Rui Paula pretende reabrir os seus três restaurantes no dia 2 de Junho. “Fechámos todos ao mesmo tempo, reabrimos todos ao mesmo tempo”, diz. Como toda gente que trabalha nesta área, está preocupado com a situação, mas não tanto com as restrições. “No DOC, no Douro, temos uma grande esplanada, no DOP, no Porto, temos dois pisos. Na Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, só tivemos que tirar uma mesa, elas sempre estiverem bem separadas. Também sempre trabalhámos com muitos cuidados higiénicos. O problema é se vai aparecer gente”, explica este chefe nascido no Porto há 53 anos, que só aos 26 anos se iniciou no sector, abrindo então o Cêpa Torta, em Alijó, terra a que está ligado por razões familiares.
Apesar de tudo, ele considera que atravessou relativamente bem este período extremamente difícil e que tem condições para aguentar o que aí vem. “Não tenho dívidas, recebi o lay-off sem problemas e consegui empréstimos bancários com bons juros”, garante. Para ele, tal advém de uma carreira construída com “os pés no chão”, onde os restaurantes sempre foram vistos como negócios que têm que ser rentáveis. Foi já assim em 1996, no Cêpa Torta, onde apostava numa “cozinha de tacho”, mas num espaço bem decorado, com bom serviço e ambiente.
No entanto, o êxito do restaurante não o satisfez e quis ir mais além. Abriu o DOC, nas margens do Douro, também com grande êxito, mas não foi suficiente. “Eu não sabia nada em termos técnicos, nem sabia o que era uma terrine de foie gras”, conta. Essa insatisfação levou-o a procurar um estágio no Bull & Bear, de Miguel Castro e Silva, restaurante que então pontificava no Porto em termos de modernidade. “O Miguel Castro e Silva foi fundamental na minha carreira, ensinou-me muito. Na altura, por exemplo, quando eu nem sequer sabia o que era uma Roner, ele mostrou-me como se cozinhava a baixa temperatura. Ninguém em Portugal sabia do assunto como ele”.
Outro restaurante, o DOP, no centro histórico do Porto, e outro estágio, desta vez de um mês no célebre Celler de Can Roca, dos irmãos Roca, marcariam nova fase. “Quis saber como se fazia a cozinha molecular, que então estava na berra, não para fazer igual, mas porque considerava importante estar actualizado com o que de melhor havia nesse estilo”, afirma. Viria depois a sua grande aposta, a Casa de Chá da Boa Nova, um dos restaurantes mais bonitos de Portugal, desenhado pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira sobre o mar. Com ele, conquistou duas estrelas Michelin, algo que sempre teve como objectivo. E como acha que os inspectores do célebre guia vão lidar com ele neste ano tão particular? “Acho que eles vão compreender a situação, vão deixar-nos sossegados desde que o restaurante não baixe a qualidade ou mude de estilo. Foi um erro, na crise anterior, quando alguns restaurantes de topo começaram a fazer menus de 20 e 30 euros, low cost. Vou fazer algumas adaptações nos menus, mas de resto vou prosseguir no meu caminho”, assegura o entrevistado deste Menu de Interrogação patrocinado pela Estrella Damm, no âmbito do seu apoio à gastronomia.
Consegue rendibilizar os seus restaurantes com as actuais restrições causadas pela pandemia?
Acho que vamos conseguir, embora esta situação seja complicada. Ninguém estava à espera de uma crise tão incisiva e tão rápida. Temos algumas medidas do Governo, como o lay-off, que nos estão a permitir redimensionar o negócio. Antes, os restaurantes estavam preparados para trabalhar para um número de clientes (estrangeiros/nacionais), que agora não existem, logo as equipas têm que ser menores. Daí, a minha preocupação caso estas medidas deixem de existir. Resumindo, tudo a seu tempo. Caso o número de clientes não volte ao normal, teremos que pensar em novas estratégias.
Na Casa de Chá da Boa Nova, Rui Paula diz que só teve que retirar uma mesa para conseguir cumprir as restrições impostas pela pandemia
Como pretende atrair os clientes portugueses aos seus restaurantes, de modo a compensar a ausência de turistas?
Os nossos restaurantes sempre tiveram uma percentagem grande de portugueses; inclusive, com a segunda estrela Michelin na Casa de Chá da Boa Nova, houve um grande aumento de clientes nacionais; O DOC, desde o inicio se dirigiu ao mercado nacional (enólogos, produtores de vinho, famílias…); o turista veio depois; No DOP, quando abrimos, o foco era muito feito no mercado nacional também; a nossa linha foi sempre dar preferência aos portugueses: se o português gosta, seguramente o turista gosta também. Resumindo, queremos continuar a trabalhar como sempre o fizemos, mimando os clientes como é nosso apanágio; os nossos três restaurantes são lindos, seguros e come-se e bebe-se bem; a partir daqui, com muita simpatia e diferenciação, vamos fazendo o nosso trabalho.
Quem está ou irá sofrer mais, os restaurantes contemporâneos de alta cozinha ou os mais tradicionais?
