Se todos forem como eu, por esta altura, devem achar que o Natal ainda está lá longe e por isso há tempo de sobra para fazer compras. Não vou falar de crise, nem de cortes de subsídios, etc, vou apenas recomendar 5 livros de gastronomia dos vários que foram editados este ano que valem a pena.
Começo pelo Guia de Vinhos 2012 do Rui Falcão. As razões são simples: Porque ele também começou pelo meu na sua recomendação, porque é meu amigo e parceiro desta mesa e, talvez, também, porque o Rui é de facto uma das maiores referências no assunto e um comunicador exímio (quem já o viu fazer uma apresentação perante uma plateia heterogénea, saltando do português para o inglês, com castelhano pelo meio, sabe do que falo).
Mas mais do que tudo isso (excepto na parte da amizade) o guia do Rui está cada vez mais completo e útil. Não só porque as suas 550 páginas o permitam mantê-lo em pé sem adjuvantes, mas porque além das notas de provas rigorosas e das pontuações (forretas, dizem uns; exigentes, dizem outros) dos melhores vinhos portugueses e estrangeiros, ou das descrições de cada produtor (ou da maior parte), inclui ainda uma série de listas úteis (uma grande mais valia para os adeptos de listas, rankings e índices, como eu). Este ano, junto com a selecção dos 10 melhores vinhos, o Rui Falcão elege primeira vez o seu melhor vinho português do ano e indica os seus melhores vinhos até 5 e 10€. Ergam-se os copos, portanto.
"Rui Falcão - Guia de Vinhos 2012", Rui Falcão, Clube do Autor: 19,95€
Em Maio de 2009, Maria e o Kiko Martins estavam em missão de voluntariado em Moçambique e começaram a pensar no que fazer quando acabassem a sua missão no final desse Verão. Não era altura de regressar a Portugal e, por isso, depois de muito discutirem e de reunirem condições resolveram partir "em busca da ligação entre pessoas e comida. Conhecer a barriga do mundo". Estiveram em 23 países a comer em casas de família e em todo o tipo de restaurantes desde os de rua a outros de luxo, onde Kiko Martins, cozinheiro, aproveitou para fazer curtos estágios (o Fat Duck, de Heston Blumenthal, foi um deles). Todas as semanas as suas histórias foram-nos chegando através da Única (Expresso), ou do blogue que criaram para o efeito. Este livro, lançado neste Verão, é o corolário dessas aventuras e revela muito do que ficou por contar. Acrescentam ainda belas imagens e receitas de cada local "pensadas para serem experimentadas em comunhão, com a família, ou com os amigos, e com a calma necessária que o estar à mesa exige", como os autores referem na introdução. Se um dia estiverem no Líbano e vos pedirem para cozinhar um prato português, e não fizerem a mínima do que fazer, dêm um salto à página 76.
"Comer o Mundo", Maria e Kiko Martins, Objectiva: 24,90€
Deram-lhe o titulo "Papa Quilómetros", mas podia chamar-se, "Diário de um 'Ganda' Maluco" ou "Um Tamborilovic pelos Caminhos de Portugal", não fosse o tino de Mónica Franco, colega, parceira, musa inspiradora e co-autora. Ljubomir Stanisic revela neste livro aquilo que muitos do que o acompanham de perto, e à sua cozinha dos 100 Maneiras, já sabiam: a sua paixão por Portugal e o seu conhecimento por uma gastronomia portuguesa que muito respeita - mesmo quando, aqui ou ali, a cruza com outras referências do(s) mundo(s) por onde andou (a começar pela sua Jugoslávia natal - a origem que continua a insistir ser a sua apesar da desintegração do país). Este livro é uma homenagem "às coisas boas da vida, a Portugal, aos produtos portugueses, ao povo, aos amigos e à família, às viagens, à cozinha", como refere Mónica Franco . Foram de Santa Cruz a à Ilha do Farol (Olhão), do Vidago a Sagres. Ordenharam cabras e andaram às ostras, à urze e ao limonete e acabaram "em casa de amigos, com amigos, junto a Arraiolos, para celebrar com mioleira, paia, e joelho de porco e brindar com uma sangria de espumante especial", escreve ainda Mónica Franco na introdução (dizia eu no inicio que ela lhe trouxe tino. Hum... vou repensar essa ideia). Além de tudo há uma coisa muito irritante neste projecto: o talento dos amigos que ajudaram a produzir um dos mais belos livros de cozinha (e afins) que já se editou por cá. As fotos são de Constantino Leite, o projecto gráfico de Mário Belém e as ilustrações de Mário "Makarov" Martins. É caso para dizer que a amizade é mesmo um valor a preservar. Ou como remata Mónica Franco no final da introdução: "Este livro só podia ser assim. Os próximos serão assado".
