O título é uma provocação, evidentemente, mas tem uma razão de ser e não é a do clickbait. A Michelin acaba de anunciar a aquisição de uma participação de 40% da Robert Parker Wine Advocate e do RobertParker.com, "o guia independente do consumidor de vinhos de qualidade mais lido do mundo".
Não sei se é o mais lido do mundo, mas sei continua a ser, infelizmente, um dos mais influentes, pelo menos a ver pela importância que os produtores de vinho lhe dão amiúde (mesmo aqueles que não concordam com ele), sempre que é atribuída uma nota alta um vinho seu. E digo, infelizmente, porque Robert Parker foi o principal responsável pela globalização de um estilo de vinho homogeneizado e, pior, de toda uma miríade de vinhos "técnicos" que procuram imitar esse estilo recorrendo a tudo o que é possível de meter legalmente (e às vezes ilegalmente) numa garrafa, seja em Bordéus, nos confins da Austrália, (sobretudo) na Califórnia, ou até mesmo do Alentejo (ainda que por cá os danos não tenham sido tão grandes).
Curiosamente, apesar da Michelin falar da parceria que já tinha tido, na Ásia, com a empresa de Parker (que, na verdade, há muito a vendeu a um grupo de Singapura), não deixa de ser curioso que a associação apareça um pouco em contra-corrente. Ou seja, numa altura em que muitos dos restaurantes mais relevantes gastronomicamente (sejam de fine dining ou não) procuram criar sinergias entre o que colocam no prato e o que servem no copo, ao apostarem em vinhos de pequenos produtores, com personalidade e que evidenciam o terroir, a Michelin aparece associada a quem mais ditou leis para que se fizesse o oposto.
Nas redes sociais, entre os activistas "anti-vinhos Parker", Marko Kovac perguntava, apreensivamente, se esta associação não seria um revés para vinhos naturais - um estilo que, em boa parte, surgiu em oposição ao estilo Parker. O que levaria João Grinspum Ferraz (famoso no Instagram pelos seus cozinhados na Casa do Carbonara), um dos seus pares, a responder com ironia: "bem, certamente que alguns dos vinhos com melhores pontuações do Parker sabem a pneus. Eles finalmente se encontraram!"
Não sou de teorias da conspiração, mas piadas e ironias à parte, vamos ver no que isto vai dar. Só espero que não degenere numa parolice, por parte dos responsáveis pelos nossos restaurantes, de começarem a fazer cartas de vinhos "parkerianas" para assim julgarem que têm o acesso mais facilitado ao céu estrelado.