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Espaço do chef português Frederico Ribeiro entre os 50 Melhores novos restaurantes de 2016 dos Estados Unidos

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Todos os anos, por esta altura, a Bon Appétit, a maior revista americana de gastronomia (1.5 milhões de exemplares vendidos por mês), nomeia os 50 melhores novos restaurantes do Estados Unidos, entre todos os visitados durante o ano, pelos jornalistas e críticos da revista. Entre a meia centena há apenas dois nomeados de Nova Iorque sendo que um deles é a Té Company, em West Village, uma pequena sala de chá pertencentes ao chef português Frederico Ribeiro e à sua mulher e sócia Elena Liao.

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Elena, natural do Taiwan, há algum tempo que se dedicava aos chás de qualidade provenientes deste território, promovendo workshops e a venda do produto junto de algumas das melhores lojas e restaurantes de Nova Iorque. Quando Frederico Ribeiro decidiu sair do restaurante Per Se, onde era sub-chefe, embarcaram juntos num conceito novo mesmo para Nova Iorque: uma loja especializada em chás de pequenos produtores do Taiwan que serve também snacks e refeições ligeiras.

 

Segundo nos referiu o português, “a loja de chá está apenas focada nos oolongs de Taiwan, e de "farmers" que conhecemos lá. Aplicamos o conceito dos Chefs: tudo o que temos cá vamos buscar directamente aos produtores e assim sabemos de onde vêm e quem os produz”.

 

Em termos de comida, até Fevereiro serviam apenas snacks – entre eles a bolacha yuzukosho de ananás, apelidada pela revista Saveur como “New York’s best cookie” – e almoços com produtos que o chef português adquire no mercado de produtores da Union Square e a que aplica a regra de “manipulação mínima dos ingredientes”. Desde Fevereiro deste ano começaram a servir jantares, duas vezes por mês, com menu fechado com mais de uma dezena de pratos e cujo o acesso (aos apenas 16 lugares disponíveis) é feito através da compra antecipada de bilhetes online.

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Por azar meu o casal vai estar de férias (e o lugar encerrado) entre 26 de Agosto e 9 de Setembro, precisamente na altura que estarei na cidade e em que contava visitá-los. Resta-me por isso aconselhá-lo* a quem for Nova Iorque nos próximos tempos e fazer figas para que figure nos “Hot 10” dos Estados Unidos, quando a Bon Appétit revelar os vencedores, no próximo dia 16.

 

pineapple-tea-cookie-2_2000x1500.jpgBolacha de ananás e compota de rosmaninho, creme fermentado de malagueta e yuzu (yuzukosho) e raspa de lima ou, segundo a Saveur, "a melhor bolacha de Nova Iorque".

 

P.S. Esta indicação podia ser por patriotismo ou de agradecimento pela óptima viagem guiada que o Frederico me proporcionou pelos seus lugares gastronómicos favoritos da cidade e que deu origem a uma reportagem que me deu um grande gozo fazer (ver abaixo em “Posts Relacionados”), mas não. Quer dizer, também foi. Porém, a razão principal razão é que ainda hoje não esqueço a francesinha que me preparou no Per Se (deve ter sido a primeira vez que a especialidade portuense foi servida num 3 estrelas Michelin), bem como as propostas que apresentou, em 2015, em Lisboa, quando passou pelo Sangue na Guelra.

 

Fotos: Matt Taylor-Gross para a Saveur (a última) e Té Company (composição com imagens retiradas do Instagram)

 

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A Nova Iorque de Frederico Ribeiro


Vinagre de Vinho do Porto. Ainda faz sentido proibir a menção?

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Quinta de la Rosa Garrafas Azeite e Vinagre.jpgÀ partida tratava-se de mais um comunicado de imprensa como tantos outros que chegam diariamente por email. A Quinta de La Rosa é um produtor cujos vinhos aprecio e, por isso, havia uma razão suficiente para abrir a mensagem. Porém, o que me chamou à atenção não foi o facto da empresa estar a lançar um azeite onde se destacam duas variedades de azeitona menos comuns nos nossos azeites de topo, a carrasquinha e a negrinha, mas sim, o seu par de galheteiro lançado em simultâneo: um vinagre de vinho do Porto "com mais de 30 anos de maturação, descoberto pelo enólogo Jorge Moreira". Vinagre de quê, de vinho do Porto? 

 

Há anos que oiço falar de produtores que fazem vinagre, para consumo próprio, a partir do nosso vinho mais nobre (o mesmo acontecendo com um outro não menos nobre, o Madeira). Inclusive algumas destas garrafas circulam discretamente por mãos amigas e todos falam de um produto extraordinário. O secretismo ou discrição tem uma razão. É que, ao contrário de outras regiões de prestigio, como Champanhe ou Jerez, que autorizam a sua produção, o IVDP proíbe a comercialização de um vinagre com a denominação ‘Porto’. Segundo Alexandra Prado Coelho num artigo sobre o vinagres que escreveu em Novembro, no Público Fugas, o referido instituto "não esclarece as razões que sustentam esta decisão", referindo apenas que "a designação 'Porto' é autorizada apenas nos vinhos licorosos provenientes daquela região e certificados pelo IVDP".

 

Portanto, pode haver vinagre de Champanhe ou de Jerez, mas não de Porto. Talvez a regra esteja obsoleta, não? O que será pior para a imagem do generoso duriense, um bom vinagre feito com ele ou um vinho com rótulo de "marca branca" vendido ao desbarato no supermercados de hard discount, ou ainda, saber-se que uma boa parte do vinho do Porto que vai para França (e não só) tem por destino a cozinha? 

 

Porém, se tal denominação é proibida como é que Quinta de La Rosa o está a comercializar (na loja da quinta e para Inglaterra)? 

 

Atente-se ao pormenor do rótulo na imagem que ilustra este post. Diz apenas "vinagre de vinho". Não deveria ser assim. Arrisco dizer, mesmo sem ter provado este vinagre,  que a probabilidade de estarmos perante um produto de excelência é grande, pelo que no rótulo deveria mesmo ser permitido que o produtor escrevesse "Vinagre de Vinho do Porto" e que, algures na garrafa, constasse igualmente a indicação, "com mais de 30 anos". Como fã de bons vinagres vou querer experimentá-lo, claro. Nem que tenha de o mandar vir de Inglaterra. Ah! e vou escrevinhar no rótulo: "de Vinho do Porto".

 

Estabelecimento de street food, onde se come por menos de 2€, ganha estrela Michelin em Singapura

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A história já tem umas semanas e vem contada no vídeo abaixo. Um estabelecimento de comida de rua de Singapura, onde se formam filas para comer frango em molho de soja à moda de Hong Kong, uma especialidade da casa que cusra menos de dois euros, acaba de ganhar uma estrela Michelin na recente edição do guia francês deste território, tornando-se o restaurante "estrelado" com a refeição mais barata do mundo. 

 

Captura de ecrã 2016-08-9, às 12.03.51.png

A história é bonita, o vídeo comovente e sim, mesmo não tendo estado no HK Soya Sauce Chicken Rice and Noodle, posso testemunhar que comi nos food stalls de Singapura alguma da comida mais saborosa e barata da minha vida. Porém, por mais sincero que seja este prémio, e que o mesmo possa servir para provar que para ganhar uma estrela não é o local que importa mas sim a qualidade da comida, não consigo deixar de ver aqui, sobretudo, uma óptima ferramenta de promoção da marca. Nada de grave, assim o critério seja o mesmo em todo o mundo, como o Guia Michelin gosta de apregoar.

 

Imagens: fotogramas retirados do video acima

 

 

Leopold em pop up na Baixa House enquanto não chega ao Castelo

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A vantagem de alguém ter cozinhado durante umas temporadas num restaurante sem fogão é que já não se estranha quando se depara com um desses aparelhos de casa, básicos (ou perto disso), tipo indução com quatro “bicos” e forno normal. Bom, pelo menos essa é a sensação que se fica quando chega a um dos apartamento da Baixa House, em Lisboa, para um dos jantar pop up que o casal Tiago Feio (chef) e Ana Cachaço (sala), do Leopold, estão a fazer até ao final de Agosto.

 

Como é do conhecimento o Tiago e a Ana fecharam recentemente o Leopold, o seu surpreendente restaurante de apenas 4 mesas e 8 lugares que tinham numa antiga padaria na Mouraria, para abrirem um espaço com melhores condições no hotel Palácio Belmonte, próximo do Castelo de São Jorge. Porém, enquanto tal não acontece, o casal aceitou o desafio de Maria Ulécia, da Baixa House - um conjunto de apartamentos turísticos num edifício reabilitado do século XVIII, na Baixa lisboeta - e por ali vão circular, de apartamento em apartamento, até final de Agosto.

 

Estive no jantar em que o chef do Leopold convidou o Hugo Brito, para um “mano a mano”. Há muito que falavam em fazer algo juntos e quando o Tiago lhe falou dessa hipótese para preencher duas noites do seu pop up/residência, o chef do vizinho Boi-Cavalo não hesitou. “Gostámos da ideia de ser num local diferente, de nos colocarmos fora da zona de conforto". Tiago Feio refere que quer continuar a fazer este tipo de encontros e que os mesmos podem até vir a ter uma temática. “Amanhã o tema pode ser um produto, um livro, um filme, etc”.

 

Quem esteve anteriormente no Leopold, ou viu a apresentação de Tiago Feio no Peixe em Lisboa, nota, além da sua costela conceptual, um lado meticuloso e perfeccionista na forma de encarar e executar as suas propostas. Por isso, quando avisou que neste encontro não havia um conceito e nem se quer tinham combinado os pratos que iriam servir deixou alguma intriga no ar. 

 

Porém, não houve caos. Mesmo numa cozinha com pouco espaço para se movimentarem e com 8 convidados quase empoleirados à sua frente, a tranquilidade e ordem imperaram e a (mini) equipa proporcionou-nos um par de horas com um conjunto de propostas estimulantes, elaborados por dois cozinheiros diferentes mas que se complementam bem neste formato. Se o que serviram não são pratos "definidos ou definitivos”, como referiram no inicio, até que enganaram bem. 

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Houve experiências, pratos novos mais desenvolvidos e novas roupagens de algumas propostas já conhecidas. Nesta imagem, começando por cima e indo no sentido dos ponteiros do relógio: arroz tufado, creme de chouriço, polvo à lagareiro, molho de ameixa, um simpático east meets west de Hugo Brito. Depois, sabores minerais e vegetais em harmonia no puré de salicornia com algas kombu e pólen, de Tiago Feito. Bem interessantes, também, os churros com petinga e aroma de eucalipto de Hugo Brito. Por fim, esta sequência terminou com um prato de grande sensibilidade de Tiago Feio, com três texturas contrastantes:

 

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puré de abóbora hokaido, tapioca embebida em toranja e trigo sarraceno. Um toque extra amargo ajudaria a espevitar mais os sabores.

 

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Espevitar os sabores, dizia eu. Ora essa foi uma característica que não faltou neste tártaro de algas (algas, alcaparras, mostarda, soja com vinagre de arroz), de Tiago Feio, um cozinheiro cada vez mais interessado (e interessante) a trabalhar ervas marinhas. 

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E por falar em ervas, juntar algas com ervas do campo (beldroegas cruas) tendo como intermediário um ovo cozinhado a baixa temperatura, como fez no prato acima, o chefe do Leopold, revelou-se igualmente uma aposta ganha.

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Coelho com farelo de trigo, caldo de alface e louro e figo. Hum... o aspecto e a textura do farelo não prometia (falou-se em Weetabix...), porém, o Hugo trabalhou tudo muito bem e o resultado foi uma boa e bem elegante surpresa.  

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A transição para o campo doceiro fez-se com uma bebida de aveia com amêndoa crua e poejo, de sabores  suaves, ao estilo de Tiago Feio.

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Para terminar, o Hugo Brito brincou aos clássicos: "financier com lemon curd, chocolate branco assado no forno...", só que não: "...com gelado de ervilha". Pow! um toque do vegetal doce a marcar bem o conjunto sem se sobrepor. É o que se chama, terminar em beleza. 

 

No jantar houve ainda um quarto elemento (além dos chefes e da Ana) que teve um papel importante na noite. Refiro-me a Olavo Silva Rosa, que irá com a Ana e o Tiago para o Leopold Belmonte. Nesta noite, Olavo não só preparou um óptimo cocktail de porto branco, mel e vinagre de algas, como foi responsável pelos vinhos “de expressão atlântica” - desencantados na garagem dos Goliardos, com quem o Leopold trabalha - que acompanharam a refeição, do Vale da Capucha alvarinho, ao portentoso Quinta da Serradinha tinto 2009, ambos da região de Lisboa, passando por um Aphros 2009 Loureiro (para acabar com esse mito que os vinhos verdes não envelhecem bem) e terminando num Barbeito 10 anos (que prova que a casta negra mole também pode dar vinhos com personalidade). Touché! 

 

Contactos:  

Baixa House. Rua dos Fanqueiros, 81 (Baixa), Lisboa. Reservas: geral.leopold@gmail.com  ou 21 886 1697; Preço: 60€ (com vinhos). Os apartamentos variam e podem receber entre 8 e 10 pessoas. Aberto apenas ao jantar.

 

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Leopold muda-se para um palácio

 . Cinco belas recordações do Verão

 

Fotos: Miguel Pires com excepção da composição da primeira imagem feita com imagens retiradas do Facebook da Baixa House. 

 

 

No Bairro do Avillez - as primeiras impressões, o que comer, a concorrência

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Abriu ontem oficialmente um dos projectos mais esperados do momento, o Bairro do Avillez, em Lisboa. Digo oficialmente porque já há uns dias que o mega espaço de José Avillez abriu discretamente ao público depois de semanas de testes com convidados - entre eles a imprensa.

 

Era suposto ser um soft opening, ou seja, uma abertura sem divulgação para não causar enchentes num período ainda considerado de afinação. Porém, pelo que vi ontem, de soft não houve nada, pelo menos à noite, quando o espaço esteve a abarrotar, com direito, inclusive, às primeiras filas de espera.

