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Enquanto se espera o comboio

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Cheguei 15 minutos antes e achava que estava com tempo, por isso fiquei surpreendido quando na bilheteira da estação de Santa Apolónia me disseram que o comboio das 14h para o Porto estava esgotado, esgotadíssimo, completo, sem lugar de nenhuma espécie. Agora, às sexta-feiras parece que é quase sempre assim. Não tinha outro remédio senão esperar pelo InterCidades das 15.30h. Claro que fiquei contrariado, mas também contente. Será que nos estamos a transformar num país mais civilizado, preferindo meios de transporte seguros e amigos do ambiente, em vez de nos andarmos a matar a combustíveis fósseis nas autoestradas?

 

Não tinha almoçado e estava disposto a comer algo naquelas sinistras cafetarias da estação quando avistei através da vidraça, do outro lado da rua, um letreiro que dizia “Maçã Verde”. Ora aí está, era desta que ia à mítica tasca que já tinha visto recomendada por gente como o Chefe Cordeiro, o casal Justa e José Nobre e muita outra gente de respeito. Aliás, mais tarde, encontrei no comboio um conhecido chefe que também me disse ser lugar da sua predilecção.

 

Casa pequena, totalmente cheia, mas com gente já a sair. Atrás do balcão, um homem alto e mal encarado, que desviou o olhar quando entrei. Mau sinal. Felizmente, um jovem veio logo ter comigo de forma simpática e imediatamente me encontrou lugar no topo de uma mesa onde um grupo de umas oito pessoas, quase todas engravatadas, davam mostras de estar a passar um bom bocado. O mesmo aliás no resto da sala, pareciam que todos eram íntimos da casa e sentiam-se lá como na sua.

 

Apesar de ter tempo e de me lembrar vagamente que tinham fama nos grelhados, decidi não arriscar com demoras e fui para um dos pratos do dia, que consistia de carapauzinhos fritos com arroz de tomate. Boas azeitonas na mesa, pão menos bom, perguntaram-me se queria uma salada a acompanhar, disse que sim, mas esqueci-me de tentar saber quais os ingredientes. Assim, veio uma bela e bem temperada salada de alface com cebola, mas com umas fatias de tomate totalmente dispensáveis. Tomate em Janeiro. Ainda por cima não deve ser barato. Quando é que os nossos restaurantes populares perderam a noção da sazonalidade? Julgo que noutros tempos comprar produtos da época era até uma maneira de defenderem os bons preços que querem praticar.

 

Veio então até à mesa um homem de bom trato a pedir desculpa pela demora, mas que vinha já. Creio ter ouvido o jovem que me atendeu inicialmente chamá-lo de “pai”, mas posso estar enganado. Aliás, fui sempre atendido pelos dois ao longo do almoço com boa educação, boa disposição e competência. 

 

Entre mais pedidos de desculpa e desejos de que a qualidade do prato compensasse a demora, chegou finalmente o prato do dia (na foto, tirada por mim, peço que me perdoem), com os peixinhos optimamente fritos, estaladiços e secos de óleo, com o interior suculento. Arroz muito aceitável, húmido sem malandrices, de sabor subtil, sem estar esmagado pelo tomate em conserva (o único que deve ser usado fora de época). Com a salada, soube-me lindamente.

 

No final, achei que um pudim flan (uma das minhas sobremesas favoritas) fazia sentido, mas não tinham, recomendaram o leite creme “queimado na hora”. Estava razoável, mas frio, queimado há muitos momentos. Mas não faz mal, cumpriu a função. Com duas imperiais e um café, ficou em 13.10 euros. Gostei muito de ter perdido o comboio das 14h e de ter conhecido este lugar, onde quero voltar para experimentar outros pratos, entre os quais os famosos grelhados. Nem todos os restaurantes têm que ser assim, mas é bom que continuem a existir com esta boa saúde.

 

Maçã Verde: Rua dos Caminhos de Ferro, 84, Lisboa, tel. 21 8868780. Fecha ao domingo

 


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