Nos tempos que correm, arriscar em novos negócios na restauração não parece ser muito aconselhável. Mas a verdade é que há quem o faça. Foi o caso dos responsáveis pela famosa Taberna da Rua das Flores (na foto, da esquerda para a direita, André Magalhães, Bárbara Cameira e Tiago Alves) que decidiram aproveitar a oportunidade de explorar um quiosque no Largo de São Paulo, no Cais Sodré, com cerca de 30 lugares de esplanada, que abriu esta semana. “Fizemos tudo em 10 dias. A Catarina Portas e o João Regal, os proprietários, ligaram-nos a dizer que o quiosque tinha ficado vago e que achavam que nós éramos as pessoas ideais para o projecto que gostariam de ver ali a funcionar”, conta André Magalhães ao Mesa Marcada. “Deitámos mãos à obra, ficámos três dias sem dormir, mas conseguimos”.
Curiosamente, este novo espaço explorado pelos “taberneiros” veio a calhar precisamente por causa da pandemia e das limitações que ela implica para os restaurantes. A pequena Taberna da Rua das Flores está obrigada a metade da lotação (14 lugares) e os três estabelecimentos que exploravam no Martim Moniz tiveram que fechar porque, segundo André Magalhães, os responsáveis pela galeria comercial onde se situam já não tratavam da limpeza e até as luzes tinham sido apagadas. “Não queremos despedir ninguém, mas a verdade é que neste momento temos gente a mais. Por isso, o quiosque é uma maneira de utilizar melhor os nossos recursos humanos, tanto mais que é na cozinha da Taberna, no Chiado, que fazemos a produção do que se vende no Quiosque, que é bem perto”, explica.
A oferta do quiosque do Largo de São Paulo, que data de 1870, foi pensada para ser uma espécie de repositório de petiscos célebres servidos em locais da Baixa lisboeta que já encerraram, muito apreciados e estudados por André Magalhães, que exemplifica: “Temos os torresmos da Casa Cid, que acabou de fechar, a sandes de torresmos, a sandes de sangacho de atum com cebola e também o caldinho, um café com ginjinha ou bagaço e canela, que se serviam no Rei dos Torresmos, aqui bem perto no Cais Sodré. Ou a sandes de lula frita, da Adega dos Canários, inspirada na bocata de calamares espanhola, já que os donos eram de origem galega” (na foto em baixo, tal como a da abertura também retirada do Instagram, ambas da autoria de André Ribeirinho).
Mas há muitas outras opções neste quiosque que abre todos os dias entre as 9h e as 23h (até domingo, fecha às 19h, devido as restrições impostas em Lisboa), servindo pequenos –almoços até às 11.30h, mudando de oferta a partir dessa hora. Vários salgados como bolinhos de bacalhau, ovos verdes (a 1,5 euros a unidade) ou pastéis de massa tenra (1,70 euros); pratinhos com saladas de polvo e de orelha, punheta de bacalhau ou cavala e feijoca (todos a 4 euros). As sandes já referidas – num pão de água especialmente afinado na Panificadora das Mercês, ao Bairro Alto -, mas também de presunto, de queijo da Ilha (todas a 3,5 euros) ou de ovo e salsa (2,5 euros) e ainda a miomba com batatas Ti-Ti (5 euros), antepassada da bifana e do prego, celebrizada pelo antigo rei das Miombas, ao Parque Mayer.
Pratinhos de tremoços temperados, de azeitonas galegas e de amendoins (tudo a 1 euro) e, nos doces, bolo de arroz e rocha (ambos da Panificadora das Mercês), mousse de chocolate e pudim Mandarim completam a oferta. Muitas bebidas, com destaque para os menos vistos capilé, mazagran, groselha ou flor de sabugueiro, já existentes noutros quiosques de Catarina Portas, mas também para a salsaparrilha, recriada por André Magalhães a partir de uma receita do século XIX. “Temos ervanárias extraordinárias em Lisboa, com uma rede de recolectores pelo país e que conseguem também muitos ingredientes das antigas colónias portuguesas em África. Consegui tudo o que precisava para fazer a receita”, garante.
A grande questão, que se está a colocar a todos os estabelecimentos um pouco por todo o mundo, principalmente nos locais que costumavam ter nos turistas uma boa percentagem da clientela, é se as pessoas vão aparecer em número suficiente. André Magalhães está moderadamente optimista: “Acho que a nossa oferta agrada aos portugueses, muitos dos quais estavam saudosos deste tipo de petiscos típicos, como já pude verificar nestes poucos dias de abertura. Por isso, penso que conseguimos aguentar bem a falta de turistas nos tempos mais próximos”, conclui.