O Esporão foi uma das primeiras empresas no Alentejo a explorar o filão do enoturismo. Este gesto pioneiro associado à notoriedade e prestigio dos seus vinhos faz com que a sua adega, em Reguengos de Monsaraz, seja uma das mais visitadas da região. Não será difícil adivinhar a principal razão de uma visita a este produtor. Porém... e se lhe disser que a deslocação já valeria a pena nem que fosse só para conhecer o trabalho do chefe Pedro Pena Bastos no restaurante da herdade?
Faz algum tempo que acompanho à distância o que este jovem chefe de 25 anos vem fazendo, desde que há um ano e meio se mudou para o Alentejo, junto com a sua mulher Teresa, também ela cozinheira (embora neste momento dedicada às tarefas de backoffice). Antes do Esporão, o Pedro passou por restaurantes de topo, como o Belcanto (Lisboa) ou o Ledbury (Londres) - ambos com 2 estrelas Michelin - e teve uma breve passagem pelo Grémio Literário (já como chefe) e por um projecto próprio, A Revolta do Palato, empresa tipo “chef ao domicilio” que formou com a Teresa.
Na verdade, mais do que o seu percurso chamou-me à atenção as imagens de pratos com um ar apelativo que o Pedro coloca com alguma regularidade no Instagram (ferramenta fundamental para acompanhar o que se passa no mundo gastronómico). É certo que por vezes o olhar engana e o que parece atraente desvanece na prova. Porém, quando há pouco mais de uma semana apontei a sul tinha um feeling de que não ia ao engano. Ainda assim procurei refrear os ânimos, afinal, como alguém disse um dia, a expectativa é a mãe da merda.
pezinhos de porco com shiso e beignet de creme de cogumelos silvestres, creme de limão e sal de pinheiro
Se receios houvesse logo a primeira sessão de snacks haveria de me tranquilizar já para não falar do pão e, sobretudo, da incrível manteiga envelhecida (ambos produzidos na casa) com um sabor “cheesy”, naquele ponto, a 5 minutos de entrar no campo do ranço (só que não). Pow! Outro “prato de pão” vitorioso - que incluía ainda, como não poderia deixar de ser, os azeites da casa, dos quais gostei bastante do Selecção, com notas de maçã verde, relva... enfim, bem ao meu estilo.
E se os primeiros indícios prometiam, o que se seguiu depois superou as expectativas e deixou-me muito bem impressionado. Não tivemos um momento aborrecido e, mesmo nas propostas aparentemente mais previsíveis, houve sempre um (valente) twist a fazer a diferença.
O Pedro é aquilo que habitualmente se chama um “chefe de produto” e não faz, nem reinterpreta, nem reinventa receitas tradicionais portuguesas. A natureza e os ingredientes que encontra à sua volta servem de inspiração e desafio ao que faz e, ainda que utilize, também produtos não autóctones, a sua abordagem aproxima-o mais dos movimentos nórdicos, ou, sobretudo, de Napa Valey - onde encontra algumas semelhanças com a envolvente do Esporão -, do que dos chefes com quem trabalhou.
Esta característica de distanciamento face aos restaurantes onde trabalhou, revela uma maturidade e segurança pouco comuns para um chefe de apenas 25 anos. A sua cozinha não é disruptiva, nem tem que ser – até porque o Esporão não é propriamente um produtor de vinhos underground. Contudo, os seus pratos revelam criatividade, audácia, sensibilidade e profundidade de sabor e, nas conjugações, reina uma harmonia quase sempre com um toque desafiante à espreita.
lagostim do rio, pickle de de maçã e aneto do campo, c granizado de bróculos e óleo de pinheiro.
salmonete, espigos, musserons (cogumelos) e rebentos de videira
veado, raízes e manteiga noisette
leite de ovelha, flores e trigo sarraceno ; morango, pevide e flor de larangeira.
Esta aposta do Esporão numa cozinha de autor pode parecer arriscada, uma vez que muitos visitantes, sobretudo, estrangeiros, possam estar à espera de uma cozinha portuguesa mais tradicional, como houve no inicio com Júlia Vinagre. Contudo, para mim, faz todo o sentido esta aposta num registo contemporâneo (que já tinha sido iniciado com o anterior chefe Miguel Vaz), até porque se identifica com os valores da marca, que procura estar sempre um passo à frente.
E depois há uma aposta inteligente na integração dos vinhos, que vão lindamente com a cozinha de Pena Bastos. Nos pairings, sobretudo, do menu mais extenso, encontram-se colheitas mais antigas (como as visíveis na foto de cima), além de experiências, ambas, dificeis de encontrar no mercado (ou porque não foram produzidos nesse sentido ou porque é provável que estejam esgotadas), mas existentes na loja. Ou seja: de uma cajadada só mostram o portfólio vínico, vinhos menos conhecidos da casa (que podem servir para demonstrar o comportamento de uma casta consoante o terroir, por exemplo) e também a sua capacidade de envelhecimento - a contrariar uma ideia feita que surge, por vezes, de que os vinhos alentejanos não envelhecem bem. E não é este, também, o papel do enoturismo de uma empresa do ramo?
Se os vinhos do Esporão já eram uma boa razão para uma ida ao Alentejo, desconfio que se comece a ir cada vez mais, também, pela comida. Refiro-me inclusive àqueles senhores dos pneumáticos franceses.
Informações úteis: o restaurante está aberto todos os dias ao almoço e funciona apenas com menus. O de três pratos custa 40€, o de cinco, 55€ (+20€ com vinhos) e o de sete, 70€ (+30€ com vinhos). Há ainda um menu vegetariano de 4 a 5 pratos por 45€.
Contactos: Reguengos de Monsaraz (Distrito de Évora – Alentejo). Reservas - Telefone (entre as 10h e as 19h): (+351) 266 509 280 . Email: reservas@esporao.com // Horários - Enoturismo: das 10h às 19h; Restaurante: das 12h às 16h; Esplanada: das 12h às 15h; Wine bar e loja: das 12h às 19h.