Passei os últimos três dias em San Sebastian no SSGastronomika 2014, um dos principais congressos mundiais ligados à gastronomia. Entre as várias actividades paralelas ao evento houve um incrível jantar no Azurmendi, o 3 estrelas Michelin de Eneko Atxa, que convidou para essa noite Jordi Roca e Ángel León. Sobre o congresso e este jantar, escreverei depois. O que aqui me traz agora é a tarta de queso do La Viña.
Cheguei à cidade na segunda-feira. Era hora de almoço e, embora conheça razoavelmente bem a cena gastronómica da Parte Vieja, pedi à minha amiga e colega Marta Fernandez do Gastroeconomy, que me indicasse alguns bares de pintxos para picar, dado que ela anda sempre em cima do acontecimento. A resposta veio de pronto:
"Ganvara para pintxos e cogumelos; Néstor para carne, tomate e tortilla; A Fuego Negro para pintxos modernos; Txepetxa para anchovas; e Lá Viña para "tarta de queso"
Alguns nomes batiam com os que conhecia, mas a experiência, depois de deambular entre eles, pode variar muito, caso se esteja sozinho ou em grupo, dado que a componente social é fundamental nestes ambientes. Resumindo: O Ganvara (Calle San Gerónimo, 19) voltou a ser uma desilusão (bons cogumelos, mas pintxos sofríveis, com um abuso na utilização de gorduras, sejam azeite, maionese ou bases de bechamel - um defeito que, infelizmente, se estende a muitas casas da zona); o pintxo de anchova com sapateira ou com ouriço do mar, do Txepetxa (Calle Pescaderia, 5) é imperdível e os contemporâneos do A Fuego Negro (Calle 31 de Agosto, 31) continuam criativos e saborosos. O Néstor(Calle Pescaderia, 11) foi frustrante porque não cheguei a tempo da famosa tortilha e o costeletão tem de ser para várias pessoas (pelo que ficou para o dia seguinte). Ah é verdade, este post é sobre tarta de queso. Então vamos a isso.
Meio perdido, e não totalmente satisfeito, perguntei pelo La Viña, para cumprir a última etapa recomendada por Marta, na Parte Vieja. Viciado em açúcar (duas vezes ao dia), mesmo que me calhasse uma tarte de queijo idêntica à que se encontra no Corte Inglés de Lisboa, cumpriria razoavelmente o desígnio.
Quando encontrei o La Viña (Calle de Treinta y uno de Agosto, 3), próximo da igreja de San Vicente entrei sem grandes expectativas. Contudo, ao ver as tartas de queso, ao fundo, ainda nas formas, tive vontade de ajoelhar e rezar. Rezar para que de sabor fosse tão boa quanto aparentava.
"Uma dose, ou meia?", perguntou o empregado. Isso não é pergunta que se faça a um crente. "Uma, claro!", respondi. Com um sorriso, amável e confiante, o empregado pegou no prato, encarou a beleza dourada da tarte (quase um pudim) e, lentamente, ou melhor, sadicamente, cortou duas fatias com um centímetro de espessura (mais coisa menos coisa). Nesse momento ouvi uma campainha e julguei-me cobaia de uma experiência de Pavlov, mas na verdade era apenas um toque estúpido de telemóvel. A custo, contive a saliva e puxei o prato, sem demoras. Rodei, admirei a peça e procurei o melhor ângulo para desferir o golpe. Meti a colher. Hum... textura sedosa. Mais do que a de um pudim lembrou-me a de um tofu fresco, como até hoje só vi em Tóquio (esqueçam qualquer outra referência esse produto). Elevei o utensílio e dirigi-o à boca. Pow!! Wtf?!!
Não há cá estranhezas iniciais ou sabores por camadas que se vão revelando. O prazer é básico, imediato, mas ainda assim, surpreendente. Senti-me como um estrangeiro após a primeira dentada num Pastel de Belém (ou num outro bom pastel de nata). A textura sedosa confirma-se no palato e a mesma elegância sente-se no equilíbrio entre o ligeiro sabor a queijo fresco e o caramelizado do exterior. Nada de enjoativo, nada de de açúcar a mais, nada de excesso de ovos. Perfeito!
No dia seguinte contive-me e não passei pelo La Viña, mas ontem, não resisti: fui ao almoço e ao jantar, aqui já como guia de uma excursão que confirmou, perante o olhar de novo sorridente do meu novo dealer, que eu não estou louco: a especialidade do La Viña é mesmo de chorar. Cheesecake? que comam os americanos. É mais uma tarta de queso, por favor!