 

Mas comecemos pelo projecto. O Bairro do Avillez é o 7º projecto de restauração do conhecido chefe português e de longe o mais ambicioso em termos de dimensão. O espaço ocupa parte de um antigo edifício do Convento da Trindade e está dividido em duas áreas principais: de um lado temos a Taberna, a Charcutaria (numa parceria com a Manteigaria Silva) e a Mercearia (com gourmandises e merchandising) e do outro o Páteo, que além do piso térreo tem um primeiro andar que para já me pareceu  fechado e que terá uma vertente para pequenos grupos. Há ainda uma outra área mais pequena e ainda fechada desse lado, que será mais tarde um espaço de cozinha de autor com um posicionamento entre o Minibar e o Belcanto.

 

Até agora tem-se falado sobretudo da transformação do lugar, sob orientação de Avillez, num bairro lisboeta contemporâneo com memória tendo-se destacado a arquitectura desenvolvida pelo atelier Anahory Almeida e das intervenções artísticas de Joana Astolfi, da Caulino Ceramics, e o painel de azulejos da fábrica Viúva Lamego. Porém, e o que se come por lá?

 

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José Avillez com os seus parceiros da Manteigaria Silva 

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Vista geral da Taberna, com a cozinha e o painel da fábrica Viúva Lamego ao fundo 

 

A experiência à mesa

 

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A cozinha principal do Bairro do Avillez 

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 O Páteo, visto do andar de cima

Attachment-1-2.jpegAlgumas das propostas da carta do Páteo

 

O Bairro do Avillez dispõe de cerca de 300 lugares, e aqui trabalham 78 empregados, entre sala, cozinha e pontos de venda. No Páteo, onde é possível reservar mesa, o menu varia entre a vertente de cervejaria/marisqueira – com mariscos, bifes –, carta de saladas e peixes. As confecção pareceram-me mais ou menos clássicas com um twist de autor aqui e ali (não servem peixes inteiros, por exemplo).

 

Já a Taberna (por onde se entra), funciona por ordem de chegada, ou seja: sem marcação. Deste lado, reinam os petiscos e doses pequenas, que convidam à partilha - há que pedir várias, porque como é hábito com Avillez, as suas doses nunca são fartas. Foi deste lado que tive oportunidade de experimentar uma boa parte das propostas da duas vezes em que lá estive. A primeira, há duas semanas, a convite e, ontem, como um cliente normal. Houve algumas diferenças na experiência, como é natural. Ontem, fui com mais 6 pessoas e a casa estava cheia. Já na primeira vez, éramos apenas dois e o ambiente estava bem mais calmo. Ainda assim, ontem, tirando um ou outro desacerto “a máquina” respondeu muito bem à enchente – o que não surpreende, sobretudo, para quem conhece a gestão e organização de outros cantinhos.

 

Como acontece nos restaurantes de Avillez, todos as propostas foram criadas especialmente para este lugar. Aliás, o chefe do Chiado parece ter tanto prazer em definir conceitos, como a definir um receituário. A sua marca na Taberna reconhece-se em cada prato e abundam as novidades, ainda que existam variações já conhecidas de receitas de outros dos seus espaços. Entre as novidades alguma constituem  uma visão particular de tendências actuais (de cá ou lá de fora), outras, de petiscos lisboetas e portugueses, e outras ainda, uma mistura dos dois.

 

Achei muito bem conseguidas criações como o ceviche de tremoços (em dose mini), a saladinha de orelha de morcego (uma recriação da salada de orelha de porco com as populares algas chinesas a fazer a vez da cartilagem do suíno) e a “alfacinha de bacalhau”, uma espécie de hot dog do fiel amigo (versão nuggets do Minibar) com alface crocante em vez de pão. Gostei muito, ainda, das pipocas de coiratos picantes (que serão do agrado mesmo de quem não gosta de coiratos, nem de pipocas), da sanduíche (em bolo do caco) de leitão com pickles de algas e salicórnia e dos pezinhos de porco de coentrada e hortelã. Bom, também, o vitelão em duas cozeduras com creme de batata e mostarda e o polvo (tipo à galega) com alho e molho de kimchi, as plumas de porco alentejano (com farofa) e os espargos e cogumelos na brasa com beringela fumada. Dos acompanhamentos, além das batatas fritas, achei piada (sem serem fantásticos) aos milhos fritos com queijo de São Jorge. Já a salada de coração de alface grelhada com pêra e vinagreta estava um pouco desenxabida. Também esperava mais do “efeito Josper”. É verdade que a moda destes fornos a lenha leva a que por vezes se cometam excessos no fumado. Porém, neste caso, quase nem dei pela sua existência.

 

Attachment-1.jpegOs talheres e alguns dos petiscos da Taberna: ceviche de tremoços, pipocas de coiratos e cornetto de carapau picante (foto: Miguel Pires)

 

FullSizeRender-5.jpgpezinhos de porco de coentrada (foto: Miguel Pires)

 

FullSizeRender-4.jpg saladinha de "orelha de morcego" já meio comida (foto: Miguel Pires)

FullSizeRender-3.jpgsanduíche de leitão com pickles e salicórnia em bolo do caco (foto: Miguel Pires)

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alfacinha de bacalhau crocante(foto: Miguel Pires)

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polvo (tipo à galega) com alho e molho de kimchi

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pastel de nata com bica de gelado de café (foto: Miguel Pires)

 

Na parte doceira, que em geral sempre considerei uns furos abaixo da vertente salgada de Avillez, achei feliz o óptimo pastel de nata servido com uma bica de gelado de café e elegante o pudim de azeite e mel (ideal para quem quer um doce tradicional português sem ser excessivamente doce). Já o salame de chocolate, o sorvete de amarguinha e o caramelo salgado (uma variação do conhecido avelã ao cubo - um best seller do Cantinho) cumprem, mas não deslumbram.

 

Em relação às bebidas, confesso que não prestei atenção a este capítulo. Quando cheguei já alguém na mesa bebia um JA Rosé - da linha de vinhos agradáveis e frescos que a Quinta do Monte d’Oiro produz para a casa – e eu acabei por optar pela Czech Golden Lagger e Bengal Amber IPA, as duas cervejas especiais da Super Bock, com quem fizemos recentemente uma acção (como devem estar recordados) e que aqui estão disponíveis à pressão.

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A intervenção da Caulino Ceramics no tecto da Taberna (foto: Miguel Pires)

 

Em suma, o Bairro do Avillez tem todos os argumentos para ser um sucesso. Resta saber que repercussão terá na concorrência. Nos primeiros meses, creio que os outros estabelecimentos da Rua da Trindade sairão beneficiados, pois serão uma alternativa a quem não quiser ficar na fila. Já uma centena de metros abaixo, o Palácio do Chiado poderá ser um dos afectados (muito mais do que o Mercado da Ribeira), tal como os restaurantes do próprio Avillez, (sobretudo o Café Lisboa, a pizzaria e o Cantinho). Porém, como dizem os especialistas de marketing, mais vale canibalizar-se do que ser engolido pelos outros. Porém, posteriormente, o mais provável é que os fluxos voltem ao normal. Até porque o período de alta no turismo em Lisboa, parece estar para ficar.

 

Contactos: Rua Nova da Trindade, 18 (Chiado), Lisboa. Telefone: 21 583 0290. Horário: diariamente das 12h às 00h; Preço Médio: 30€ (Taberna - não aceitam reservas), 40€ (Páteo - aceitam reservas)

 

Fotos: Paulo Barata (excepto as assinaladas)

Andoni Aduriz e Albert Adrià com chefes portugueses em Lisboa

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"As Chaves da cozinha de vanguarda"é o tema do congresso que no próximo dia 19 de Setembro trará a Lisboa, à LX Factory, dois grandes nomes da cozinha mundial: Andoni Luiz Aduriz (Mugaritz) e Albert Adrià (Tickets / Pakta...). Aos dois chefes do país vizinho juntar-se-á o seu compatriota Nandu Jubany (Can Jubany, Calldetenes - Catalunha) e os portugueses João Rodrigues (Feitoria), Henrique Sá Pessoa (Alma) e Kiko Martins (O Talho/ A Cevicheria). 

 

O Estrella Damm Gastronomy Congress Lisboa (assim se chama o evento) - à imagem do que a cervejeira catalã organizou anteriormente em Londres e Miami - decorrerrá ao longo de um único dia, com showcookings temáticos de 45 minutos cada com um debate no final. A ideia da organização é que o encontro se repita anualmente e sirva para partilhar ideias sobre a cozinha de vanguarda, entre os chefes dos dois países e o público.  

 

Andoni Aduriz (2 estrelas Michelin e nº7 do World 50 Best) passou pelo Peixe em Lisboa em 2013, enquanto que para o mais novo dos irmãos Adrià esta será uma estreia no país (pelo menos em eventos públicos). Quem já assistiu a apresentações de ambos em congressos, como o San Sebastian Gastronomika ou o Madrid Fusión,  sabe que as suas presenças estão sempre entre as mais aguardadas. Não só por serem dois dos chefes mais admirados da actualidade, mas também por terem sempre algo de novo a dizer e por saberem fazê-lo de uma forma cativante que não deixa ninguém indiferente.

 

Vai ser muito interessante, então, poder vê-los em Lisboa (tal como a Nandu Jubany, de quem tenho boas referências) e verificar como será a interacção com alguns dos melhores chefes lusos. Por enquanto, não é adiantado como será concedido o acesso ao evento aos interessados em assistir. Apenas se sabe que o congresso será dirigido a profissionais ligados ao sector. 

   

Fabian Nguyen regressa ao Ritz Lisboa

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O que era para ser um regresso definitivo ao seu país transformou-se numa espécie de férias prolongadas de cinco meses. Foi esse o período em que um dos mais conceituados chefes de pastelaria a trabalhar em Portugal, Fabian Nguyen (na foto), esteve ausente em Vanuatu, ilha do Oceano Pacífico, decidindo (felizmente para quem, como eu, admira o seu trabalho) regressar ao hotel Ritz Four Seasons de Lisboa, onde está desde 2013. Nguyen chegou a Portugal há já quase 18 anos, depois de ter feito a sua formação em França e dado os primeiros passos em conceituados restaurantes, entre os quais o Le Buerehiesel, em Estrasburgo, então com 3 estrelas Michelin, chefiado por Antoine Westermann, que viria a ser consultor da Fortaleza do Guincho. Seria precisamente neste restaurante que o chefe pasteleiro começaria a sua carreira em Portugal, tendo depois outras experiências profissionais marcantes, como uma breve no Tavares, ao lado do chefe Joaquim Figueiredo, e na Bica do Sapato, no tempo de Fausto Airoldi e de Paulo Morais.

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Mas não são só doces as boas notícias que vêm do Ritz. Também na parte salgada, como pude comprovar, o chefe Pascal Meynard, coadjuvado pelo sub-chefe Carlos Cardoso, continua a brilhar, agora com um sensacional menu de Verão (69 euros, sem bebidas), que inclui um muito apropriado e original gaspacho clarificado com lavagante nacional e azeite de orégãos (na foto); polvo do Algarve fumado, salada de legumes marinados, pickles caseiros e crocante de broa; filete de peixe-galo, salicórnia e espargos, calamondin (uma variedade de citrino) ao sal, consommé de cogumelos e gengibre ou cabrito confit,parmentier, legumes biológicos aromatizados com alecrim Para terminar, Fabian Nguyen apresenta ananás assado, creme de frutos exóticos, chocolate ivory e sorvete de caramelo e coco. Quem quiser fazer acompanhar com o menu de vinhos (34 euros) terá oportunidade de conhecer as escolhas do experiente escanção Licínio Pedro Carnaz, também ele um dos nossos melhores profissionais na área.

 

Está portanto reconstituída uma equipa que tem posto o restaurante Varanda entre as melhores mesas de Lisboa e que mereceria pelo menos uma estrela Michelin não fosse os inspectores do guia embirrarem com o lendário buffet que se serve ao almoço, apesar de ser uma proposta extremamente válida e que tem muito boa e fiel clientela. Pode ser que este hotel, que tão bem representa Lisboa, consiga um dia a fórmula de separar as águas (ou seja, as propostas de almoço das do jantar) e o seu óptimo restaurante tenha finalmente o reconhecimento que merece.

 

 

Quique Dacosta: Um restaurante excepcional que vale a viagem

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Quando, em Abril de 2014, se apresentou no Peixe em Lisboa, Quique Dacosta apelou ao público que enchia o auditório que viesse ao restaurante que leva o seu nome, em Dénia, próximo de Valência (Espanha). Nada de estranho no apelo. Afinal, a promoção do seu trabalho é uma das razões que leva um chef a apresentar-se nos diversos eventos gastronómicos que decorrem mundo fora. Dacosta é um dos grandes chefs da actualidade e tornou-se comum ouvir falar-se em longos meses de espera para uma mesa em lugares como o dele — sobretudo quando se tem três estrelas Michelin, ou se integra a lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo.

 

 

Acontece que, com uma ou outra excepção — no Verão e em certos fins-de-semana do ano — não é difícil conseguir uma reserva no seu restaurante. É que, embora se situe numa localidade costeira que é uma das portas de saída para as Baleares, Dénia não é um local do hype espanhol, tal como a região em que se insere não tem o poder de atracção gastronómica de um País Basco ou de grandes centros como Madrid ou Barcelona.

 

Porém, este é um daqueles casos que merece a pena acreditar na definição do Guia Michelin para um restaurante com três estrelas: “Mesa excepcional. Vale a viagem.”

 

Parta-se de Lisboa num voo directo, pela manhã, e em menos de duas horas está-se em Valência. Daqui, pode-se alugar um automóvel e seguir rumo a Dénia (a viagem demora pouco mais de uma hora), ou apanhar um dos vários autocarros diários que saem nessa direcção (demoram duas horas). Ainda se chega a tempo do almoço. Contudo, se a reserva for para o jantar é melhor pernoitar. Assim, desfruta-se melhor a viagem e aproveita-se para um mergulho ou para conhecer o local. 

 

Em Espanha janta-se tarde, mas num três estrelas com um menu de degustação extenso é impreterível que se comece cedo, pelas 19h30, dado que a jornada supera facilmente as três horas de fruição — ainda que não se dê pelo tempo passar. 

