Umas semanas antes de partir para Helsínquia recebi um convite para jantar no restaurante Olo. Como já referi, pouco sabia sobre a cozinha finlandesa e também muito pouco sobre a cozinha mais vanguardista.
Procurei alguma informação, o Olo tinha uma estrela Michelin e tinha sido considerado em 2011 o 2º entre os 50 Melhores Restaurantes da Finlândia, uma votação feita por cerca de 300 pessoas ligadas à restauração na Finlândia.
Sobre a sua cozinha o Chefe Pekka Terävä dizia: “A modern Nordic cooking and the small Finnish producers give our innovative kitchen the resources needed. Changes of the seasons are noted on our menu, because we in Olo want to serve only the best.
Enjoy your evening!”. Eu estava preparada para desfrutar ao máximo do jantar.
Quando chegámos às 7 e meia o restaurante pareceu-me cheio, mais tarde tive oportunidade de ver outras salas e todas elas cheias. O nosso grupo era de 7 pessoas e levaram-nos para uma sala pequena com uma mesa onde caberiam no máximo 10 pessoas. Uau! e outros sons idênticos foi o que se ouviu da boca de quase todos. Da minha também. Adorei a sala. Um dos melhores espaços em que tive oportunidade de comer. Acho que as suas características permitem que toda a atenção se centre na comida, dando ao mesmo tempo uma grande sensação de conforto.
A sala era muito pequena, as paredes todas pretas, ao longo das paredes laterais prateleiras muito simples com garrafas de vinho. No meio uma mesa comprida, um tronco cortado, os veios da madeira, o contorno irregular, muito bonito. A única decoração da mesa eram 3 vasos com ervas aromáticas e 2 velas. A única iluminação dois grandes candeeiros pendurados do tecto que iluminavam a mesa, tudo o resto ficava na penumbra. Havia apenas espaço para nos sentarmos e os empregados passarem. Gostei mesmo muito e de certa forma aguçou mais a curiosidade e a predisposição para apreciar aquela comida.
As empregadas de mesa (não vi nenhum homem, o que não quer dizer que não houvesse) muito jovens, descontraídas, mas um serviço irrepreensível. O Chefe Pekka Terävä veio várias vezes à sala trazer e explicar alguns dos pratos e veio também um outro cozinheiro.
Íamos comer o menu surpresa e cada prato ia ser acompanhado por um vinho diferente. Perguntaram-nos, como é normal, se alguém tinha alguma alergia ou não comia alguma coisa. De seguida fizeram uma pergunta que eu nunca tinha ouvido em nenhum restaurante. “Quem vai guiar a seguir?” Havia uma pessoa que ia, e discutiram com ela como ia beber. Em vez do espumante que nos iam dar de entrada dar-lhe-iam uma bebida também com bolhinhas, não alcoólica, feita com folhas de groselha preta. Depois, ou um copo de vinho ou alguns dos outros, numa quantidade muito menor, apenas para provar.
Começámos a refeição com:
Marshmallow salgado com creme de limão e um biscoito de queijo
Muikku marinado com puré de funcho e maionese de limão
(o muikku é um peixe de água doce, em inglês chama-se vendace, em português não sei)
Excelente! A espinha frita, muito crocante dava um contraste de textura muito interessante. Gostei muito.
Bife tártaro com cebola
A cebola estava sob a forma de um caldo que tinha sido esferificado.
Os três amuse-bouche foram acompanhados por um Cava Susurro Brut.
Veio então um excelente pão, ainda quente com uma manteiga artesanal.
Com o foie-gras de pato com um gel de groselha, compota de passas, maçã e crocante de maçã, foi servido um vinho alemão -Daz Ohr - da casta kerner de 2010.
O foie de pato, era produzido na Finlândia na quinta Alhopakka, em que a alimentação dos patos não é forçada.
Seguiu-se lúcio perca (pike perch) cozinhado a duas temperaturas diferentes (um pedaço a 49º e o outro na frigideira) com molho de endro e ar de vinho branco, servido com couve flor roxa, branca caramelizada e um carpaccio do talo da couve
O prato foi acompanhado com um Sauvignon Blanc neozelandês de 2010 – Craggy Range.
Entre o peixe e a carne veio uma variação do chá quente e frio do Heston Blumenthal, este feito com hibisco. Curiosamente nesse mesmo dia de manhã 4 de nós, a caminho da universidade, tínhamos estado a falar deste chá e de como se fazia. Coincidência engraçada. Só eu tinha bebido e os outros estavam curiosos. Assim, foi com redobrado entusiasmo e atenção que o bebemos. Em cada metade do copo (vê-se bem na foto porque a cor é diferente, lá não dava para ver assim) há chá idêntico, mas com uma temperatura diferente. Quando se bebe, a um lado da boca chega chá quente e à outra chá frio. Dá uma sensação muito engraçada.
A carne foi uma pá de borrego cozinhada a 64º por 48 horas, com vegetais (abóbora, fava, cenoura) e cevada. Foi acompanhada com um vinho espanhol, Abril de Azul Y Garanza de 2011.
E finalmente a sobremesa, um gelado de iogurte um creme/gel de chocolate e uma sopa de mirtilos.
Ambos acompanhados de um vinho doce italiano, Maculan Madoro 2009.
Porque é que as sobremesas estão sempre uns pontos abaixo do resto? Neste caso, até uns pontos abaixo da pré sobremesa.
Para terminar a refeição uns gelados caseiros de chocolate salpicados com seabuckthorn (umas bagas) acomparam o chá e o café que vieram em bules/jarros grandes para nos irmos servindo.
Os finlandeses são os maiores consumidores de café do mundo. Eles, como em geral os nórdicos, têm uma cultura do café muito própria. Torram-no de forma diferente, penso que menos torrado e mais ácido, e bebem-no mais fraco, mas em grandes quantidades. Falam pessoas que mudaram de vida para se dedicar só ao café, a torrá-lo, prepará-lo... É muito interessante ouvi-los falar sobre café e a importância que tem. Os concursos de barristas começaram mesmo na Noruega.
Tal como é apanágio das novas cozinhas nórdicas, pratos servidos no Olo eram muito centrados em ingredientes nórdicos, quase tudo (excepto o vinho e o chocolate) de produções locais, em que as técnicas de cozinha actuais valorizam os produtos e conferem novas dimensões aos pratos. Gostei muito. Olo é uma palavra finlandesa que significa bem estar total - físico, mental e espiritual - e depois desta refeição saí do Olo com uma sensação de bem estar global.
Já depois de regressar, andei a pesquisar mais sobre a cozinha finlandesa e, num artigo de 2008, li o seguinte:
"Finnish cuisine has achieved a real breakthrough in the past 10 years," said Jyrki Sukula, a popular TV chef in Finland. "More has happened in this short period of time than during the entire preceding century."
A cozinha finlandesa não estará na vanguarda mundial, mas têm feito um bom trabalho e tudo o que comi enquanto lá estava tinha um nível bastante elevado. O trabalho feito é cada vez mais reconhecido, Helsínquia tem 1 restaurante com 2 estrelas Michelin e 4 com 1 estrela.