer receitas alternativas às nossas - e esta com as ditas sobre uma folha de figueira acompanhada de funcho parecia-me muito válida - fui ler o artigo com particular atenção.

 

O autor começa por falar deste peixe em conserva. “Em França as sardinhas especiais envelhecidas na lata são um fenómeno – apresentadas como um vinho, com a sua data de colheita”. Tudo bem, também já fazemos isso por cá, mas ninguém como os franceses para valorizar o que é deles (e muitas vezes o que é nosso com a marca deles, como é o caso de algumas conservas de peixe). Depois, vem a referência a nuestros hermanos. “As sardinhas de conserva topo de gama são também apreciadas em Espanha, quer seja em azeite, molho de tomate, ou fumadas”. Pois, os sacanas dos espanhóis têm outra força lá fora (e conservas de grande qualidade, há que referi-lo), diz aqui o provinciano já meio roído.

 

Então deixem lá ver o que este tal de Tanis tem para dizer sobre sardinhas frescas (quando a coisa não nos agrada há logo que descredibilizar a fonte, pumba!).

 

“Sardinhas frescas são uma delicia e vale a pena conhecer”. De acordo. “Muitas receitas Sicilianas empregam-nas...” Ah! Lá vem a parte com o enquadramento neo-realista. Agora sim, o fulano vai falar também de Portugal e das dificuldades que passam os nossos pescadores de Matosinhos ou Peniche. Hum... dizia ele, então, que na Sicília, “as sardinhas podem ser encontradas marinadas, fritas ou acrescentadas em massa com funcho selvagem”. Pronto, agora é que é, o gajo vai escrever sobre sardinhas assadas e não tem hipóteses de nos ignorar (um dia ainda vou conseguir entender porque se chama “assado” a algo que é “grelhado”, mas isso agora não interessa).

 

“As sardinhas grelhadas fazem frequentemente parte dos menus dos restaurantes por todo o Mediterrâneo e, também, cada vez mais, aqui, nos Estados Unidos. Mas é muito fácil e menos caro grelhá-las em casa, quer seja sobre o carvão, ou sob a salamandra (forno)”. E pronto, é isto. A seguir vem a receita da foto de cima.

 

Que grande (filho de uma) lata! Santa ignorância... oh David Tanis, talvez se um dia aterrares em Lisboa e alugares um apartment na Bica ou em Alfama vais perceber onde é que a sardinha é verdadeiramente uma instituição. E até é bom que vás treinando em casa a grelhá-las na brasa para te habituares ao perfume que te vai entrar pelo quarto. Quanto a mim, chamem-me provinciano, que eu importo-me mesmo.

 

Foto: Karsten Moran para o The New York Times

 

Pedro Pena Bastos e Esporão anunciam o encerramento do restaurante

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Em comunicados separados, o Esporão e o seu chefe de cozinha Pedro Pena Bastos, bem como a directora de f&b e sua mulher Teresa Chaves, anunciaram neste final de tarde o fim do projecto de alta cozinha do enoturismo da empresa, em Reguengos de Monsaraz. A noticia deixou-nos surpreendidos dada a projecção e sucesso que o restaurante parecia ter alcançado nos últimos dois anos. 

 

Nenhuma das partes avança com justificações claras. A empresa vinícola, uma das maiores e mais inovadoras do país,  refere apenas que que o "Restaurante da Herdade do Esporão encerra temporariamente para remodelação" e que abrirá no dia 1 de Janeiro "com um novo conceito de restauração". 

 

Já Pedro Pena Bastos confirma a noticia mas também não avança com as razões. "Este projecto, que teve inicio há 3 anos atrás, com a remodelação de antigo restaurante, irá encerrar no final de Outubro deixando para trás excelentes memórias, aprendizagem, amigos, parceiros, e um conjunto de outros factores que contribuíram para o sucesso deste projecto".

 

Num tom emotivo, chefe portuense prossegue ainda: "aqui, fez-se crescer aquilo que achávamos impossível: lutou-se pela harmonia e sustentabilidade, pela procura da essência do local, da região e do país, estimulando pequenos produtores e projectos parceiros, desde a horta aos animais, inseridos numa herdade com um ecossistema tão vasto e tão rico, entendendo os ciclos de cada produto e das estações. Na tentativa de ir ao encontro do que fez sentido, explorou-se então o conceito que o espaço pedia. Desenvolveu se e viveu-se o Tempo da Terra."

 

Em relação ao futuro o casal, não é referido se fica ou se parte, apenas re-confirmam que "o restaurante do Enoturismo assentará num novo modelo", que  "o Esporão dará mais novidades em breve" e quanto ao destino deles estão "a tratar dele…"

 

Esta é uma daquelas notícias que me deixam descontente, como é óbvio. Este é um dos projectos mais interessantes que vi aparecer nos últimos tempos e parecia-me com solidez suficiente para continuar no tempo. Creio mesmo que, mais ano menos ano, a estrela Michelin chegaria e que era possível e viável a uma empresa de vinhos poder ter um projecto com esta especificidade, tal como acontece noutros países, nomeadamente na vizinha Espanha, com quem tanto gostamos de nos comparar (e reclamar). 

 

Quanto a Pedro Pena Bastos - que considero um dos chefes mais interessantes e com maior potencial de progressão (opinião que é partilhada por uma boa parte do júri dos prémios deste blogue que contribuíram na última edição para que ganhasse o galardão de Chefe Revelação do Ano) -, não creio que vá ficar muito tempo caso a opção seja a de avançar com um restaurante com uma cozinha mais simples e petisqueira. Mas, enfim, o tempo o dirá. 

 

Mais uma vez, esta noticia, a par da saída de Leonardo Pereira do Areias do Seixo, em finais de 2015, mostram como é difícil a um projecto de cozinha de autor  substituir fora do eixo das grandes urbes, Lisboa e Porto, ou de centros turísticos como o Algarve ou o Funchal. A excepção é praticamente o L'And Vineyards e a Casa da Calçada, em Amarante, e mesmo neste caso tem havido alguma turbulência, com várias mudanças de chefes ocorridas nos últimos anos - esperamos que a entrada recente de Tiago Bonito seja para valer e para ficar por muito tempo.  

 

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