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A envolvente do restaurante não é a mais bela, porém o chef espanhol criou um oásis no seu espaço que nos transporta para outra dimensão. Assim, a partir do momento em que atravessamos a porta, há todo um apelo aos sentidos que nos faz sentir especiais — da gastronomia à hospitalidade, passando pela própria tranquilidade que o espaço transmite.

 

Quique Dacosta teve o percurso diferente da generalidade dos chefs multi-estrelados de hoje. Não frequentou a escola de hotelaria, não foi delfim de nenhum chef famoso, nem passou por restaurantes de topo. Na verdade, esteve apenas num. O actual (que até 2008 se chamou El Poblet), onde aos 14 anos começou a lavar pratos nas férias. De forma gradual, o chef espanhol foi ganhando o gosto pela cozinha, acabando por lhe tomar as rédeas e adquiri-lo mais tarde. 

 

A evolução, o reconhecimento e os prémios alcançados ao longo de mais de duas décadas de carreira foram tremendos. Todavia, centremo-nos no período mais recente. Em 2011, Dacosta sentiu que começava a repetir-se e que precisava de se reinventar. Resolveu então mudar a estrutura do menu e centrar-se numa cozinha mais depurada, com menos elementos no prato, mais centrada no produto e seu meio ambiente — características que viriam a acentuar-se ainda mais no ano seguinte. Os menus passaram a estar divididos por actos (snacks, tapas, pratos, carnes, sobremesas), alcançando um total de 40 a 50 propostas — uma boa parte para comer em dois ou três bocados (à mão, com uma colher ou com um garfo e só muito raramente com o auxílio da faca). 

 

Houve quem dissesse que, apesar da depuração, estava-se perante uma espécie de sinfonia gastronómica, o que não deixava de ser uma prova de coragem, dado que chegava em contra-corrente com a ideia de uma cozinha mais simples e directa procedente do Centro e Norte da Europa. Acontece que a aposta do chef espanhol viria a dar frutos, dado que em Novembro de 2012 o restaurante conquistava a tão desejada e difícil terceira estrela Michelin.

 

Experiência sem fronteiras  

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A viagem no restaurante de Quique Dacosta começa pelo jardim. É neste local que somos recebidos e é aqui que chegam os primeiros snacks, enquanto se toma um aperitivo. A razão desta antecâmara parece óbvia: quebrar o gelo, descontrair e aproveitar o início de noite cálida própria de um lugar à beira do Mediterrâneo. 

 

O menu da presente temporada dá pelo nome “Fronteiras” e continua estruturado por actos. Porém, o número de propostas diminuiu (são agora cerca de 30), ainda que contenha mais pratos e menos tapas. Como alternativa, mantém-se o “Universo Local”, o menu que reúne pratos emblemáticos de épocas anteriores (ambos custam 199€ + 99€ com a opção de harmonização vínica). Dacosta apresenta a nova temática como uma construção a partir de uma linha de diálogo entre o seu território local e o de outras culturas trazidas das suas viagens pelo mundo.

 

E o que acontece quando se visita o restaurante pela segunda vez, em menos de três anos? Será possível continuarem a surpreender-nos? Uma experiência anterior memorável faz aumentar a expectativa. E também o receio.

 

As propostas iniciais vão chegando a bom ritmo. Alcachofras fritas, uns delicados buñuelos (sonhos) de bacalhau, palitos de carvão falso (feitos a partir de merengues de pimento) com molho pericana, piadina de milho fermentado com lâminas de atum fresco e um intenso aspic de ouriços do mar e lagostins são alguns dos snacks do novo menu. Tudo parece bem feito, com sabores delicados e intensos em harmonia. Não arrasa, mas está a um nível muito elevado.  

 

Passamos ao interior e somos conduzidos não à sala mas à cozinha, onde Quique Dacosta e Juanfra Valiente, o responsável de criatividade, nos recebem na novíssima sala privada, que durante o dia funciona como cozinha de investigação e à noite se transforma em mesa do chef. O privilégio é grande mas e se as expectativas saírem goradas, como se disfarça o desalento? 

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turrón de amêndoa

 

O primeiro prato dissipa de imediato qualquer sentimento de apreensão. Trata-se de um turrón de amêndoa em que folhas de papel comestível (como no turrón de Alicante) cobrem um conjunto constituído por uma gamba (praticamente crua), pedaços de amêndoas, um outro de alho francês e uma gelatina de molho teryaki. Por cima há ainda um pontilhado de creme de amêndoa e pétalas de flor do fruto seco. Resultado: além dos sabores bem definidos e do exemplo perfeito de uma ligação entre Ocidente e Oriente, a conjugação de todos os elementos no prato é de extrema delicadeza. 

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Barriga de atum sobre alga kombu

 

Passamos ao segundo acto. Quique Dacosta pousa as mãos sobre uma alga kombu gigante e deixa-as ficar por uns segundos. No meio estão quadrados de barriga de atum rabilho com o seu característico marmoreado de gordura a revelar a qualidade ímpar. A ideia é passar o calor da mão ao peixe de forma a acentuar o seu sabor elegante e ligeiramente doce. Elegância é o termo que se pode também utilizar para falar das ovas de tainha e de maruca com uma ligeira cura em sal. Dacosta apresenta esta última (com cerca de 30cm de comprimento) e levanta a “tampa” cortada no topo, como se fosse um queijo de pasta mole. Depois, com uma colher, retira um pedaço do interior e serve em cima de um papari.

 

Poderia continuar por aí fora, acto após acto, a falar minuciosamente do profundo sabor do tomate em várias texturas, da (pornográfica) gamba de Dénia — um clássico que nunca sai dos menus —, ou do ceviche de charuteiro (pez limón) servido num limão. Arriscava também descrever ao pormenor a mini coca com as últimas ervilhas da época, ou o prazer de uns lagostins na parrilla com caril verde, de uma costilla de porco ibérico com folhas de shiso, ou das sobremesas prazenteiras e equilibradas. Por último, podia ainda destacar individualmente cada um dos vinhos escolhidos a dedo e apresentados com paixão pelo sommelier José Antonio Navarrete, ou ainda de como se recebe bem por estas bandas. Porém, limito-me a rematar o assunto enaltecendo a experiência global e a proeza que representa a trintena de propostas, em que ingredientes locais e do mundo se conjugam a preceito e com um fio condutor. É sem dúvida possível igualar ou superar uma experiência prévia marcante. E, como traduz a nota máxima do Guia Michelin, vale a viagem. 

 

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Raïm de pastor (erva do monte em pickle 

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pedra de parmesão (uma é as outras não), um clássico transposto de temporadas anteriores (tal como o raim de pastor)

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Alcachofras fritas  

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 piadina de milho fermentado com lâminas de atum fresco

 

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Palitos de carvão falso (feitos a partir de merengues de pimento)

 

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Tomate em várias texturas: tão minimal como incrivelmente saboroso 

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ouriço do mar, cardamomo e folhas de pepino. Atrás: emulsão de ouriços, picantes e ácidos

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Os vinhos escolhidos por José Antonio Navarrete, entre eles (ausente da foto) um Collares Viúva Gomes 1969. Na foto do meio o sommelier exibe orgulhosamente uma garrafa de Madeira (uma da suas paixões) Malvazia de 1882. 

 

 

Contacto: Quique Dacosta Restaurante Playa Zona las Marinas  Ctra. Las Marinas, km 2,5. c/ Rascassa 1, Urbanización El Poblet, Dénia - Espanha. Tel.: 965 784 179. Email.: quiquedacosta@quiquedacosta.es
www.quiquedacosta.es

 

Temporada de abertura: de Fevereiro a Novembro. Fecha às segundas e terças, excepto Julho e Agosto, em que abre todos os dias

 

 Texto publicado originalmente na revista Fugas (jornal Público) de 20 de Agosto. Fotos: D.R. e Miguel Pires

 


Nova temporada de Chef's Table. Ooh la la!

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Em finais de Maio, aquando da estreia da segunda temporada de Chef's Table, apontei o facto desta fantástica série documental do Netflix ainda não ter efectuado nenhum episódio em solo francês ou espanhol. Pois, a terceira temporada está aí e, se ainda não é desta (nem será na próxima) que nuestros hermanos marcam presença, já os gauleses não terão razões de queixa dado que os 4 episódios são todos sobre chefes franceses em solo francês.

 

“A oportunidade de dedicar uma temporada inteira a França é um sonho tornado realidade”, refere o autor da série David Gelb. “A importância da cozinha francesa na história da alta cozinha não tem precedentes. Era impossível fazer justiça à tradição culinária francesa num só episódio. Em vez disso, escolhemos quatro chefes distintos, cada um representando uma visão diferente dentro do panorama da cozinha francesa. Estas são as histórias de chefes apaixonados que arriscaram tudo para inovar, sem renunciar ao importante legado da cozinha francesa. Esperamos que desfrutem destes novos episódios tanto como eu tive prazer em fazê-los.”

 

O escalonamento dos episódios, todos disponíveis de imediato, é o seguinte:

 

 . Alain Passard, restaurante L’Arpege, Paris

·  Michel Troisgros, restaurante Maison Troisgros, Roanne

·  Adeline Grattard, restaurante Yam’Tcha, Paris

·  Alexandre Couillon, restaurante La Marine, Noirmoutier. 

 

 

A propósito deste último, o menos badalado dos quatro, tive o privilégio de ser único jornalista português presente em Noirmoutier, em Julho, na apresentação da série à imprensa. Como houve a oportunidade de ir com um dia de antecedência deu ainda para conhecer a pequena e pacata ilha de Noirmoutier de forma livre (de bicicleta) e sem programa. Desta visita, do almoço com David Gelb no La Marine (que conta com duas estrelas Michelin) e da conversa com o chef Alexandre Couillon, resultou uma reportagem de viagem gastronómica que será publicada este sábado na revista Fugas do jornal Público.

 

Como são escolhidos os chefes? com tantos cozinheiros de relevo em França, quais foram os critérios de escolha? Teremos um chef português numa das próximas temporadas? As respostas a estas questões, que despertam sempre a curiosidadem constituem apenas um fragmento desse trabalho. 

 

Na imagem: David Gelb, autor de Chef's Table com o chef  Alexandre Couillon, no La Marine, em Noirmoutier (França) durante a apresentação da nova temporada da série documental (foto:Miguel Pires)

 

 

O fim do ciclo dos petiscos

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Hesitei em pôr um ponto de interrogação no título deste post, mas decidi que ia arriscar na afirmação, até porque é isso que desejo. Espero que este ciclo maldito, que começou por incluir também a chamada “alta cozinha low cost”, um absurdo que, apesar de ter sido repetido por tudo quanto era jornal, revista, televisão e blogue, felizmente não fez escola, tenha chegado ao fim. Claro que não tenho nada contra casas de petiscos (onde incluo hambúrgueres, pizzas e quejandos) e restaurantes mais em conta, mas julgo que os chefes mais criativos, mais bem apetrechados técnica e culturalmente, nunca devem fazer deles os seus “primeiros restaurantes”, como em tempos temi neste post intitulado “Cozinhar abaixo das possibilidades”, do já longínquo ano de 2009, quando este blogue dava os seus primeiros passos. Porém, outros perigos surgem no horizonte, geralmente sob a forma de inocentes criancinhas, como mais adiante veremos.

 

Por enquanto, fiquemos com as boas notícias. Passados mais de sete anos, o meu actual optimismo teve início em finais de 2015, com aberturas como o novo Alma, de Henrique Sá Pessoa, o Loco, de Alexandre Silva, ou o Kanazawa, de Tomoaki Kanazawa, que demonstram uma aposta clara e sem medos de um chefe num restaurante que está de acordo com as suas possibilidades. E, ao que sei, outros chefes portugueses, muitos dos quais já possuem restaurantes bem sucedidos, irão nesta linha, abrindo espaços ambiciosos e ousados.

 

Mas também impressiona o que tem acontecido com restaurantes mais modestos onde, embora com limitações evidentes, a falta de capital para investir não é sinónimo de rendições a cozinhas medíocres, antes pelo contrário, desperta o engenho e a arte dos chefes. Bons exemplos são o Leopold, de Tiago Feio, que continua à espera da mudança para o Palácio Belmonte, o Boi-Cavalo, de Hugo Brito, a cada vez melhor Taberna da Rua das Flores, de André Magalhães e equipa, ou o mais recente Trio, de Manuel Lino, muito superior à cozinha prudente que praticava no Tabik. Com erros e acertos, durem o tempo que durarem, estes restaurantes valem mais do que 30 casas de petiscos.

 

Até nos hotéis, que em muitos casos eram verdadeiros cemitérios da criatividade dos chefes, se nota essa vontade de dar personalidade e algum risco aos restaurantes. É o caso do Lisboeta, na Pousada de Lisboa, de Tiago Bonito, do Bistro 4, do Cliff Bay em Lisboa, onde, com a consultoria de Benoît Shinton, o chefe João Espírito Santo apresenta pratos que misturam tradições francesas com madeirenses. Ou Ana Moura, no Cave 23, no Hotel do Torel, ou o Nau Palácio do Governador (antigo grupo CS), com o chefe André Lança Cordeiro, ou Ricardo Simões, no Sheraton Lisboa.

 

Este breve resumo, limitado a Lisboa, das razões do meu optimismo não ficaria completo sem referir dois nomes obrigatórios da “velha guarda”, Miguel Castro e Silva, que depois do Largo se mostra em grande forma no Less e também no De Castro Flores, e Vítor Sobral, que deu a volta à sua antiga Cervejaria da Esquina, transformada em boa hora em Peixaria da Esquina. E como eu gostaria que Luís Baena voltasse a ter um restaurante a sério, ou que Joaquim Figueiredo e Fausto Airoldi regressassem a Portugal, onde julgo que agora encontrariam um ambiente bem mais favorável ao seu talento, experiência e saber.

 

É claro que nem tudo foi positivo, houve encerramentos e apostas falhadas, como há sempre. E há gente que continua à espera de não sei o quê, de um “investidor”, de um mecenas, de um benfeitor qualquer que os salve do mundo dos petiscos a que se condenaram. E o tempo vai passando. Mas como desculpa para não arriscar, nada como, de preferência com a voz ligeiramente embargada pela comoção, afirmar que “eu quero ver o (s) meu (s) filho (s) crescer”. Se esta frase vier acompanhada por outra - “agora quero fazer uma cozinha simples”-, os sintomas de que estamos perante um caso arrumado são seguros.

