Nascido e criado na zona, Norbert Niederkofler, não é apenas o chef mais cotado da Alta Badia (norte de Itália) mas também um activista e defensor acérrimo da cultura, dos ingredientes e da cozinha local. Em Janeiro último o italiano trouxe à região 30 chefs de todo o mundo, bem como produtores, jornalistas de gastronomia e outras pessoas ligadas ao ramo. O objectivo: discutir assuntos relacionados com as regiões, o ambiente, a sustentabilidade e a alimentação nas suas diversas formas. Durante quatro dias de conferências e mesas redondas escutaram-se e partilharam-se ideias, experiências e preocupações.
Falou-se muito de pequenos gestos que podem ajudar a mudar comportamentos. Por exemplo, o brasileiro Rafa Costa e Silva do restaurante Lasai (Rio de Janeiro) levantou questões pertinentes com que se defronta na sua cidade, como o lixo: “Não faz sentido ter uma batata perfeita e produzir demasiado lixo, sobretudo sem saber para onde vai.” É que, segundo o chef, “ao contrário da Europa aqui este não é ainda um problema resolvido”.
Por sua vez, o português Leonardo Pereira, cujas as criações têm uma forte componente vegetal, mencionou querer continuar a trabalhar as plantas nos diferentes estágios (raízes, caules, frutos, sementes, etc) e chamou à atenção para a importância de estimular a diversidade. “Se formos a uma loja ou mesmo a um mercado local vamos encontrar apenas um ou dois tipos de tomate ou de abóbora”, alertou Pereira, que conta abrir o seu novo restaurante em Lisboa, ainda este ano. “Eu quero ter 20 tipos diferentes e utilizá-los em diversos estágios do seu crescimento”.
"A minha mãe arruinou o mundo não foi a revolução industrial. É por isso falamos sempre da receita da avó e não da mãe" - declarações de Davide Scabin (o 5º a contar da direita) num dos debates do Care's que reuniu no norte de Itália chefes de diferentes gerações, de Michel Bras ao inglês James Lowe, passando pelo russo Vladimir Mukhin, a eslovena Ana Ros, o brasileiro Rafa Costa e Silva, o português Leonardo Pereira e quase todos os mais importantes e emergentes chefes de Itália.
Yoji Tokuyoshi, de Milão, falou sobre um gesto que o marcou, recentemente, quando regressou ao Japão. A sua mãe, que nunca cozinhou porque trabalhava fora o dia inteiro, tinha-lhe preparado uma saborosa salada com vegetais produzidos no próprio jardim. “Aos 64 anos a minha mãe continua a trabalhar mas ganhou consciência que era importante produzir coisas que come. Este gesto dela inspirou-me. Não é só o que dás aos teus clientes, mas também a forma sustentável como se produz o que lhes dás.”
Mas nem todos os presentes estiveram com palavras bonitas. Davide Scabin, um dos mais respeitados chefs italianos, questionou alguns temas que estão na ordem do dia, como a noção de quilómetro zero. “Cada vez ouço mais as pessoas a perguntar se tenho horta, mas não oiço perguntar se tens um carro eléctrico, ou se produzes energia a partir do teu lixo.” O chef do Combal.Zero (Turim) refere que se deve encorajar a produção local mas que, sendo italiano e tendo milhares de produtos disponíveis, não consegue pensar em usar apenas alguns. “Para mim quilómetro zero é Itália, os produtos de todas as regiões de Itália.”
Num dos debates alguém referiu que os restaurantes de topo são apenas um nicho mas que são, igualmente, criadores de tendências, pelo que podem ajudar a mudar comportamentos. Porém, quando se falou em sair do encontro com um compromisso por escrito, ninguém tomou a iniciativa. Niederkofler parecia adivinhar a questão quando escreveu no programa do evento: “Esta edição zero do Care’s é apenas o ponto de partida e é provável que haja algumas afinações a fazer.”
Andrea Petrini (um dos curadores do evento) com o lendário chefe francês Michel Bras
Segunda parte do artigo publicado originalmente na revista Fugas do Público de 12 de Março (Fotos: Paulo Barata)
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