A ideia passava por ir diretamente para o local do cozido das Furnas, na ilha açoriana de São Miguel. Contudo, o chefe Paulo Mota, nosso guia por estes dias, não permitiria que chegássemos ao destino sem conhecermos antes alguns lugares gastronómicos obrigatórios na ilha, como o Rei dos Queijos – onde se comercializa e envelhece uma boa parte dos 50 queijos diferentes do arquipélago –, as estufas de ananases, cujo método de produção artesanal se mantém igual há décadas, os chás da Gorreana, uma tasca de sabores genuínos, como a do Mané Cigano, ou o restaurante Anfiteatro, da escola de turismo local, onde os incríveis produtos regionais são trabalhados com um toque contemporâneo.
Mas o propósito da viagem era o cozido das Furnas, a grande especialidade da região. E, para acompanharmos o processo, Paulo Mota conduziu-nos ao Hotel Terra Nostra, 45 quilómetros a oriente de Ponta Delgada, onde nos esperava o seu colega Luís Pedro.
“Primeiro pomos as couves, para que as carnes não se agarrarem ao fundo do tacho”, começa por nos dizer o chefe Pedro, antes de introduzir por camadas o inhame, as carnes de vaca, frango e porco (entrecosto, chispe e orelha), as batatas (doce e comum), cenoura e, por último, os enchidos (a morcela embrulhada em folha de alumínio para não tingir o conjunto). No final coloca a tampa e ata um pano em volta. Antigamente punham uma toalha no fundo da panela e quando a retiravam, com os produtos, coavam o caldo para o interior. “Era melhor, mas a segurança alimentar já não o permite”, lamenta Luís Pedro.
Pelas 4 da manhã o enorme recipiente é levado para as caldeiras, à beira da belíssima Lagoa das Furnas, onde vai ocupar uma das várias covas abertas no solo. Aqui fica a cozinhar lentamente, por 8 horas, no vapor libertado pelas águas ferventes vulcânicas. Este processo natural de cozedura lenta a baixa temperatura (85°), repetido há dezenas e dezenas de anos, mantém o sabor dos alimentos e confere uma textura macia às carnes, sem destruir os ingredientes mais sensíveis – características testemunhadas à mesa, já no restaurante do hotel, tendo como acompanhamento um saboroso arroz feito com o próprio caldo do cozido.
Desenterrar o cozido após 8 horas a cozer no vapor libertado pelas águas ferventes vulcânicas
No Hotel das Furnas o cozido é apresentado, uma parte, da forma tradicional e, outra parte, de um modo mais contemporâneo
Lagoa das Furnas, em São Miguel
Onde Comer (2 sugestões):
. Hotel Terra Nostra - Rua Padre Jacinto Botelho, Furnas, São Miguel, Açores. Tel:296 549 090
. Tony’s - Largo do Teatro, Furnas. Tel: 296 584 632
Texto publicado originalmente na revista Up (TAP)