 

Julgo que quem escolhe ser cozinheiro não terá grandes dúvidas de que terá que trabalhar fora dos horários habituais, por isso não compreendo a surpresa. É claro que toda a gente pode mudar de objectivos ao longo da vida, mas parece bastante imaturo alguém não saber aos 20 anos que a profissão que vai iniciar implica certos sacrifícios. Aliás, não é só em Portugal que os chefes têm filhos a crescer e há muitas outras profissões que têm horários que fogem ao normal. Trabalhadores dos transportes e de outras infra-estruturas, médicos, enfermeiros, trabalhadores rurais, polícias, bombeiros, seguranças, trabalhadores da limpeza, hoteleiros, empregados de mesa, jornalistas, publicitários, muitos do que trabalham em centros comerciais, só para citar alguns exemplos que me vêm de repente à memória. E até políticos, vejam lá, como li numa entrevista recente de um antigo ministro e dirigente partidário que se queixava precisamente de que não tinha visto os filhos crescer. Ou seja, quem anda à procura de desculpas para se acomodar encontrará sempre alguma coisa.

Smorgasburg: Brooklyn (street food) state of mind

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Seguindo a tendência do que aconteceu em outros países, nestes últimos anos, em Portugal, tem-se falado com algum entusiasmo de food trucks e comida de rua, uma actividade que fora as tradicionais rulotes das feiras, concertos eventos desportivos, tem tido uma evolução discreta, sobretudo, se falarmos em propostas que façam a diferença.

 

Vem isto a propósito da visita que fiz, no passado sábado,  ao Smorgasburg Food Market, em Brooklyn, Nova Iorque, um mercado que reúne semanalmente 75 a 100 restaurantes de rua e que traz ao bairro de Williamsbourg, junto ao rio Hudson, milhares e milhares de pessoas. Gostei muito do do entusiasmo das pessoas em volta dos espaços, dos projectos interessantes (uns mais do que outros), do ambiente descontraido -  O New York Times chamou-lhe "O Woodstock da comida" - e, claro, do que  comi.

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Os conceitos de cada stand variam bastante, mas cada espaço tem a sua especialização. Por vezes com uma proposta única, mesmo que com uma ou outra especialização. Por exemplo este só vendia lulas na chapa...

 

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Já por aqui o assunto era mais carne: "Veal Ribs barbacue".

 

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Tendências: fumados, cozeduras lentas, muita fusão ( também alguma confusão) e muita barriga de porco. Por exemplo, no Goa Taco a maior parte das pessoas que esperavam na fila faziam-no por causa da paratha (uma espécie de panqueca indiana) com pork belly (barriga de porco) assada lentamente num espeto sobre brasas. Foi uma das minhas escolhas e valeu os 20 minutos de espera. Super delicioso. 

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Outra das minhas escolhas foi o cholander sammie, nos coreanos  Kimchie Smoke, uma sanduiche de carne de porco desfiada com kimchi fumado, queijo e cebolinha. Um pouco carregada de molho, bem ao gosto local, mas bem interessante. Fiquei surpreendido com a qualidade do pão/brioche, que costuma ser ruim - o que não acontece por aqui.

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Hora de ponta sem rostos infelizes

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Alguém pediu porchetta?

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...e água de coco? e french fries "cortadas à mão". Sim, havia um stand que só vendia batatas fritas e com grande sucesso. 

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Claro, não podiam faltar as propostas "craft"(artesanal) e "gluten free".

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Ou até mesmo fumados para veganos (e não só).

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Mais um exemplo de especialização num único produto. Neste caso, pato, em versão tanto à oriental ou à ocidental.

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 Nova Iorque é a cidade do cheesecake, mas o tempo está quente e por isso a malta quer gelados? não há problema, arranja-se um gelado de chessecake.

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Deixo para último, a mais concorrida das especialidades, o ramen burger. A fila era enorme e, por isso, acabei por não experimentar, mas fiquei curioso. Ramen (noodles) a fazer a vez de pão, num hambúrguer à oriental pode parecer um absurdo. Porém, pelo aspecto e pela quantidade de fiéis à espera, deveria ser absurdamente pornográfico. Um apelo aos instintos mais básicos. E, por vezes, isso é tão bom.

 

Qualquer pessoa que goste deste tipo de comida e ambiente, ou pretenda ter um negócio do género tem de vir a Williamsburg. Já para não falar que a vista para Manhattan é grátis.

 

Smorgasburg Food Market.
Sábados entre Abril e Novembro das 11h às 18h
90 Kent Ave, Brooklyn, NY 11211

 

Atsushi Tanaka com Alexandre Silva no Loco

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No próximo dia 3 de Outubro, o chef japonês radicado em Paris, Atsushi Tanaka, vai cozinhar no Loco, junto com o chef anfitrião Alexandre Silva, num jantar para 22 pessoas (tantas quanto a lotação do lugar). Atsushi quem?

 

Muita da agitação que se tem vivido no movimento bistronomie francês dos últimos anos deve-se, em parte, a muitos cozinheiros estrangeiros que vieram estudar e trabalhar para França e que uma vez formados estabeleceram-se lá - sobretudo em Paris - em vez de regressarem aos seus países. Atsushi Tanaka é um desses casos.

 

Atsushi chegou à capital francesa com 17 anos para trabalhar com Pierre Gagnaire, a quem chama o seu mestre. Porém, o japonês não se deixou ficar apenas por terras gaulesas, e passou ainda por restaurantes como o espanhol Quique Dacosta, o holandês Oud Sluis, ou os escandinavos Geranium,  Frantzén e  Oaxen Krog.

 

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Imagens: montagem a partir das fotos de pratos de Atsuki Tanaka tiradas do seu Instagram

 

Com esta constelação de estrelas Michelin na bagagem o chef japonês arriscou e, em Março de 2014, abriu o seu restaurante A.T, no nº 4 da Rue du Cardinal Lemoine (Paris), tendo-se destacado por oferecer uma cozinha naturalista com um sentido estético muito apurado e naturalmente influenciada pelos lugares por onde passou. "O que Tanaka faz é muito mais do que comida, os empratamentos são lindos e elegantes, tal como a comida, delicada, subtil mas cheia de sabor”, refere Alexandre Silva, que nos conta ainda como tudo se passou. "Não o conhecia pessoalmente, mas começámos a falar e marquei uma reunião com ele em Paris, onde jantei no seu espaço. Criou-se uma empatia. Ele é super acessível uma pessoa única!", confessa, entusiasmado, concluindo que se identificou muito com o seu trabalho que "tem tudo a ver com o conceito Loco".

 

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Só vinhos bio nacionais no jantar do Loco e nada dos austríacos Gut Oggau, de que Tanaka é louco (ou haverá?) 

 

Ainda segundo Alexandre Silva, o menu que irá ser apresentado no dia 3 de Outubro “será um jantar muito A.T”,  com  oito pratos, porém, criados pelos dois em conjunto e com produtos nacionais. O japonês é um fervoroso adepto de vinhos naturais - uma tendência cada vez mais presente nos restaurantes das novas gerações (e não só), lá fora - mas não irá trazer consigo nenhum dos seus "funky wines", dado que o menu será harmonizado apenas com vinhos nacionais de origem biológica. Por último o preço deste jantar será o mesmo do praticado no A.T,: 150€ (harmonização de vinhos incluída). 

 

Contactos:

Restaurante Loco, Rua dos Navegantes nº53-B 1250-731, Lisboa. Reservas: T.: 213 951 861. Email: reservas@loco.pt

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mesa Marcada no congresso da Estrela Damm que reúne em Lisboa alguns dos melhores chefes ibéricos

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Já tínhamos escrito aqui sobre a vinda a Lisboa, na próxima segunda-feira, dia 19 de Setembro, de Andoni Luiz Aduriz (Mugaritz) e Albert Adrià (Tickets / Pakta...) para participarem no Estrella Damm Gastronomy Congress, junto com Nandu Jubany (Can Jubany,  Calldetenes - Catalunha) e os portugueses João Rodrigues (Feitoria), Henrique Sá Pessoa (Alma) e Kiko Martins (O Talho/ A Cevicheria). Aproveitamos agora para anunciar que o Mesa Marcada será parceiro de media do congresso e que iremos acompanhar com maior detalhe os acontecimentos. Para já, começamos por levantar um pouco o véu sobre o que se irá passar nesse dia, nomeadamente, sobre as apresentações do chefes. 
 
O congresso terá inicio às 11.15h, na Lx Factory, com a apresentação de Kiko Martins que falará sobre o que é o seu restaurante lisboeta A Cevicheria e o próprio ceviche e como se pode viajar pelo mundo com outros sabores e influências. À pergunta do Mesa Marcada de como enquadra a sua apresentação no tema do congresso ("partilhar ideias sobre a cozinha de vanguarda"), o também chefe de O Talho, em Lisboa, refere-nos que faz essa ligação ao “agarrar no tradicional e mostrar como pode ser reinventado utilizando o mundo como inspiração”.
 
Pelas 12.15h será a vez de Nandu Jubany que irá falar sobre “neotradição”. O chefe catalão abriu este ano o Can Carlitos,um novo espaço na ilha de Formentera, e conta com uma estrela Michelin no seu restaurante Can Jubany, em Calldetenes (a uma hora de Barcelona), que celebrou recentemente 20 anos. 
 
Depois, pelas 13h, será a vez de se apresentar no palco Andoni Aduriz. O chefe do Mugaritz falará  sobre as chaves da cozinha de vanguarda: "o conceito da vanguarda gastronómica, o desenvolvimento da criatividade no Mugaritz e como tudo se concretiza no prato". O chef basco, um dos mais interessantes pensadores da cozinha actual, discursará ainda sobre como surgem as ideias, como se inspiram e inspiram os outros, como desenvolvem e e evoluem as técnicas, ou ainda de como o desconcerto, a provocação, a ironia ou a subtileza, são parte das vivências dos comensais que se sentam à mesa do Mugaritz. 
 
Às 15.30h será a vez de João Rodrigues, do Feitoria (Lisboa), partilhar com os presentes as reflexões que tem vindo a fazer (e a colocar no prato) sobre a nova cozinha portuguesa. "Quando pensamos em vanguardismo na cozinha portuguesa, a primeira questão que nos vem à mente é: como descrevemos a cozinha portuguesa actual? Qual é a ideia que se tem da cozinha portuguesa? Como é que passamos a alguém que nos desconhece, que não tem qualquer tipo de referência, uma ideia de cozinha portuguesa? Através do produto? Através de uma forma própria de cozinhar? Através da renovação da tradição? Criamos uma corrente orquestrada de pensamento entre os diferentes chefes ou fazêmo-lo individualmente?" - este é sem dúvida um assunto actual e pertinente que esperamos que possa trazer uma saudável discussão. 
 
Pelas 16.15h, depois de João Rodrigues, será a vez de Henrique Sá Pessoa se apresentar em palco. O chefe do Alma vai continuar a abordar o tema do mar, no seguimento do que fez no Peixe em Lisboa, sendo que desta vez pretende incidir mais sobre o mar dos Açores. Segundo contou ao Mesa Marcada, Sá Pessoa "gostaria de estabelecer uma ligação ibérica na troca e partilha de informação sobre produtos/regiões de excelência na Península Ibérica". O chefe português crê, por exemplo, que os Açores são "um gigante adormecido para os nuestros hermanos" e gostaria de partilhar "o que o mar da região tem para oferecer".  Além de apresentar, também, dois pratos com produtos das ilhas, o autor de "Ingrediente Secreto" referiu-nos que vai "tentar criar", igualmente, "uma água marinha bebível, para dar a provar à audiência, incorporando  o ananás dos Açores", cuja acidez, segundo ele, "casa na perfeição com os produtos do mar".
 
Por fim, a fechar a parte das apresentações individuais, e antes de um período de debate com a audiência, estará Albert Adrià, um dos mais interessantes chefes e empresários da restauração do país vizinho, que se irá focar sobre a essência da criatividade. 
 
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O Estrella Damm Gastronomy Congress surge em Lisboa pelas mãos da marca de cerveja catalã que tem vindo a apoiar o desenvolvimento do canal Horeca, bem como a gastronomia em geral, nos mercados onde está presente, nomeadamente em Portugal. Este evento é dirigido sobretudo a profissionais do sector e surge no seguimento de outros já realizados em Londres e Miami (na foto de cima) - que envolveram chefes locais e de Espanha - e, segundo os seus responsáveis, é um evento a que pretendem dar continuidade no futuro. 
 

Vasco Lello é o chefe do novo hotel Memmo Príncipe Real

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 Uma cozinha que mostre um pouco dos lugares por onde andaram os portugueses desde a época dos Descobrimentos é o tema geral do que Vasco Lello pretende apresentar no novo hotel Memmo Príncipe Real, que deverá abrir dentro de um mês no bairro lisboeta, com entrada por um arco na R. D. Pedro V e belíssima vista para a cidade (o futuro terraço na imagem acima, em 3D). O nome do restaurante do hotel é precisamente Café Colonial e o chefe, de 36 anos, pretende iniciar nele uma nova fase da sua carreira, que teve como momentos mais marcantes até agora a chefia do Flores, no Hotel Bairro Alto, de onde saiu em finais do ano passado, após quatro anos, e presença na equipa do Pestana Palace, na altura chefiada por Aimé Barroyer, entre 2007 e 2011.

 

Foi em Abril deste ano que Vasco Lello começou a dedicar-se a este novo projecto a tempo inteiro. “O tema é muito vasto e dá-me muita liberdade. Não faltam receitas nem produtos para me inspirar”, explicou o chefe do Café Colonial ao Mesa Marcada. De facto, há pratos com influências variadas, mais nítidas as que vêm da Ásia e da América do Sul, sem esquecer algumas bem portuguesas (ver lista no fim). Com uma equipa de 11 elementos, entre os quais o subchefe José Miguel Pereira, que já o acompanha desde o Bairro Alto e o Pestana, ele vai ter um restaurante com 70 lugares, uma parte no terraço ao ar livre, sempre aberto, com pequenos-almoços e pratos ligeiros entre refeições. O espaço aposta ainda na coquetalaria, com um extenso bar no espaço do próprio restaurante.

