Levei anos a ouvir falar no restaurante londrino St John, ouvi algumas referências entusiasmadas, li muitas. Era quase mítico. Em 2009 ganhou a primeira estrela Michelin e dizia-se "finalmente", desde 2003 que não sai da lista dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Sabia que era num mercado de carne (Smithfield), que a filosofia era: se se mata um animal, então devemos respeitá-lo e comê-lo de uma ponta à outra. O famoso conceito ‘nose to tail’ do Fergus Henderson. Há cerca de um ano e meio fui ao St John jantar, um espaço grande, quase cheio, ruidoso. Em termos de decoração, uma sala (um armazém) pintada de branco, mobiliário sólido e simples. Não me lembro de mais nada a não ser uns letreiros na parede a dizer para não se usarem telemóveis (a única coisa nas paredes). Cozinha à vista, não particularmente glamorosa, os fios eléctrico que passavam pelo tecto da cozinha aos molhos. Deu também para perceber que as pessoas do mundo das artes e da cultura de Londres eram frequentadores.
O jantar foi agradável, nada de muito bom, antes pelo contrário - algumas coisas fraquinhas. Tudo bem! Mas o que me deixou baralhada foi:
1 estrela Michelin
8 anos seguidos nos melhores restaurantes do mundo
Os critérios para estas coisas são vagos, percebo pouco de estrelas Michelin, mas sempre ouvi falar de um grau de exigência razoável. Fiquei mais que baralhada. Seria uma refeição que, assim que saísse a porta, esqueceria, de tão banal. Só me andou na cabeça porque gostava de ver o restaurante por um ângulo que me permitisse compreender estas distinções.
O Fergus Henderson era arquitecto, em 1994 abriu o restaurante com um conceito referido por muitos como um conceito que "push the boundaries". Referido por outros como o templo da gastronomia britânica. Considerado por alguns, nomeadamente o Anthony Bourdain no livro Medium Raw, como um herói que influenciou cozinheiros em todo o mundo. Imagino que dando a liberdade de servir partes dos animais impensáveis até então. Um restaurante muito "terra a terra", o que pode ser até intrigante para quem chega pela primeira vez. E de certa forma me deixou desconcertada... mas, de facto, a razão principal para isso foi mesmo a comida que achei em geral com um nível de qualidade não muito elevado.
Quase um ano depois voltei... não ao St. John, mas a um outro restaurante do grupo, com características e objectivos diferentes - refeições mais simples, preços numa gama mais baixa. Acho que o que me motivou a ir foi, em grande parte, ter mais dados para tentar compreender o fenómeno.
Um dia extremamente desagradável... chuva e mais chuva, um frio de enregelar os ossos... roupa pouco adequada (era Junho...). Depois de uma volta pelo mercado de Brick Lane, e a caminho do de Spitalfields, ao atravessar a Commercial St. dei comigo quase em frente do St. John Bread & Wine e, impulsivamente, entrei.
Uma sala branca, os cabos eléctricos à vista no tecto da cozinha e da sala, os quadros pretos com as sugestões. A padaria, com as máquinas e os fornos, os azulejos brancos, sem qualquer tentativa de "embelezamento". Era confortável, e mais, sou obrigada a reconhecer que tinha uma certa sofisticação, que lhe advinha precisamente da pouca sofisticação...
Uma sala cheia, consegui uma mesa encostada à parede frente à padaria. Estava quente, ouvia-se o barulho característico de um restaurante onde as pessoas se sentem bem. Comecei a sentir-me confortável e a olhar à volta... de certa forma entendi o encanto daquele ambiente muito "terra a terra". O pão no balcão da padaria, um pão com um ar muito rústico, que me fez crescer água na boca.
Os empregados pouco sorridentes, quase que pouco amigáveis - apenas correctos e eficientes. Uma atitude muito característica! Os copos de vinho que são iguais aos de água, e nem copos de vinho são... O vinho quente demais. Exactamente como tinha acontecido um ano antes no St John... Imagens de marca também?
Mas apesar de tudo estava a sentir-me bem ali. E com aquele pão rústico, denso, saboroso... seria difícil não me sentir bem...
Chegou a entrada Lamb Sweetbreads with Sea Purslane. Eu gosto da textura e sabor das molejas e aquelas estavam óptimas, com um molho saboroso que combinava deliciosamente com a acidez daquele pão denso! Tudo muito bem complementado com as folhas praticamente cruas daquelas "beldroegas do mar", com um sabor levemente salgado e que eu não conhecia (é bom descobrir coisas novas!). Lá fora frio e chuva... que conforto ali! Era quase um luxo...
Tinha pedido uma prato que me disseram demorar cerca de 30 minutos. Mas a espera só contribuía para aumentar o conforto que sentia. Como eu gosto de restaurantes! Ver comer, ver a "dança" dos pratos e dos empregados, o som ambiente, o ruído dos talheres a bater na loiça... e sobretudo cuidarem de mim durante algum tempo.
Chegou finalmente o pombo, bem rosado, uma textura excelente, um ponto de cozedura perfeito, um óptimo sabor! Acompanhava muito bem com a salada de agrião e os pickles de noz (era a primeira vez que comia um prato com pickles de noz - dois pratos, duas estreias... o que é que eu mais podia pedir?). A salada fria, com o molho tépido por cima, mas ... o pombo se calhar estava tépido demais! Depois de meia hora de espera podia vir um pouco mais quente... Mas o que de facto me intrigou mesmo foi a razão porque tanto tempo de espera não tinha dado para tirarem as penas do pombo:
Falta de cuidado, ou intencional... para lhe dar um ar mais rústico? Confesso que o preferia sem penas... mas, se isso tivesse acontecido, se calhar nem tinha escrito este post e nem tinha puxado da máquina fotográfica...
Acho que consigo entender algum do encanto... há tantas refeições e tantas ocasiões... e estas têm definitivamente o seu espaço... Mas, apesar de tudo, o pombo podia ter vindo sem as penas...