Na minha opinião, não poderemos avaliar por esse prisma. O que eu acho é que os restaurantes que vão sofrer serão aqueles que não têm um ADN vincado (conceito, comida boa, serviço, vinhos). Acrescento também que o restaurante é um negócio e como negócio tem que estar preparado para corresponder a situações adversas. Para ser mais concreto, o restaurante tem que gerar receitas para pagar a tempo e horas aos seus fornecedores, colaboradores e todos os impostos inerentes à operação. Na minha ótica, quando um negócio não dá lucro, o melhor é encerrá-lo.
A "Lula Chanel"é um dos pratos mais emblemáticos do seu restaurante com duas estrelas Michelin
Consegue encontrar algo de positivo no meio deste furacão que atingiu a restauração (e toda a cadeia de negócios a ela ligado)?
A única coisa positiva que eu encontro foi em termos de reflexão. Estes tempos deram para pensar. No meu caso, há um ano atrás, estive tentado a abrir mais um restaurante e tive o discernimento de não o abrir. Já nessa altura percebi que não era esse o caminho. Preferi melhorar ainda mais os que já tinha. Mas falando em reflexão, já me surgiram várias ideias para pôr em prática brevemente, mas sempre aproveitando as sinergias dos meus três restaurantes.
Porque é que o seu restaurante em Lisboa (no Hotel Tivoli) não funcionou?
Nunca falei deste tema numa entrevista, mas vou fazê-lo. O restaurante do Tivoli estava num marasmo. Inclusive, quando eu fui para lá, encontrava-se encerrado. Ao longo dos tempos, foi perdendo a sua força. Estive no Tivoli oito meses, com uma facturação média de 120 mil euros por mês. Não incluo aqui os pequenos-almoços que servíamos para os quartos VIPs, ou seja, esta facturação refere-se a almoço e jantar exclusivamente. Portanto, o restaurante estava no bom caminho e todos os dias ganhava novos clientes e recuperava clientes antigos. Então o que é que se depreende? Porque saí? A administração entendeu colocar nesse restaurante outro conceito, com o qual eu não me identifico. Quando me apercebi, manifestei a minha indignação. Tinha contrato com o Tivoli e, para além desse restaurante, iria também para Seteais recuperar o restaurante existente nesse palácio, que pertence à mesma cadeia. Após conversações, tudo foi por água a baixo. Sem me alongar mais, acho que dá para perceber que este projecto não funcionou por opções que me são alheias.
É mais difícil para um chef/empresário de fora singrar em Lisboa ou no Porto?
Esta pergunta quase que está respondida na anterior. Um chef/empresário pode singrar em todo o lado, desde que saiba idealizar um conceito adequado ao seu público alvo. Acrescento, que esse chef/empresário tem que estar presente no seu negócio. Pelo menos, eu nos meus três restaurantes estou sempre presente!
Quais foram os cozinheiros, portugueses e estrangeiros, que mais o influenciaram?
Portugueses, numa dada altura da minha carreira, o chef português que mais me influenciou foi o Miguel Castro e Silva. O estrangeiro que mais me influenciou e continua a influenciar é o Joel Robuchon.
Diz-se que sempre teve uma obsessão em ganhar estrelas Michelin. O que elas representam para si?
Obsessão não é a palavra correta, até porque percebi que com obsessão não vamos a lado nenhum. O facto é que hoje tenho três restaurantes e só um tem duas estrelas Michelin. Se gosto de ter? Gosto muito. Se vou lutar para ter uma terceira? Vou. Prémios, guias que recomendam os meus restaurantes, bons comentários de clientes e críticos… tudo isto nos faz ganhar energia e motivação para continuarmos a ir em busca dos nossos objectivos. O guia Michelin, além de um guia muito reconhecido, traz-nos ainda uma coisa muito importante, aumento de facturação! Traz também clientes muito específicos, que buscam experiências gastronómicas diferenciadas, ou seja, sabem ao que vêm! Quero também dizer que a Casa de Chá da Boa Nova, permite, a mim e à minha equipa, dar asas à nossa criatividade. Isto para um cozinheiro, é um bem precioso.
Feijoada de tripa de bacalhau. O chefe portuense gosta de partir de pratos tradicionais para desenvolver a sua criatividade
Tem algum método para criar os seus pratos ou as ideias vão surgindo espontaneamente?
A nossa principal fonte de inspiração é a memória. Entende-se por memória não só o que nos deram a comer durante a nossa existência, mas também muita leitura, viagens, experiências noutras cozinhas, paisagens… Voltando ao nosso processo criativo, primeiro focamo-nos numa receita tradicional (sempre que possível) e trabalhamos sobre ela. A partir do momento que tem pernas para andar, vamos à outra fase que é o lado criativo, o empratamento, a louça especifica para apresentar essa mesma receita e a perfeita simbiose com o serviço de sala, para que a experiência e o resultado final sejam perfeitos.
Qual a primeira coisa que vai querer comer fora, se é que ainda não o fez, agora que os restaurantes voltaram a poder abrir? E onde?
Cumpri o confinamento, tal como muitos outros portugueses; Acho que já não cozinhava tanto e de uma maneira tão consecutiva em casa, o que me deu muito gosto. Nos próximos tempos terei de me dedicar exaustivamente aos meus restaurantes. Tenho várias ideias para implementar e é nisso que me vou focar agora. Jantar fora é algo que faço com alguma regularidade, talvez uma visita ao Alma, do Sá Pessoa, quando tiver mais tempo disponível.
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