FotoVL13.jpegO chefe Vasco Lello, aos 36 anos, quer iniciar uma nova fase na sua carreira, depois da passagem pelo Hotel Bairro Alto (Foto: Tiagophotos)

 

Também o facto de ser um projecto que está a ver nascer, construído de raiz segundo o desenho do arquitecto Samuel Torres de Carvalho (um dos sócios do empreendimento, que terá 40 quartos, juntamente com o advogado João Corrêa Nunes e Rodrigo Machaz), foi uma das aliciantes para Vasco Lello aceitar o convite. O grupo detém também o Memmo Baleeira, em Sagres, e o Memmo Alfama, em Lisboa, cada um com um conceito diferente, que se procura se adaptar às características do local onde se encontra. Aliás, o símbolo do Memmo é , significativamente, um camaleão…Para Rodrigo Machaz, de uma família bem conhecida do mundo da restauração e hotelaria lisboeta – com pai, tios e primos com presença actual ou antiga em locais tão conhecidos como hotéis Tivoli, Vela Latina, Estufa Real ou XL -, “houve uma sintonia muito grande desde o início com o Vasco Lello, que nos ajudou a consolidar o conceito. Apesar de sermos um hotel de cinco estrelas, queremos criar um restaurante mais informal e acessível, socialmente interessante, de acordo com o ambiente sofisticado e descontraído que achamos que caracteriza a zona do Príncipe Real”.

 

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 Aqui ficam alguns dos pratos de estreia da lista do Café Colonial (imagem da futura sala, em cima, em 3D) que será renovada periodicamente: Nas entradas: Camarões Café Colonial (salteados com alho, leite de coco e mandioca); Garoupa em Ceviche (sumo de lima, nam plan, chilli e manga); Tempura do Mar (polvo, camarão e caranguejo de casca mole com maionese de kimchi); Asinhas de Frango (molho piri-piri, quiabos e amendoim); Kefta de Borrego (“espetos” de borrego com molho de iogurte e hortelã) e Escabeche do Chefe (perdiz em escabeche tradicional, tostas finas).

 

Nos pratos principais: Robalo com arroz de lingueirão e berbigão (na chapa com arroz carolino de lingueirão e berbigão à “Bulhão Pato”); Black Cod (bacalhau negro em manteiga de miso e chawan mushi de ostras); caril de Mariscos (caranguejo, camarão e mexilhão em mistura de caril caseira); Carolino de Açafrão, vieira e porco bísaro (arroz carolino, açafrão, vieira e barriga de porco bísaro crocante); Wok de massa soba e legumes (legumes salteados com massa soba, tofu e sésamo); Costeletão de novilho maturado (novilho maturado grelhado, palitos de batata-doce e mandioca, feijão de óleo de palma); Tajine de Borrego (borrego assado com ras-el-hanout,cous-cous e legumes assados); Pato Asiático (peito assado com molho hoisin, chow mein de legumes e perna desfiada).

 

Nos doces: Bebinca, ananás e leite de coco (bebinca das sete camadas, gelado de gengibre, coco e ananás); Quindim, maracujá e lima (quindim tradicional com gelado de maracujá e lima); Chocolate de São Tomé, banana e amendoim (chocolate 70%, mousse de banana e praliné salgado de amendoim); Tapioca, chá verde e manga/Taça Café Colonial (tapioca cremosa, chá verde, manga fresca).

 

 

Chef’s Table, a série que entusiasma mesmo quem não se interessa por comida

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Não há rodriguinhos, nem imagens turísticas tipo postal, em Chef’s Table. Nem condescendência com o espectador ou piscar de olhos à la Rodrigues dos Santos. O registo cinematográfico da série documental é um exemplo de como se pode contar uma história com beleza e tranquilidade, sem esconder as imperfeições dos lugares ou das figuras retratadas.

 

Num dos planos iniciais do episódio com Alexandre Couillon, da terceira série que agora estreia, a câmara filma-o de esguelha a abrir vieiras. O chef francês separa uma concha, cheira-a e repete o processo com as seguintes. Parece ligeiramente perturbado, porém, a sua expressão não é conclusiva. Só sentimos a tensão devido à sequência de planos rápidos com cortes repentinos. O mais comum seria reproduzir, de seguida, o cliché do chef com mau génio que atira tudo para o chão. Todavia, a montagem escolhe um caminho menos óbvio. Não instiga e se a situação acontece, não a vemos. Corta o plano e passa para o momento seguinte, em que Couillon aparece ao telefone a desancar no produtor, com frieza, mas sem perder o temperamento.

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O autor e realizador David Gelb durante as filmagens de Chef's Table 

 

Para se conseguir captar momentos como este, sem artificialidade, é necessário uma grande aproximação entre a equipa e o chef. Gelb explica o método. “No início eles dizem o básico e ao fim de três horas já começam a falar do que nos interessa. Contudo, só depois, com o à-vontade, surge a familiaridade necessária e é a partir desse momento que fazemos as perguntas mais intimistas.” Segundo o autor da série, uma equipa de oito pessoas passou em Noirmoutier “dez dias intensos”.

 

O norte-americano conta que Chef’s Table só foi possível fazer graças ao sucesso do seu primeiro filme, Jiro Dreams of Sushi, que se tornou um sucesso mundial. “Jiro foi feito com duas pessoas no local e demorou um ano. Foi uma loucura, fiz de tudo”, confessa. Agora, o Netflix providenciou-lhe um orçamento confortável que lhe deu a possibilidade de ter uma equipa top. Porém, alerta: “Cada dólar aplicado no programa aparece no filme.”

 

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David Gelb com o Chef Alexandre Couillon durante a apresentação à imprensa em Noirmoutier (França)

 

A terceira série é dedicada exclusivamente a França, mas nas duas primeiras brilharam algumas das principais figuras da cozinha mundial, com emergentes à mistura: de Massimo Bottura (da Osteria Francescana, Modena, Itália — o melhor restaurante do mundo, segundo a W50Best), a Grant Achatz (Alinea, Chicago, EUA), passando por Magnus Nilsson (Fäviken, Järpen, Suécia), Alex Atala (D.O.M., São Paulo, Brasil) ou Ben Shewry (Attica, Melbourne, Austrália). “Escolhemos os chefs cujas histórias influenciam a comida ou vice-versa”, conta Gelb. A sua ideia é explorar a comida num registo pessoal e tentar interferir ao mínimo. “Adoro que sejam os chefs a contar a sua história. O meu papel é fazer de curador.” E, claro, além da personalidade e de uma boa história, tudo tem de resultar no ecrã, “as pessoas e os pratos”.

 

Fazer um selecção de chefs na pátria que criou as primeiras celebridades ligadas à cozinha foi certamente um exercício complexo. Contudo, com o pragmatismo natural de um norte-americano, Gelb explica que, no caso de Alexandre Couillon, pretendiam alguém desconhecido que pudesse ser interessante. “So here we are!”

 

Quanto aos outros eleitos desta terceira temporada, o autor de Chef’s Table justifica-se. Michel Troisgros (La Maison Troisgros, Roanne) representa “a tradição e o futuro” e Adeline Grattard (Yam’Tcha, Paris), o lado exótico e atípico da capital francesa. E Alain Passard? “Bom, Passard, é Passard.”

 

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imagem de cena de um dos pratos de Adeline Grattard do Yam’Tcha, Paris

 

Chef_2_Troisgros_00162R.jpgMichel Troisgros do La Maison Troisgros, (Roanne) numa das cenas do seu episódio de Chef's Table

 

A quarta série já está em preparação, tendo a equipa andado pela Rússia, com Vladimir Mukhin, Peru, com Virgilio Martinez, Alemanha, com Tim Raue, e Estados Unidos, com Nancy Silverton e Ivan Orkin. Com este último e, sobretudo, com Jeong Kwan, uma monja budista sul-coreana, Chef’s Table arrisca sair fora do contexto clássico dos chefs de cozinha. Este será um dos caminhos a explorar no futuro, ainda que não pretendam deixar o universo original.

 

Quanto a algumas ausências mais evidentes, Gelb justifica-as. Não filmaram Michel Bras, porque existe um filme recente sobre o francês; quanto a René Redzepi, confessa que tem muita vontade de fazer alguma coisa com o responsável do Noma, mesmo que já haja três ou quatro documentários sobre o dinamarquês. Questiono-o sobre a ausência de Espanha, que possui alguns dos chefs mais influentes das últimas décadas, e Gelb responde com algum embaraço. “Sim, teremos de fazer algo especial com eles. Ainda não calhou.” Por fim, quase na despedida, a pergunta inevitável: e Portugal? Nesse momento, quando acabava de responder que nunca tinha estado no país, um membro da sua equipa interrompe-nos: “Oh boy, tens de conhecer. Portugal é incrível!”. Gelb sorriu e dirigiu-me um desafio: “Se tiveres alguém com uma boa história, ou se houver uma boa história para contar, diz-me.”

 

Fotos: Lucie Cipolla / Netflix excepto a terceira de Miguel Pires

 

Reportagem publicada originalmente na revista Fugas, do jornal Público, de 3 Setembro. Viagem efectuada a convite da Netflix. 


Noirmoutier, o que é que esta ilha tem?

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Tem uma aura especial, praias semi-adormecidas, produtos de excepção e Alexandre Couillon, um chef de terroir talentoso e persistente que conta com duas estrelas Michelin. Ah!, e também tem, agora, um episódio Chef’s Table que documenta a relação entre ambos.

 

Quando David Gelb se senta ao nosso lado na mesa do restaurante La Marine, em Noirmoutier, não consegue evitar o contentamento: “Uau, finalmente estou aqui!” Gelb é o autor da aclamada série documental Chef’s Table, cuja terceira temporada, inteiramente dedicada a cozinheiros franceses, acaba de estrear na Netflix. O nova-iorquino, de 33 anos, não realizou o episódio dedicado ao chef local Alexandre Couillon, mas acabara de o editar e estava desejoso de observar in loco tudo o que vira no ecrã.

 

Noirmoutier é uma ilha pacata meio parada no tempo. Situada na região do País do Loire, na costa atlântica francesa, a sua paisagem natural e o aspecto cuidado e discreto do casario dão-lhe uma aura especial. Talvez porque o local se afaste da ideia comum que temos de uma estância balnear. Por aqui não há grandes hotéis, nem o turismo de massas associado. E ainda que a população (com pouco mais de oito mil habitantes) aumente exponencialmente em Agosto, o local mantém uma certa pacatez e um ambiente familiar.

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A ilha é plana e pequena (45km2) e a paisagem uma recompensa que convida a pedalar. Por isso não é estranho que se dê maior uso à bicicleta em detrimento do carro e, não raras vezes, com a família atrelada. Aliás, este é o meio de transporte ideal para vaguear por vilarejos, atravessar campos e os seus canais, as salinas, o Bois de la Chaize, o pontão da Reserva Natural de Mullembourg ou uma das graciosas praias de areia fina e mar sereno azul. Em termos geográficos, estamos quase na costa oposta ao Mediterrâneo, embora a temperatura (incluindo a da água), a cor do mar e as casas de paredes brancas e telhados de tijolo, aproximem os dois territórios. Ou, pelo menos, mais do que poderíamos imaginar.

 

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Da terra e do mar

 

Sabendo o propósito da viagem, o jovem motorista que nos conduz do aeroporto de Nantes ao nosso destino surpreende-nos com um conselho. “Não deixem de provar as batatas de Noirmoutier.”

Já no quarto do hotel, ao procurar restaurante para jantar num guia gastronómico local, lá encontro a menção especial à “mais marítima das batatas”, entre uma dúzia especialidades e produtos de referência regionais. Ao que parece, os solos arenosos adubados com as algas recolhidas na maré baixa conferem ao tubérculo uma característica peculiar: o sabor ligeiramente salino. Entre as variedades cultivadas na ilha, destaca-se a la bonnote, tão valiosa e apreciada que o guia alerta para que se verifique a existência do logótipo da cooperativa agrícola local na embalagem, não vá estar-se a comprar uma imitação. É que a “Rolls Royce” da terra de Noirmoutier é recolhida apenas durante uma dezena de dias, em Maio, e o seu período de conservação é curto.

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 batatas de Noirmoutier

 

A noroeste da ilha, em L’Herbaudière, encontramos o principal porto de pesca local. Em tempos foi um grande centro da indústria conserveira de sardinha. Todavia, a escassez deste peixe encerrou o negócio e, hoje, os 60 barcos de pesca existentes dedicam-se, sobretudo, à apanha de variedades nobres, como o robalo, a dourada ou o linguado, e ainda a lagosta ou o lavagante.

 

Um pouco por todo o lado vêm-se placas toscas a anunciar a venda de ostras. Os registos revelam a sua introdução na área no inicio do século XIX, mas a actividade começou a desenvolver-se sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. De sabor elegante e levemente iodado, as ostras de Noirmoutier apresentam uma tonalidade azulada, devido à micro-alga blue navicula que se desenvolve na zona. Estas ostras são “semeadas” no seu habitat natural, em redor da ilha, onde permanecem durante três anos. Depois desse período retiram-se para valas e passam à fase de maturação, sendo afinadas de acordo com as características pretendidas por cada produtor. Todos os anos saem de Noirmoutier cerca de mil toneladas do molusco. Contudo, este é ainda um trabalho com uma forte componente artesanal, tal como acontece com a actividade levada a cabo nas salinas de onde se extrai a delicada e clara flor de sal, rival da famosa vizinha de Guérande.

 

Comida simples

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O bistrot Le Petit Blanc e a sua cozinha 'lionnaise'

 

A consulta do guia de restaurantes locais leva-me para o centro histórico de Noirmoutier-en-L’Île, a principal localidade. É quinta-feira e, apesar de estarmos em época alta (Julho), são vários os restaurantes fechados. É o caso do Le Cass’poï, junto ao castelo, que oferece uma cozinha de mercado despretensiosa com produtos de temporada.

