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O preço nos restaurantes e outras ninharias

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Já todos ouvimos este tipo de considerações indignadas sobre restaurantes. Ou, se calhar, talvez nós próprios as fizemos. Eu próprio já as devo ter feito, mas prefiro não fazer esforços de memória, que agora não me dá jeito...” São uns ladrões!”, exclamam. “Pediram-me quase 30 euros por um prato que tinha dois filetes pequenos de linguado, com umas cenourinhas e um molho qualquer”. Os mais exaltados enriquecem a narrativa: “Ainda no outro dia vi que o quilo de linguado estava a 22 euros, estão a ver o que é que aqueles gatunos lucram. Vão roubar p’rá estrada, a mim não me apanham mais lá!”.

 

Pois eu nunca discuto o preço que os restaurantes levam pelos seus pratos. Nem pelos seus vinhos, mas isso é outra história e não me vou meter nisso. Posso achar caro, que a qualidade da cozinha não o justifica. Nesse caso não volto lá, mesmo que muitas vezes tal aconteça em restaurantes que estão sempre cheios, ou seja, onde a minha opinião está longe de ser maioritária. Podemos achar um restaurante caro para o que serve, mas se as pessoas vão lá, seja porque gostam dos pratos seja porque apreciam o serviço, o ambiente, a vista, o visto e ser visto, por alminha de quem é que se deveriam baixar os preços? Quando tentamos vender o nosso automóvel por 10 mil euros, embora saibamos que ele só vale sete mil, se aparecer uma pessoa que dê esse preço vamos avisá-lo -  “olhe que esta carripana só vale sete mil, não me dê os 10 mil?”.

 

Será o mercado que determinará se um restaurante é caro ou não. Se não conseguir atrair clientes devido aos preços que pratica, o mais lógico será baixá-los. Ou então acaba por fechar. Quanto ao resto, desde que não engane ninguém nem prejudique a saúde pública, nada a dizer, só vai lá quem quer. Tanto mais que, hoje em dia, com a informação disponível na Internet, é muito difícil alguém ir ao engano, já que quase todos os restaurantes têm os preços bem explícitos nos seus sites e noutros especializados, há comentários e chamadas de atenção nos blogues, redes sociais e por aí fora.

 

Mas esse é só um aspecto da questão e nem sequer o mais importante. Porque o que me parece que nem sempre é compreendido é que num prato não está só comida. Ou melhor, no preço de um prato não estão só os custos dos ingredientes que o integram. Está tudo o que faz um restaurante funcionar. Estão os ordenados dos cozinheiros e dos empregados de mesa, a Segurança Social, estão os custos do equipamento, estão as contas de água, electricidade, gás e telefone, está a loiça, talheres e toalhas, estão as flores no jarro em cima da mesa, está a renda que se paga ou o empréstimo que tem que se amortizar, estão os impostos e as licenças.

 

Se no centro de Paris, Londres ou Nova Iorque servirem um prato vazio por 10 euros, muito provavelmente não dará nem para pagar a renda. Uma vez caí na asneira de pedir uma cerveja num café no meio das Galerias Vittorio Emanuele, na zona mais cara de Milão. Quando veio a conta, custava mais de 20 euros. Por um momento, chamei-lhes (interiormente, claro) todos os nomes de que me lembrei. Mas depois, mais sereno, lembrei-me também onde estava e quanto, só de aluguer do espaço, eles não pagariam. O erro, obviamente, fora meu, por não ter consultado os preços antes de me sentar.

 

Ora em Portugal, sobretudo em Lisboa e no Porto, estávamos, e ainda estamos, mal habituados. A antiga Lei das Rendas permitia que houvesse estabelecimentos nos locais mais apetecíveis a pagar alugueres ridículos, que muitas vezes impediam que os proprietários fizessem sequer obras de manutenção. Havia também todo um ambiente “informal” no que diz respeito aos custos da mão de obra, facturação, impostos, licenças. etc. Não estou a dizer que todos funcionassem deste modo, mas julgo que havia muitos, desde tascas a restaurantes de luxo, que só conseguiam manter as portas abertas neste enquadramento. Por isso, conseguiam praticar preços impossíveis de encontrar em quase todo o mundo civilizado.

 

Felizmente, tudo isso mudou ou está a mudar. A nova Lei das Rendas, a factura obrigatória, a maior fiscalização, o aumento da exigência dos clientes, nomeadamente de turistas estrangeiros, está a transformar a nossa restauração. A meu ver, para melhor. É claro que neste processo haverá injustiças e casos de justos que pagam por pecadores, mas globalmente os efeitos são muito positivos. Todos gostamos de ir a restaurantes bons e baratos e eu não sou excepção.  Mas convém saber se a minha felicidade económica é conseguida à custa de imigrantes ilegais, evasão fiscal, más condições de funcionamento, do prédio estar degradado. Se for assim, prefiro pagar mais, prefiro um “preço justo”.

 

Parece-me quase inevitável que os preços nos restaurantes portugueses, ou pelo menos de Lisboa e Porto, subam nos próximos anos. Não só pelo que anteriormente referi, como também porque é cada vez mais difícil arranjar mão de obra qualificada para a cozinha e para a sala. Mesmo restaurantes com estrela Michelin, que antigamente tinham uma grande capacidade de atracção, principalmente para quem se estava a iniciar na carreira, hoje debatem-se com falta de pessoal. Muitos jovens portugueses preferem ir para fora, não só para ganhar mais, mas também para viverem experiências diferentes. E isso não vai mudar.

 

Assim, o mais natural perante a escassez da oferta é que os ordenados subam no sector. E que isso se reflicta nos preços dos pratos dos respectivos restaurantes. Estaremos preparados para isso? Há quem me diga que não, que se subirem os preços, grande parte dos restaurantes perdem clientes e vão fechar. Talvez aqui o grande aumento de mercado proporcionado pelo turismo dê uma ajuda, mas é melhor estar preparado para o que vem por aí. Creio que vai ser bom, mas barato é que não.

 

Nota: Publicado originalmente na edição de Dezembro de 2017 da Revista de Vinhos

 

 

 

 

 

 


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