O finedininglovers.com, o óptimo site de gastronomia de repercussão mundial (ligado à San Pelegrino), publica hoje um artigo sobre o Sangue na Guelra e o trabalho que os seus mentores (nossos amigos e parceiros) Ana Músico e Paulo Barata têm feito em prol dos novos valores da cozinha contemporânea portuguesa (e não só).
O trabalho assinado pela jornalista Giorgia Cannarella começa por referir o facto de, em Portugal, apenas 7 dos 14 chefes com estrelas Michelin serem portugueses. "Exactamente metade. Uma das muitas contradições deste país: por um lado, óptimos produtos (e vinhos), por outro lado os melhores restaurantes estão sobre a orientação de chefes estrangeiros, enquanto os talentos locais se vão".
É interessante ver esta perspectiva de fora, ainda para mais vindo de alguém de um país muito fechado e dado a conflitos no que toca às suas tradições - curiosamente a autora ignora a cozinha tradicional portuguesa, mas creio que seja para não fugir ao foco do tema que quer abordar.
O que Cannarella refere nesta frase é um facto que continua a ter uma expressão muito superior ao que acontece em outros países com gastronomias fortes (quer no campo tradicional, quer no lado contemporâneo), como França, Itália ou Espanha. Contudo, podia ter referido que por cá as coisas têm vindo a alterar-se, como se viu nas últimas duas edições do Guia Michelin - sobretudo nesta última que acaba de colocar o Belcanto ao nível do Vila Joya e do Ocean (ou até mesmo do Mugaritz ou do Noma, que também "só" têm 2 estrelas Michelin) ou até mesmo na repercussão de acções como o Sangue na Guelra - que directa ou indirectamente, terá tido influência na escolha e vinda para o nosso país de um chefe como o ex-Noma Leonardo Pereira - que se tiver algum músculo financeiro a sustentar irá dar muito que falar no Hotel Areias do Seixo.
Por outro lado, é importante não entrar em preconceitos contra os estrangeiros - e a Ana e o Paulo têm o cuidado, no artigo, de mencionar a importância do seu trabalho no nosso país. Até porque a actual tendência tem muito a ver com o que certos chefes emergentes estão a fazer actualmente em países para onde foram trabalhar. Este cenário é evidente em Paris (uma boa parte do movimento bistronomic é dominado por jovens estrangeiros) e em Londres (veja-se o caso de Nuno Mendes ou do próprio Leandro Carreira, mencionado no artigo), mas também em Milão, ou Madrid (em Espanha, uma boa parte dos sub-chefes dos melhores restaurantes são latino-americanos).
Tradição vs. Contemporâneo; Novas cozinhas vs. "velhas" cozinhas; Ocidente vs. Oriente - Terá mesmo de ser assim?!
Já agora uma última nota que gostava de deixar, a propósito deste artigo ou de posições que tenho lido de outros intervenientes no nosso meio (nomeadamente na famosa entrevista de José Quitério, este sábado, ao Expresso): pode-se gostar mais de um tipo de cozinha do que de outra; pode-se preferir o leitão da Bairrada na Mealhada, em vez da sua revisitação no Belcanto. Agora, por favor (e esta é a minha posição), uma coisa não impede a outra, nem tem de estar contra ela, quando o trabalho é feito com seriedade. Não compreendo que pessoas cultas e informadas digam que os japoneses não têm cozinha (como faz J. Quitério na entrevista), ou que a nova cozinha nórdica não existe, porque foi fabricada à base de subsídios estatais quando não passa de uma mera derivação dos princípios da nouvelle cuisine (como refere Fortunato da Câmara na incompreensível e arrasadora critica ao Leopold - num dos seus últimos textos na Fugas). Só posso crer que deva ser para marcarem uma posição, porque não acredito que não percebam mesmo nada do assunto.
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