Procuro um lugar simples, dado querer guardar-me para a cozinha de Alexandre Couillon, do La Marine, no dia seguinte. A uma centena de metros dali, um pequeno bistrot, o Le Petit Blanc, dá sinais de vida. Ainda é cedo. A França joga nessa noite contra a Alemanha a possibilidade de disputar a final do europeu contra Portugal e, talvez por isso, consigo um dos poucos lugares disponíveis. O lugar serve comida lionnaise e é sem dúvida um bistrot: espaço apertado e aconchegante; ele na cozinha e ela na sala; menu fixo, escrito na ardósia, com seis ou sete propostas (para pedir duas ou três) e vinho da casa. Escolho a terrina de fígado de porco com pistácios e molho bearnaise, de entrada; um filete de dourada com gratinado de beringela como prato principal e o gâteau lyonnais et son coulis d’abricots de sobremesa. Bolo esponjoso com calda de açúcar e amêndoa, pera e molho de alperces, combinam? Sim, bastante. Tal como a experiência no geral. No fundo, era o que pretendia nessa noite: comida simples, bem elaborada e com sabor, vinho a jarro potável e serviço diligente. Tudo por menos de 30 euros.

 

Deixo o restaurante e pedalo até casa, ainda com tempo de sobra para parar num café. Acompanho um pouco do jogo, mas o local está lotado e faço-me ao caminho antes de terminar. A meio do percurso, soam foguetes de alegria. A França está na final. Que pena não ficar para ver esse jogo...

 

Couillon e a ilha no prato

 

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 Alexandre Couillon numa fotografia de cena retirada do seu episódio de Chef's Table (Foto: 

 

As actividades ligadas à terra e ao mar, bem como o turismo, têm ajudado a reter uma boa parte da população de Noirmoutier durante todo o ano. É o caso dos Couillon.

 

O pai fora marinheiro e pescador e a mãe costureira. Quando Alexandre tinha seis anos, a família comprou um café a que chamaram La Marine. Abriam apenas no Verão e serviam pratos para turistas: peixe, marisco e tarte de maçã. Eram pratos bem simples, reveladores de que a mudança de vida dos progenitores tinha sido mais uma oportunidade surgida do que propriamente uma vocação.

 

Alexandre Couillon viveu na ilha toda a sua infância e boa parte da adolescência de uma forma muito livre, “como um Tom Sawyer”. Estudar não era a sua praia, o que o levou cedo, com 17 anos, a procurar um emprego de forma a canalizar toda a sua energia. Acabou por bater à porta de um chef bretão que lhe ensinou o ofício e lhe deu disciplina. Foi esse o momento da viragem, o momento em que decidiu que era aquela a direcção que queria tomar.

 

 Um dia, estava a trabalhar na cozinha de Michel Guerárd, em Eugénie-les-Baines (o Les Prés d’Eugénie, três estrelas Michelin), quando recebeu uma chamada. Era o pai. Queria dizer-lhe que estavam a pensar vender o La Marine, mas que se quisesse poderia ficar com o restaurante. A sua reacção imediata foi dizer que não, uma vez que pretendia continuar a evoluir ao lado de grandes chefs. Contudo, ficou a matutar sobre o assunto e, com a insolência própria de quem tinha pouco mais de vinte anos, começou a pensar que aquela talvez fosse uma boa ocasião para se afirmar e, quem sabe, colocar Noirmoutier no mapa gastronómico. Fez então um pacto com a sua mulher, Céline, natural da ilha como ele e namorada desde os tempos da escola. Ficariam durante sete anos. Se passado esse tempo não resultasse, pegava nas coisas e procuraria emprego noutro restaurante. Assim foi. Ligou ao pai e seguraram o restaurante. Porém, não tinham grande noção no que se tinham metido. O francês queria fazer uma cozinha de autor mas Noirmoutier não era um destino gourmand e, após o Verão, os turistas desapareciam. Como se não bastasse, Couillon sentia-se perdido, sem um rumo a seguir.

 

 Apesar das dificuldades, o restaurante foi-se impondo, ainda que tenuemente. Continuavam a trabalhar que nem uns loucos, sobretudo fora da estação alta, quando o staff era reduzido ao mínimo. Tinham passado seis anos e estavam prestes a desistir. Porém, quando se aproximavam do período limite chegou a boa notícia: o guia Michelin acabara de lhes atribuir uma estrela.

 

O galardão permitir-lhes-ia respirar, mas Alexandre Couillon não estava contente com a sua cozinha e começou a questionar-se. Achava que o que estavam a fazer era muito clássico, queria repensar tudo e ter uma proposta mais contemporânea e criativa.

 

Uma das decisões que tomaram foi a de construir um novo espaço, sendo que o antigo mudaria de nome, passava a chamar-se La Table d’Elise e teria uma proposta mais tradicional e acessível. Todavia, continuava a faltar uma ideia central para a cozinha do novo La Marine. Surgiam pratos novos, mas alguns deles confusos, com muitos ingredientes. Couillon continuava insatisfeito. Havia que simplificar e encontrar um caminho. Até que um dia, um erro feliz mudou tudo. Pedira a um estagiário que fizesse um caldo de lula mas esquecera-se de lhe dizer que deveria retirar a tinta, o que acabou por dar origem a um caldo intenso e escuro. Ao olhar para o resultado, o chef francês teve uma espécie de epifania: começou a lembrar-se do derrame do petroleiro Erika, um caso dramático que anos antes acontecera na ilha, com graves consequências nos recursos marítimos da área.

 

Couillon pegou no caldo, reduziu-o até criar um molho denso e deitou-o sobre uma ostra. Chamou-lhe “ostra negra Erika”. A combinação agradou-lhe, quer em termos de sabores, quer visualmente. Estava encontrado o caminho: criar e confeccionar pratos mais simples, com ingredientes locais e que contem a história da ilha. Em 2013, o La Marine conquistou a segunda estrela Michelin e Noirmoutier entrou no mapa.

 

À mesa do La Marine

 

A ostra Erika teria de ser um prato obrigatório no almoço entre a imprensa e David Gelb. De facto, trata-se de uma proposta extraordinária. Na sua apresentação minimalista (negro sobre branco), na textura densa (molho) e delicada (ostra) e no sabor intenso, mas elegante. Tinha sido precedida de outro prato brilhante, “conchas e crustáceos a bordo”, um caldo perfeito com os melhores mariscos que se apanham nas águas da região. Como se não bastasse, ainda chegou à mesa um lavagante grelhado, com cenoura e capuchinha. Porém, Alexandre Couillon também possui grande afinidade com peixes ditos menos nobres da zona, como é o caso da cavala — que comemos fumada e servida numa espinha limpa e ainda (triturada) em “trufa” com café —, ou do badejo de textura delicada, que nos serviu com curgete, melão e leite de cabra.

 

Os produtos da terra são igualmente a sua grande paixão, ou não tivesse uma horta própria que fornece ao restaurante quase tudo o que precisa. Não é a época da la bonnote, mas a batata teria obviamente de estar presente no menu, fosse numa textura cremosa, num dos snacks iniciais, ou como acompanhamento de uma pintada. Outro vegetal que merece a preferência de Couillon é a beterraba. No almoço tivemos direito a ela como elemento principal de numa pequena tartelette e, também, como acompanhamento de uma lula de textura e sabor exemplares. 

 

Os pratos do chef francês seguem a linha evolutiva de uma cozinha mais naturalista centrada no produto e não tanto na técnica. Quer dizer, a técnica e uma certa complexidade estão lá, mas não para serem exibidas na cara do cliente. A parte doceira segue o mesmo conceito de união com a ilha. Por exemplo, uma das sobremesas, “balada no Bois de la Chaize”, é uma representação do bosque local, com um gelado que leva resina de pinheiro, servido sobre “musgo” (sponge cake) de chá verde e “terra” de chocolate.  

 

Na conversa com David Gelb (ver texto nestas páginas), o autor de Chef’s Table refere que um dos critérios para fazer parte da série se prende com a personalidade do chef e de uma boa narrativa que este tenha para contar. Alexandre Couillon tem essa história e coloca-a no prato com mestria. A mesma mestria com que Gelb e a sua equipa a servem no ecrã. 

 

 

IMG_9617.JPGCavala fumada

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Conchas e crustáceos a bordo

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ostra Erika

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 Lula, couve flor, beterraba e salsaIMG_9581.JPG

badejo de textura delicada, que nos serviu com curgete, melão e leite de cabra

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Como ir


Tanto a TAP como a Transavia voam regularmente para Nantes. Daqui a Noirmoutier distam 77km, que se percorrem de carro em pouco mais de uma hora ou de autocarro em 1h40. Na ilha existem alguns transportes públicos, mas a bicicleta é o meio ideal de locomoção.

Onde dormir


Não há grandes hotéis de luxo ou de cadeias conhecidas, mas há vários lugares confortáveis e com um certo charme, como o Ancre Marine, o La Chaize ou o La Villa en l’Île.

Onde comer


O La Marine (5 Rue Marie Lemonnier; tel.:02 51 39 23 09) é sem dúvida o principal restaurante da ilha. Contudo, para além deste duas estrelas Michelin, a ilha conta com um conjunto de pequenos restaurantes de cozinha simples e preço mais acessível que servem produtos da região.

 

Fotos: Miguel Pires (excepto a primeira, de divulgação, e restantes assinaladas)

 

Reportagem publicada originalmente na revista Fugas, do jornal Público, de 3 Setembro. Viagem efectuada a convite da Netflix. 

 

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Chef’s Table, a série que entusiasma mesmo quem não se interessa por comida

Congresso dos Cozinheiros e Lisbon Food Week, quem arrisca sobe ao palco.

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Está à porta mais um Congresso dos Cozinheiros (CNC), o fórum profissional que se realiza desde 2005, e que este ano tem como tema o risco. Refere a organização que "cada vez mais vemos chefes e empresários a deixar projectos, muitos já consolidados e portos seguros, para arriscar ir mais longe, consolidar ideias e apresentar novos conceitos", bem como novos modelos  - "a cozinha na sala, a sala na cozinha, a pastelaria no palco principal"). 

 

É sobre estas movimentações e o risco inerente a vários níveis  - "no investimento, nos conceitos, naquilo que se apresenta ao cliente, no serviço e no prato" - que se irá falar no palco do congresso, que decorre nos próximos dias 27 e 28 de Setembro, na Lx Factory, em Lisboa. Entre os oradores convidados encontram-se nomes como: Nuno Mendes - Taberna do Mercado), Leandro Carreira (LC at Climpson Arch), Cláudio Pontes (Sushi Samba) - os três a trabalhar em Londres -, ou ainda João Rodrigues (Feitoria), Ljubomir Stanisc (100 Maneiras), Henrique Sá Pessoa (Alma), Nuno Diniz (Tágide), Alexandre Silva (Loco), Francisco Siopa (Siopa Chocolatier) ou Rui Martins (Rib Beef & Wine - Porto). 

 

Contudo, os críticos que alegam que os palcos pertencem sempre aos mesmos terão um grande motivo para marcar presença, dado que será dada especial voz uma série de jovens profissionais "que ainda lutam pelo seu lugar ao sol", segundo palavras dos organizadores. Entre estes apresentam-se nomes como Manuel Lino (Trio - Lisboa), Pedro Pena Bastos (Esporão - Monsaraz), Rodrigo Castelo (Taberna Ó Balcão - Santarém), Hugo Brito (Boi Cavalo - Lisboa), Miguel Peres  (Pigmeu - Lisboa),  Ana Moura ( Cave 23 - Lisboa), entre outros. 

 

Porém, este ano, o CNC surge integrado num movimento mais alargado, o Lisbon Food Week (LFW), que apresenta um programa de uma semana - de 23 a 30 de Setembro - dedicada à gastronomia, nas suas mais diversas vertentes - dos restaurantes às tascas, dos chefes aos clientes, dos jantares às conversas, da cozinha de autor à comida de rua.

 

Esta iniciativa é uma nova tentativa de trazer para fora do CNC uma série de actividades abertas a um público mais alargado - como é sabido, o Congresso dos Cozinheiros, é um evento dirigido sobretudo a profissionais do sector da restauração - e, entre outras actividades, haverá uma série de jantares especiais, como o que reúne os chefes Hugo Brito, Vitor Areias Francisco Magalhães, Rui Manuel e Leopoldo Garcia Calhau e que terá como tema "uma cozinha lisboeta imaginada" ou, ainda, o "jantar com queijo" que irá decorrer na Queijaria sob a responsabilidade de André Magalhães e Ivan Fernandes. 

 

Sobre o jantar "uma cozinha lisboeta imaginada",  refere a organização de que se trata do resultado "de 5 cozinheiros que imaginaram fazer a primeira residência culinária do país". Segundo a mesma fonte, estes profissionais "não dormiram debaixo do mesmo tecto, mas à beira Tejo se encontraram sucessivamente até chegar ao menu apresentado nesta noite, com muita loucura sobre Lisboa". O jantar realiza-se no dia 23 de Setembro, às 20h, no Espaço Espelho D’ Água – Av. Brasília (Reservas: 213 010 510 ou info@espacoespelhodeagua.com).

 

Já no caso do jantar na Queijaria, no dia 29 de Setembro, o chefe da Taberna da Rua das Flores e o do Clube de Jornalistas pretendem celebrar os queijos nacionais e internacionais num cruzamento criativo. Prometem os promotores deste encontro que "o queijo terá o seu  lugar à mesa junto com a carne e o peixe, os legumes e frutas e claro, o pão e o vinho". (Reservas: 213 460 474 ou queijaria@queijaria.pt). 

 

Haverá ainda um terceiro jantar especial, no dia 26 de Setembro, no novo restaurante Trio, de Manuel Lino, em que este chefe irá receber a dupla de chefes pasteleiros Telmo e Andreia Moutinho para um combate, "onde a pastelaria diz que vai fazer frente à cozinha". (Reservas: 912 087 901 ou info@restaurantetrio.com. 50€ /pax - Jantar degustação com bebidas incluídas). 

 

Estes são apenas alguns dos momentos de uma programação com vários apresentações, debates e pontos de interesse, a que esperemos que venha a ter uma grande adesão. 