"Ljubomir Stanisic - Papa-Quilómetros" de Ljubomir e Mónica Franco, Casa das Letras, 25€
Foi preciso esperar umas mãos cheias de anos por esta febre de livros de cozinha para podermos ter um que revelasse a boa mão da Justa. Há muito que tentava reproduzir a sua sopa de crustáceos folhada, mas nunca resultou muito bem. Agora já posso (quer dizer, ela não refere se há algum truque na massa folhada, mas deve ser só uma questão de jeito ou de seguir outra receita). Como também me posso atirar a uma sopa de santola às 4 da manhã depois de uma noite de cop... de trabalho, ou andar a chamar nomes às lulas. Enfim há muito para explorar do receituário de Justa Nobre. São 75 receitas para comer com os olhos, confeccionar e saborear. Ficamos ainda a conhecer mais sobre as suas raízes transmontanas e a sua família - parte integrante e permanente também da sua vida profissional - é que o seu restaurante, mais do que nunca, é hoje um trabalho e um negócio de família. As fotos são do Mário Cerdeira que é também o editor.
"Paixão Pela Cozinha", Justa Nobre, 100% Editores: 35€
Hoje descobri na minha wish list da Amazon a edição original, em inglês, deste "Dicionário dos Sabores", de Niki Segnit. Há muito que vinha adiando a compra e ainda bem que o fiz porque, em boa hora, a Lua de Papel teve a ideia de o editar por cá - e como se não bastasse respeitou a capa e o grafismo de que muito gosto. Neste livro, Niki Segnit apresenta e analisa milhares de combinações possíveis de 99 sabores diferentes, partilha histórias, curiosidades e receitas. Podia fazê-lo numa linguagem chata e a armar ao erudito, o que seria meio caminho andado para ir parar à prateleira dos "abrir só de vez em quando". Mas não, o seu estilo pleno de humor e sarcasmo cativou-me desde a introdução. Não se pense em humor gratuito ou palermices 'à la Nigella' porque há um método e as suas escolhas são quase sempre bem fundamentadas e documentadas, mesmo quando à partida possam parecer um disparate. "A chocolateira Katrina Markoff (...) combina bacon fumado, usando lenha de macieiras, e o sal fumado com chocolate preto no Mo's Bacon. Conta que se inspirou na recordação de comer panquecas com pedacinhos de chocolate e com xarope de ácer, e bacon, quando tinha 6 anos. Pode perceber-se como funciona a combinação clássica do doce e do salgado e como o sabor fumado do bacon a torna ainda mais original" - escreve a autora sobre a ligação de chocolate com bacon (pag 19). Segnit também não tem pejo em revelar ódios de estimação, como em 'chocolate e morangos' ("não tenho razão quando digo que um morango mergulhado em chocolate se parece mesmo com uma fruta usando umas enormes cuecas?") ou em dar dicas e receitas (como no Café com cardamomo). E depois gosto daquele toque feminino de escrever: "adoro usar a noz-moscada, em parte por causa do pequeno ralador. Também porque é ao mesmo tempo rica e fresca, e maravilhosa para alegrar o puré de maçã quente. Rale um pouco por cima e sirva com gelado de baunilha. É como apaixonar-se no Outono". Eu apaixonei-me por este livro (resta saber se passa a amor).
"Dicionário dos Sabores", Niki Segnit, Lua de Papel: 16,90€