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A simplicidade (aparente), segundo Gert Mangeleer

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Quando vemos o menu do restaurante Hertog Jan, de Gert Mangeleer, reparamos que há um predomínio do vegetal. As entradas são apresentadas sempre a partir de um destes ingredientes, independentemente de incluírem outros elementos na sua composição. Por exemplo, há um prato que se chama “abacate”, outro “pepino”, outro “couve-rábano” e assim por adiante. A razão é simples. O projecto que o chef belga construiu com o seu sócio e sommelier Joachim Boudens, próximo de Bruges, começou pela horta, em 2010, sendo que o restaurante, situado na mesma propriedade, apenas abriu em 2014. 
 
Tendo em conta este princípio não se esperava outra coisa do jantar de ontem à noite, no Ocean, do que um menu baseado no seu mundo vegetal.
 
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A entrada de abacate, que deu inicio ao jantar (após os snacks servidos no exterior) é bem elucidativa da sua filosofia. O abacate é um ingrediente que, como elemento principal (ou a solo), está longe causar grande excitação. Porém, quando envolvido em pó de tomate, flor de sal e azeite, como na proposta de Mangeleer (na foto, em cima), transforma-se de patinho feio em cisne em menos de cinco segundos. 
 
“Ah, vou passar a fazer isto em casa”, mencionei no final do jantar. “Vais? não creio que tenhas este pó de tomate”, ripostou o chef. “A simplicidade não é simples” é o slogan do belga (que também poderia ser “ vais fazer isso em casa mas é o tanas”). Na verdade, seria uma ilusão pensar de outra forma, sobretudo quando falamos de um restaurante e de um chefe que ganhou a primeira estrela Michelin em 2006, a segunda em 2009 e a terceira em 2011 - ainda antes de mudarem para o novo local. 

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Mas continuemos no jantar que a procissão ainda vai no adro. “Pimento, queijo de cabra, anchova e malmequer” (na foto, em cima) lembra uma viagem  ao norte de Espanha, com o pimento assado recheado com o queijo e o peixe de semi conserva, a evidenciarem a sua personalidade. Contudo, o confronto fez-se em harmonia, ainda que tenha causado alguns problemas ao bairradino Principal Tête de Cuvée 2010 (um rosé português de classe mundial), que tão bem tinha casado com o abacate.  
 
O prato seguinte foi talvez o mais controverso. Apetecível ao olhar, porém demasiado confuso no palato. Cones de couve-rábano recheados de caviar “Royal” belga, melancia fermentada, mozarela e caldo de dashi. O caviar não tem a expressão de um beluga do Mar Cáspio mas o problema veio, sobretudo, do sabor dissonante da melancia fermentada com o dashi – salvou-se o fantástico e ‘crispy’ Royal Palmeira Loureiro 2009 (sim, um Vinho Verde da casta loureiro e de 2009!). 
 

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A fasquia voltou a subir e de novo com um vegetal como protagonista, desta vez  um espargo branco, gordo, a sobressair no prato (na foto, em cima). Por baixo “bolacha” de tamarindo com forte presença de cominhos, em cima vários tipos de ervas frescas e flores, tudo regado ligeiramente com manteiga liquida com noz moscada. Aqui sim, a profusão de sabores esteve em perfeita harmonia. Os cominhos sobressaiam-se ligeiramente entre os pares combinando bem com o delicado sabor do espargo. Com o vinho a luta foi maior, mas o branco do Dão Bella Superior 2013 teve vida e fruta para o embate. 
 
De seguida veio outro prato difícil: “ravioli” de couve-rábano recheado com enguia fumada e ervas, terrina de foie gras de ganso com uma nota de creme de yuzu pelo meio. Já na mesa, o empregado deitava um caldo feito, igualmente, a partir da enguia fumada. 
 
A ligação entre foie gras e enguia fumada é mais habitual do que possa parecer (é um clássico de Martin Berasategui, por exemplo). Acontece que os sabores intensos deste prato não são consensuais, como foi visível numa observação à sala. Porém, por detrás da estranheza encontrei harmonia, sobretudo no papel do yuzu (citrino japonês) como ponto de ligação. 
 
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Já o prato de carne (fotos de cima) - sim porque Mangeller também é carnívoro – era tão belo esteticamente, como bom de paladar. Duvido que haja alguém que não ame esta proposta (mesmo com umas arreliadoras bagas de pimenta verde pelo meio). E o que o compunha? um guloso naco de vaca wagyu, cogumelos marinados envolvidos em pimento assado, com creme de strogonoff ao lado e lâminas de cogumelos cruas com pó de tomate no topo. Óptima, também, a ligação com o elegante (mas raçudo) tinto bairradino Principal Grande Reserva 2008.
 
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No capítulo doceiro só houve lugar a uma sobremesa, ainda que alguém (je me acuse!) tenha repetido, justificando descaradamente a necessidade de compreender melhor a harmonização com o espumante rosé (Colinas 2009). De facto foi a sobremesa ideal para terminar um menu de grande carácter. Tartelete de ruibarbo com iogurte e flores de sabugueiro, num incrível equilíbrio doce ácido (na foto, em cima). 
 

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Hans Neuner e Florian, chef e sub chef do Ocean em acção 

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Aguardo esta noite para saber o que irá apresentar o alemão Klaus Erfort, do restaurante Gaestehaus-Erfort, (Saarbrücken, Alemanha). Como dizem os ingleses, so far, so good.
 
 

Texto de Miguel Pires em parceria com o Vila Vita Parc, no Fine Wines and Food Fair (6 a 10 de Maio); Fotos de Paulo Barata

 

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