 

Seis chefes à procura das chaves da vanguarda e muito mais

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Estrella_Damm_GC_34FC.jpgCerca de 400 convidados compareceram nesta segunda-feira ao primeiro Congresso de Gastronomia Estrella Damm, que decorreu na Lx Factory, em Lisboa. Sendo o tema “As Chaves da Cozinha de Vanguarda”, a verdade é que, além de muitas pistas para o explorar, houve também ocasião para os seis chefes portugueses e espanhóis que se apresentaram mostrarem o trabalho que estão a realizar actualmente, assim como as reflexões que o justificam, o que certamente agradou à plateia - constituída essencialmente por profissionais de cozinha, de sala, jornalistas e bloggers especializados e outras pessoas ligadas ao sector da restauração - que não arredou pé até ao final do evento.

 

Kiko Martins deu início à sessão da manhã numa apresentação que começou por mostrar o seu pensamento sobre o que é necessário para uma cozinha de vanguarda. “Conhecimento” sobre a história do mundo e da cozinha, domínios das bases da cozinha e dos produtos, bem como uma dimensão cultural. Depois, “Pessoas”, ou seja saber quem são, o que comem, como vivem, o que procuram e o que as faz felizes. Surge então a busca da “Experiência”, com o chefe português a indicar aspectos bem concretos a ter em conta por quem cozinha a esse nível, como a frescura dos ingredientes, as preocupações com a saúde, as restrições alimentares, a diminuição dos hidratos e o carácter de partilha dos pratos.

 

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 Kiko Martins explicou o seu modo de ver as "chaves da vanguarda" e mostrou como faz os ceviches que lhe deram fama

 

Outras reflexões se seguiram nesta bem organizada intervenção inicial, com Kiko Martins a considerar que, por muita evolução técnica que haja, nunca se deve esquecer que o mais importante continua a ser o sabor, que não se deve ter medo de falhar nem de se ser, na cozinha, “não democrático”, no sentido em que não se deve deixar de arriscar por receio de não agradar ao cliente. Para terminar esta primeira parte teórica, haveria ainda a chamada de atenção para três outras “chaves”: o “Planeta Terra”, com a escassez crescente de recursos, com o desperdício (“40% dos alimentos que produzimos acaba no lixo”, afirmou o chefe), com a alteração da forma como comemos; a “Insatisfação” que deve nortear o trabalho na cozinha, ambicionando mais, inovando, procurando melhorar e, por fim, o “Mundo”, com as vantagens de conhecer outros países e hábitos. “Viajar é tudo”, foi a frase com que concluiu esta primeira parte.

 

Seria precisamente esta última “chave” que daria o mote à segunda parte da apresentação, que começou com a exibição de um filme sobre a viagem ao Peru que Kiko Martins fez e que seria determinante para abrir A Cevicheria, um dos projectos mais bem sucedidos que Lisboa conheceu nos últimos anos. Passou-se então para a parte prática, com o chefe a mostrar como se faz um “leche de tigre” e a sua importância no ceviche, demonstrada num ceviche tradicional, com peixe branco, e noutros dois à base de atum, da autoria do chefe português.

 

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 Nandu Jubany fez uma apresentação de vários pratos da sua cozinha de "Neotradição" catalã

 

A apresentação do chefe que se seguiu contrastou bastante com a de Kiko Martins, já que o catalão Nandu Jubany, que intitulou “Neotradição” a sua intervenção, não abordou muito a parte teórica, partindo de imediato para a cozinha, que incluía um forno Josper mesmo ao lado do palco. Ficou, no entanto, bem claro, que Jubany, que tem o seu restaurante-bandeira Can Jubany (uma estrela Michelin), em Vic, a uma hora de Barcelona, aposta na proximidade e rastreabilidade dos produtos, muitos deles provenientes de uma horta que cultiva ao lado restaurante e de fornecedores locais, entre quais um matadouro, onde sabe a origem dos animais cuja carne utiliza.

 

O “mar e montanha”, tão presente na cozinha da Catalunha, marcou dois dos três pratos que apresentou, sendo que o primeiro, um arroz cremoso de camarão, preparado à maneira de um risotto, tinha como curiosidade a utilização de uma “cebola negra”, já assada quando acrescentada ao refogado. Depois, uma apetitosa combinação de enguias grelhadas no Josper com pancetta assada lentamente e por fim o tutano de osso de vitela com ostras e os típicos calçots catalães.

 

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 Os convidados seguiram com especial atenção as apresentações dos seis chefes portugueses e espanhóis

 

Para terminar a sessão da manhã, subiu ao palco Andoni Luís Aduriz, um dos mais conceituados chefes do mundo, conhecido pelo enorme nível de inovação que consegue manter no Mugaritz (duas estrelas), desde finais dos anos 90, com criações que influenciam chefes um pouco por todo o lado. Como é habitual, o chefe basco, excelente comunicador, prendeu a atenção da assistência com uma exposição onde realçou o difícil processo de estar na vanguarda, com uma sucessão de tentativas e erros que levam ao resultado final. No teste ao pratos do Mugaritz (“todos os anos apresentamos umas 100/150 propostas”, sublinhou Aduriz), participam não só cozinheiros, mas também gente de profissões tão diversas quanto sociólogos, filósofos ou publicitários. Um vídeo mostrava esse processo de teste, neste caso tendo à mesa Ferran Adrià, com quem Aduriz trabalhou, no El Bulli, nos anos 90, antes de abrir o Mugaritz.

 

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 Excelente comunicador, Andoni Luis Aduriz fez uma apresentação em que explicou o processo criativo do Mugaritz

 

O chefe basco apresentou então alguns dos seus últimos pratos, realçando o carácter de imprevisibilidade e de descontextualização que marcam a sua cozinha, que o levou, já há muitos anos, a retirar a estrutura clássica dos menus (entradas-peixes-carnes-sobremesas), inadequada para o que faz. Foram então vistas complexas preparações de bolhas solidificadas, cabeças de alho glaceadas (previamente banhadas em cal) ou até cannellone “vivo” (com chia germinada) recheado com lavagante (morto), entre outros exemplos que provocaram fortes aplausos entre quem assistia.

 

Veio então a pausa para almoço, em que não faltou Estrella Damm à pressão e também garrafas de Inedit, a cerveja criada especialmente por Ferran Adrià e a sua equipa para a empresa catalã. Acompanhavam pratos de Kiko Martins, como o Ceviche Puro (peixe branco, puré de batata doce, cebola, algas e “leite de tigre”); Taco de Tártaro d'O Talho (novilho, mousse de rábano e taco); Mini Sandes Surf And Turf (lombo de porco preto, camarão e pão de batata doce); Causa de Polvo BBQ (polvo assado, puré de batata preto, cebola assada e courato); Chocolate, Amêndoa e Banana (bolo de banana, cremoso de chocolate e amêndoa, caramelo salgado).

 

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 A pausa para almoço, com pratos de Kiko Martins e cerveja Estrella Damm, proporcionou momentos de convívio e conversa entre os quase 400 convidados presentes


Tudo devidamente apreciado pelos convidados, que conversavam animadamente. Entre os presentes, estavam vários chefes, como André Lança Cordeiro, António Nobre, Bertílio Gomes, Carlos Fernandes, Diogo Rocha, Hans Neuner, João Sá, José Avillez, Luís Gaspar, Marlene Vieira, Miguel Castro e Silva, Miguel Laffan, Milton Anes, Nuno Barros, Paulo Pinto, Pedro Mendes, Pedro Pena Bastos, Tiago Bonito, Tiago Feio e Vítor Areias.

 

A seguir ao almoço, foi a vez de João Rodrigues trazer a palco o seu trabalho e também muitas interrogações que se prendiam com o tema do congresso. Salientando as realidades dos dois países ibéricos, com a Espanha com uma cozinha de vanguarda famosa mundo fora e Portugal bastante mais desconhecido internacionalmente, o chefe do Feitoria, do hotel Altis Belém (uma estrela Michelin), falou sobre vários problemas que encontra, desde a dificuldade em ter bons fornecedores que também sejam confiáveis em termos de regularidade, no facto de só recentemente muitos chefes terem espaços onde consigam mostrar a sua cozinha, das melhores formas de renovar a tradição ou de ter oportunidade para o processo de “experimentação-erro-nova tentativa” (de que falava Aduriz) ou se haverá capacidade dos nossos chefes avançarem em conjunto ou se, pelo contrário, haverá antes uma soma de caminhos individuais.

 

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João Rodrigues mostrou através de vários pratos a sua visão do que considera essencial na cozinha portuguesa 

 

Na parte prática, João Rodrigues, até pelo facto de trabalhar num hotel onde há muitos clientes estrangeiros, evidenciou nos pratos que apresentou uma tentativa de “explicar” a quem não nos conhece algumas características da cozinha portuguesa. Foi o caso do “Como se fosse um Bacalhau à Brás”, em que o típico prato é desconstruído numa emulsão de bacalhau, sames e línguas estufadas, uma gema panada com azeitona desidratada, batata palha “normal” e rebentos de salsa. O chefe do Feitoria colocou a sua versão, na qual é pedido ao cliente para misturar à mesa os diversos componentes, ao lado do prato tradicional. Uma maneira interessante de se distinguir os sabores.

 

O segundo prato também partiu sobre uma reflexão. O chefe lisboeta considera que se está a valorizar bastante mais os vegetais e a maldiçoar o mundo animal. Porém, para ele, o mais importante é a qualidade de ambos e o rastreamento da sua origem. Este prato, que apresentou, evoca também as memórias de infância de João Rodrigues, quando, no dia da matança do porco, se grelhavam de imediato as miudezas, na fogueira. O chefe decidiu criar um prato em que o mundo vegetal se sobrepusesse ao animal e apostou num coração de alface grelhado, sumo de beterraba a simular sangue, um simples presa de porco, queimando gordura para trazer à mesa o cheiro da fogueira original da matança. No terceiro prato, uma homenagem ao arroz português proveniente de Alcácer do Sal, no encontro da água doce com a salgada, com bivalves menos utilizados (bomboca, amêijola, berbigão) e a sua “água”, e ainda um inusitado junco. “O interior parece o coração do palmito”, explicou João Rodrigues. Por fim, um prato inspirado no cozido à portuguesa, com terrina de cabeça de porco e outros enchidos em puré, assim como feijão e nabo.

 

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Henrique Sá Pessoa fez uma apresentação baseada nos produtos açorianos que o têm fascinado nos últimos anos

 

Para completar a presença portuguesa no Congresso Estrella Damm, faltava Henrique Sá Pessoa. Que não veio só, já que também subiram ao palco uma grandiosa mesa com peixes e mariscos dos Açores e ainda Pedro Bastos, da Nutrifresco, especialista renomado em tudo o que se pesca em Portugal. O chefe do Alma começou por explicar que, por motivos familiares, há cerca de oito anos passou a visitar mais os Açores e descobriu a enorme riqueza dos mares de lá, com cracas e cavacos, encharéus, vejas, lírios, bicudas, salmonetes-do-fundo (ou escamudos), atum serrajão, entre vários outros. Por outro lado, o seu menu Costa a Costa, que inaugurou na altura do último Peixe em Lisboa (onde Sá Pessoa se apresentou), em Abril, tem tido uma grande aceitação e ele decidiu que o iria renovando com peixes sazonais.

 

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 Enquanto Sá Pessoa cozinhava, o especialista Pedro Bastos fez uma intervenção a mostrar a riqueza do mar dos Açores, tendo ao lado uma mesa com peixes e mariscos do arquipélago

 

Além do que vem do mar, também muitos produtos da terra açoriana têm deslumbrado Henrique Sá Pessoa e, por isso, o prato que decidiu apresentar tinha também no famoso ananás da região um dos pontos fortes. O ananás foi assado ao sal e reduzido a puré, sendo depois conjugado com pickles de algas, águas de mexilhão e de percebes, bem com os próprios bivalves e ainda cavala marinada e mais algas. Enquanto o chefe do Alma preparava o seu prato, Pedro Bastos fez uma interessante apresentação das características do mar dos Açores e de algumas das muitas espécies que ali vivem, destacando a rara cavala-da-Índia (ou peixe-serra, como é conhecido em Cabo Verde, ou wahoo, em inglês), mais habitual em águas tropicais.

 

Chegou então a altura de encerrar as apresentações com Albert Adrià, chefe catalão que fez grande parte da carreira ao lado do irmão Ferran no lendário El Bulli, onde esteve 23 anos, para nos últimos tempos se lançar numa série de restaurantes próprios em Barcelona, sendo o Tickets o mais famoso- “recebemos mais de um milhão e meio de pedidos de reserva por ano”, revelou. A sua reflexão sobre o tema do congresso começou por incidir sobre a ideia de “tradição” e dos perigos que ela pode implicar, nomeadamente de dois dos elementos que Adrià menos aprecia, a intolerância e o imobilismo. O chefe catalão também salientou que há tradições boas e outras más, dando como exemplo destas últimas a escravatura, o racismo ou os maus tratos infantis. E também que aquilo a que chamamos tradição está sempre em evolução. “O sushi que fazemos hoje no ocidente pode vir a ser visto como uma tradição daqui a uns anos, ou o abacate ou o salmão, que quando eu comecei quase não se utilizavam. Eu próprio, daqui a cem anos, poderei ser visto como tradicional”, afirmou.

 

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Albert Adrià fez uma apresentação que incluiu reflexões sobre tradição e vanguarda, demonstração de vários pratos do Tickets e ainda revelou como vai ser o ser novo e espectacular restaurante

 

Para Albert Adrià, a criatividade está dependente de vários factores, mas ele salienta que há três fundamentais: “money, money e money”. “Com dinheiro, posso ter equipa, espaço e tempo para criar pratos, testá-los e apresentá-los bem”, resumiu. Quem estava na assistência teve então oportunidade para ver imagens do que virá a ser o Enigma, o novo restaurante do chefe, cuja abertura deverá acontecer dentro de poucas semanas, e que terá um espaço de 700 m2 e apenas 24 lugares.

 

O chefe entrou então na parte final da sua apresentação mostrando uma série de pequenos pratos do Tickets, não recorrendo, como realçou, a equipamentos sofisticados, como tosta de biqueirão e taramá (versão 2015), lulinhas recheadas com pancetta, aproveitamentos de atum e de carne wagyu chilena e vários outros. No final, fez questão de chamar a atenção de que aquela não era necessariamente a cozinha de Albert Adrià mas sim a cozinha do Tickets, desenvolvida por ele e por elementos da sua equipa de acordo com o conceito do restaurante.

 

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 A assistência manteve-se atenta durante toda a jornada, que encerrou com o período de perguntas

 

Antes de se dar por encerrada a jornada, ainda houve um pouco de tempo para algumas perguntas aos seis chefes, moderadas por Miguel Pires, do Mesa Marcada, que conduziu todas as apresentações, tendo ficado bem patente entre os presentes a importância de se realizarem encontros como este, não só pela qualidade das apresentações e pelo que se aprende com elas, mas também por proporcionarem um maior conhecimento entre os chefes de Portugal e Espanha. Para ano, esperemos, há mais.

 

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Central de Virgilio Martinez é novamente o melhor restaurante da América Latina (e há um português na lista)

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Pelo terceiro ano consecutivo o restaurante Central (Lima, Peru), de Virgilio Martinez conquista o primeiro lugar do ranking dos 50 Melhores Restaurantes da América Latina (Latam50Best), uma iniciativa dos mesmos organizadores do The World 50Best. A lista, divulgada a noite passada na Cidade do México, coloca ainda um outro restaurante peruano no 2º lugar, o Maido, enquanto que o 3º lugar ficou reservado para o D.O.M. de Alex Atala, que sobe  uma posição em relação ao ano passado.

 

Recordo que Virgílio Martinez (na foto de cima, junto com a sua mulher e colega, Pía León) passou pelo Peixe em Lisboa em 2013, onde fez uma apresentação muito interessante perante uma audiência que preenchia apenas metade do auditório. Na sua exposição, o chefe peruano mostrou alguns dos produtos que trouxe clandestinamente consigo recorrendo a eles para mostrar a sua cozinha baseada nos vários habitats que se encontram no país: a cidade e o mar a um nível baixo, a montanha e a Amazónia. Nessa altura Martinez era apenas um chefe emergente de quem se começava a ouvir falar. Porém, uma semana depois começaria a sua rota ascendente, ao entrar, na 50ª posição, na lista do W50Best. Já nos anos seguintes, bom, a subida foi tipo foguete: 15º em 2014, 4º em 2015 e 2016.  

 

7706493.jpegUm dos pratos de Virgílio Martinez, no Central

 

Quando em 2013 foi criada uma lista especifica para a América Latina, o Peru estava no auge e ainda era a época do Astrid e Gastón, que acabou por liderá-la (embora se esperasse que fosse o restaurante de Alex Atala a ficar com o posto cimeiro, dado que nessa altura era o mais bem classificado da lista mãe W50Best). Contudo, nos anos seguintes seria Virgílio Martinez, ex-braço direito Gastón Acurio, a tomar o poder: 1º lugar em 2014, 2015 e, agora, em 2016.

 

O Peru que tem dominado a lista, conquista os dois primeiros lugares, colocando, ao todo 9 restaurantes entre os 50 primeiros, isto apesar dos relatos que chegam sobre o desinvestimento das autoridades peruanas na promoção da sua gastronomia, ao contrário do que acontece com o México que coloca, igualmente, 9 restaurantes na lista, feito idêntico ao do Brasil.

 

Em relação a este último destaque para o Prémio Carreira atribuído a Claude Troisgros e para a entrada mais alta no ranking de A Casa do Porco Bar, na posição 24. Este último é um dos projectos de restauração mais interessantes e inovadores de São Paulo tendo o chef e dono, Jeffim Rueda, conseguido a proeza de trazer os paulistanos para o centro (o restaurante fica junto ao mítico edifício Copan de Oscar Niemeyer) e dar-lhes a comer porco de mil e uma forma diferentes - isto numa cidade onde vaca é sinónimo de carne. 

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Como em tudo, teria de haver um português nestas andanças. Não, a Tasca da Esquina de São Paulo não consta da lista. Porém, o igualmente paulistano Tuju, de que Rodrigo Sobral (na foto), filho de Vítor Sobral, é sócio e chefe de sala, entrou directamente para a 45ª posição. 

 

Confira a lista abaixo bem como uma infografia dos resultados:

 

Entre os brasileiros: 

 

D.O.M (3º), Maní (8º), Olympe (17º), Lasai (18º), A Casa do Porco (24º), Roberta Sudbrack (25º), Mocotó (28º), Remanso do Bosque (44º), Tuju (45º).

 

Geral:

 

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Entrevistas a chefes que sabem comunicar

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O recente Congresso de Gastronomia Estrella Damm, que juntou na LX Factory seis conceituados chefes portugueses e espanhóis sob o tema “As Chaves da Cozinha de Vanguarda”, permitiu que lhes fizéssemos algumas perguntas relacionadas com a importância dos profissionais de cozinha se encontrarem mais, comunicarem mais entre eles, sem rivalidades estéreis nem receios de serem “copiados”, antes como forma de aprimorar o trabalho de cada um e de se sentirem incentivados a prosseguir os seus caminhos. Aqui ficam as seis pequenas entrevistas individuais.


Kiko Martins

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 Costuma comunicar com frequência com outros colegas?

Claro, é muito importante. Sinto que aprendo sempre que falo com outros profissionais, sejam os da minha geração sejam os mais experientes, portugueses ou estrangeiros. Procuro também ouvir gente da minha equipa e sinto que posso aprender muito com alguém que vem, por exemplo, do Nepal ou de um país africano e que me faz ver coisas que entre nós nos passam desapercebidas.

 

Vai também aos restaurantes de outros chefes portugueses, para saber o que eles andam a fazer?
Sou um apaixonado por cozinha japonesa e ela ocupa grande parte do pouco tempo livre que disponho, mas há uma série de restaurantes de chefes portugueses com quem tenho grande afinidade – casos, por exemplo, do Feitoria, do Loco ou do Alma – e gosto sempre de saber o que por lá se passa.

 

Não tem receio de ser demasiado influenciado por eles, de os copiar de alguma maneira?
Realmente, há esse perigo ou pelo menos que as pessoas achem isso, porque muitas vezes desenvolvemos receitas e técnicas em paralelo, sem saber o que cada um está a fazer. Ainda recentemente estive no Feitoria e provei um óptimo coração de alface grelhado que o João Rodrigues inclui na sua versão vegetal de matança do porco. Ora eu e outros membros da minha equipa estávamos precisamente a pensar fazer um coração de alface grelhado…Já não vamos fazer, é claro, porque toda a gente ia achar que o estávamos a copiar.

 

Andoni Luís Aduriz

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Quem acompanha a evolução da cozinha espanhola das últimas décadas fica com a impressão de que os principais chefes se dão muito bem entre eles, que acompanham muito de perto o trabalho uns dos outros. É assim?

De facto, é assim. É claro que temos mais afinidades com uns do que outros, nuns casos já trabalhámos juntos ou encontramo-nos com mais frequência – sobretudo em congressos e viagens – mas de uma maneira geral julgo que há um bom relacionamento entre todos.

 

Até que ponto isso ajudou a evolução da cozinha em Espanha?
Foi muito importante, porque deixámos de ver os chefes como guardiões de segredos, mas antes como pessoas que gostam de partilhar o que descobrem. No meu caso, foi e continua a ser essencial, porque grande parte dos clientes do Mugaritz nem sempre compreenderia bem o que vai comer se antes não houvesse uma série de chefes – e também alguns jornalistas e críticos - que lhes dizem que vale a pena lá ir e lhes explicam ao que devem estar atentos.

 

Portanto, em Espanha, não há receios entre os chefes de se andarem a copiar uns aos outros?
Há 25 anos, quando trabalhava no El Bulli, estávamos a fazer um ravioli de lavagante quando soubemos que o Joel Robuchon ia lançar um ravioli de lavagante. O Ferran Adrià disse para não nos preocuparmos, para seguirmos adiante, porque iríamos fazer o nosso ravioli de lavagante. Ou seja, se um restaurante tem um estilo próprio, não há razões para se preocupar se alguém está a fazer algo de semelhante. Aliás, hoje em dia, com as redes sociais, se alguém fotografa um prato novo do Mugaritz e o põe no Instagram, já sei que, uma semana depois, nalgum restaurante no mundo, estará a fazer algo de semelhante. Não vale a pena nos preocuparmos, até porque é impossível de controlar.

 

Albert Adrià

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Foi uma das principais figuras de um dos restaurantes mais influentes do mundo. Nunca se preocuparam em ser copiados?

Pelo contrário, quisemos mudar essa atitude de muitos chefes na altura, que guardavam em segredo as suas receitas, as suas técnicas, os produtores com quem trabalhavam, e fomos tornando público tudo o que fazíamos. Aquilo que alguns viam como cópias do nosso trabalho, nós víamos como homenagem ao nosso trabalho.

 

E essa partilha com outros chefes ajudou a que se mantivessem sempre criativos?
Sem dúvida. A comunicação é a chave do que fazemos, partilhando o que aprendemos com outros e recebendo deles novos contributos, novas maneiras de ver a cozinha e de usar técnicas que desenvolvemos. Por isso, gosto tanto de viajar e de ver como outras culturas se relacionam com a cozinha.

 

Nesta viagem a Lisboa isso está a acontecer?
Queria vir com mais tempo, mas mesmo assim dá para ver a enorme qualidade dos produtos portugueses, os peixes e mariscos são impressionantes. E também o trabalho de chefes como o José Avillez, no Belcanto, que é do melhor que tenho visto nos últimos tempos, ou do Henrique Sá Pessoa, no Alma, onde tivemos um magnífico jantar. Portugal é uma grande descoberta.


Nandu Jubany

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Para quem vê de fora, parece haver uma grande amizade e até cumplicidade entre os chefes espanhóis. Realmente, é assim?

Julgo que sim. Houve um momento importante quando os chefes que trouxeram a modernidade para a cozinha espanhola, como Juan Mari Arzak e Pedro Subijana, chamaram a atenção para o trabalho que outros que vieram depois, como Ferran Adrià ou Joan Roca, estavam a desenvolver, mostrando que não havia rivalidade, que não se sentiam em perigo por surgirem novos talentos. Creio que isso foi decisivo para esse clima de amizade e entreajuda que se estabeleceu entre os chefes, seja qual for a geração a que pertencem ou o estilo que praticam.

 

Houve o caso entre Santi Santamaria e Ferran Adriá…
Realmente, foi a excepção e muito dolorosa para mim e para muitos outros que eram amigos dos dois e que respeitavam o trabalho que cada um fazia. Mas foi uma excepção e mesmo assim parece-me que foi demasiado ampliada pela repercussão mediática que teve.

 

Sente-se á vontade para pegar no telefone e ligar a um outro chefe para lhe pedir ajuda numa receita, num produto que não consegue obter ou para tentar encontrar alguém para a sua equipa?
Claro, faço-o com frequência. Não com todos, é claro, mas há vários, na Catalunha ou noutras regiões, com quem estou em contacto permanente e que me ajudam a melhorar o meu trabalho. Ao contrário do que muitos pensam, se somos 10 restaurantes a trabalhar bem isso chama mais a atenção para o que cada um de nós faz do que se formos só três. E se formos 15 ou 20, ainda melhor.

 

Henrique Sá Pessoa

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Há uns anos, parecia haver uma certa desunião entre os chefes portugueses mais conhecidos. Continua a ser assim?

Não sei se havia desunião, havia provavelmente chefes que estavam muito absorvidos pelo seu trabalho e tinham pouco tempo e poucas ocasiões para conviverem uns com os outros. Agora, há mais ocasiões, mais congressos e eventos, mais viagens que fazemos juntos, em que nos ficamos a conhecer melhor, em que convivemos mais.

 

Consigo aconteceu assim?
Claramente. Chefes com quem me relaciono mais, como o Vítor Sobral, o Kiko Martins, o Bertílio Gomes, o João Rodrigues ou o Ljubomir Stanisic, foram pessoas com quem tive viagens e encontros profissionais e que depois se tornaram amigos. E também é importante sentir que, apesar de cada ter a sua cozinha e o seu caminho, rumamos todos na mesma direcção.

 

Essa maior proximidade tem ajudado à grande melhoria que se verifica na cozinha em Portugal nos últimos anos?
Parece-me que tem ajudado, porque nunca houve tanta qualidade como agora. Há uns anos, se queríamos nomear os chefes de cozinha que estavam a fazer um trabalho interessante, não chegávamos à meia-dúzia. Agora serão quantos? Pelo menos uns 30 ou 40. Isso está a criar um movimento de que todos beneficiamos.


João Rodrigues

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 Costuma acompanhar o trabalho que outros chefes estão a fazer em Portugal?

Sim, porque acho que é muito importante conhecer o que os outros fazem também como forma de sabermos onde estamos. Tenho, por exemplo, uma grande preocupação com os produtos que uso e se vejo que alguém está a usar um produto que me interessa, não tenho problema em tentar saber de onde vem e eventualmente vir a utilizá-lo. Creio que isso ajuda quem produz – geralmente pequenos produtores – a ter mais mercado e a continuar a produzir com qualidade.

 

Não tem receio de ser acusado de estar a copiar o chefe que usa esse produto?
Nenhum, não tem nada a ver. Na minha cozinha, vou usá-lo à minha maneira, nos meus pratos. E se alguém me perguntar por um produtor ou como é que faço determinado prato, também não tenho problema nenhum em partilhar, acho que é assim que as coisas avançam.

 

Essa partilha deve ser estendida a outros aspectos, como desenvolvimento de técnicas, por exemplo?
Sem dúvida. Se formos mais a interessar-nos em desenvolver certas técnicas, que muitas vezes precisam do contributo de pessoas com formação científica ou de determinados equipamentos, será mais fácil que esse conjunto de chefes tenha acesso a elas. Agora se formos só dois ou três, o investimento é muito maior e torna-se quase impossível. Por isso é que é importante comunicarmos entre nós, para encontramos interesses em comum, para saber quem está à procura do que nós estamos.

 

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