Sim, também tenho saudades de ir a restaurantes. Não só da comida, mas também do serviço, do ritual, do convívio. E não é tanto dos lugares de cozinha caseira ou mais tradicional, porque esses sabores, bem ou menos bem, ainda vou conseguindo ir buscá-los aos livros, à memória e às receitas de família. O que tenho saudade, mesmo, é daqueles pratos que vão além do expectável, que estimulam sentidos, que me deixam arrebatado. Tenho saudade da sua beleza, da clareza dos sabores, da técnica e do talento criativo. Vincent Farges é um dos chefes em Portugal, cujos trabalho está nesse patamar. Sou fã desde os tempos da Fortaleza do Guincho e assim continuo desde que abriu o Epur, no Chiado, em 2018.
Depois de um período inicial de confinamento devido ao coronavírus, no passado dia 5 de Abril, o restaurante anunciou no Instagram que ia passar a fazer entregas ao domicílio, sendo o primeiro e único restaurante com estrela Michelin, em Lisboa - e no país, creio -, a fazê-lo (entretanto, o Eleven acaba de anunciar que também vai a jogo).
Uma das questões que se colocava era saber se este tipo de cozinha mais sofisticado viajava bem (mesmo que no nosso caso a distância a percorrer fosse pouco mais de um 1km). Porém, certamente já a prever a questão, o restaurante avisava nesse post inicial: “não vai ser um delivery de fine dining, mas a essência Epur, no que toca a sabores, texturas e criatividade, continuará presente (inclusive nas opções vegetarianas)”.
Olhando para o menu dava para perceber isso, que os pratos e as confecções tinham sido escolhidos para levarem essa essência a casa. Importa desde já referir que os pedidos têm de ser efectuados de véspera para serem entregues no dia seguinte, entre as 15h e as 19h. Ou seja, os pratos quentes têm de ser aquecidos.
Com excepção das entradas, em que a rillete de pato, shitake e caju e o tártaro de peixe, capuchinhas e cédrat eram para consumir frios ou à temperatura ambiente (tal como as sobremesas, aliás) as outras duas entradas e os quatro principais teriam de ser então regenerados.
A encomenda trazia uma nota com um poema de Drummond de Andrade e outra com a indicação de que os pedidos que vinham com uma marca vermelha necessitavam de ser aquecidos e que tal poderia ser feito “na panela, no sauté ou no micro-ondas”, sendo que neste caso deveria ser retirado da embalagem de alumínio. A explicação pareceu-me vaga e fiquei uns segundos a pensar qual o melhor método para cada um dos pratos: o gratin de marisco com molho de crustáceos parecia-me óbvio. Seria no forno, só com a salamandra (a grelha de cima). Já o pombo Wellington ia precisar de forno mas sem essa parte de cima (160º uns 10/12 minutos foi o suficiente para o interior atingir uns 60º). A dúvida era se a entrada de legumes, açafrão, gengibre e coentros devia levar um toque de calor e se o peixe da lota, alho francês, e lutecens deveria ser aquecido no forno ou na frigideira. Após uma mensagem ao chef, veio a resposta. As primeiras coincidiam, os legumes podiam ser reaquecidos ou não (acabei por fazê-lo em banho maria) e o peixe com os vegetais poderia ser esquentado com cuidado numa frigideira.
Talvez esteja a ser um pouco preciosista e talvez achem que estou complicar. Porém, acho interessante saber qual o melhor método para tirar o maior partido destes pratos e, nesse sentido, parece-me importante que sejam dadas indicações mais precisas. Depois o cliente logo avaliará se quer dar-se a esse trabalho (que não foi grande) ou não.
Posto isto, a minha apreciação é muito positiva. O gratinado de marisco, em porção bem simpática estava muito bom, rico em sabor e com os mariscos num bom ponto de cozedura; na entrada vegetais, mais pequena (mas também com um preço muito mais baixo) destacavam-se as óptimas alcachofras, (estamos em plena época) e o peixe da lota, que não consegui descortinar qual era, aquentou bem o calor e manteve-se suculento - brilhante o molho de cedrat que o acompanhava (comprava um litro daquilo!). O mesmo aconteceu com os vegetais que o acompanhavam, que além de ricos mantiveram a textura certa. Porém, o ponto alto foi mesmo o pombo Wellington. Até parecia que Vincent Farges estava aqui na cozinha a prepará-lo. Massa folhada perfeita, duxelles (recheio de cogumelos finamente cortados com que é envolvida a carne) como manda a regra, carne avermelhada e sabor assertivo. Top, top!
Para finalizar, montei o baba ao rum: primeiro o “bolo” húmido, depois o carpaccio de ananás ao lado, a seguir uma colherada do creme de ananás ao meio e por fim a calda de rum a aromatizar e a embebedar ligeiramente tudo aquilo. Não me ajoelhei e rezei, mas lambi os dedos.
o pombo Wellington
A sequência de pratos no sentido dos ponteiros do relógio: gratin de marisco com molho de crustáceos, a entrada de vegetais, molhos aquecidos em banho maria e o prato de peixe. Prometo que para a próxima irei empenhar-me mais nos empratamentos, mas a fome apertava
Baba ao rum
Gostava de ter trocado umas impressões com Vincent Farges mas apanhei-o muito ocupado entre a cozinha de manhã e as entregas à tarde, mas segundo percebi pelo colaborador que veio entregar a comida, o delivery teve muito boa aceitação logo no inicio e tem resultado bem, sobretudo aos fins de semana.
Dá para perceber, até pelo preço - esta refeição ficou em 68€, para duas pessoas, praticamente o mesmo que o menu mais simples sem bebidas do restaurante, para uma pessoa) que esta é uma situação de recurso. Porém, como dizia num post anterior Marlene Vieira , citando o André Magalhães, “mais vale ter a torneira a pingar, que sempre dá alguma água, do que fechada”. Já eu diria que, para nós, adeptos e clientes, é um privilégio.
P.S. Mãe, se calhar menti um bocadinho no primeiro parágrafo deste texto, mas não leve a mal. É claro que também tenho saudades da sua comida e dos almoços de domingo em família.
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A essencia do Epur em casa:
Encomendas pelo tel.: 924 437 471: de 2ª a 6ªF entre as 9h e as 14h;
Entregas: de 3ª a Sábado, entre as 15h e as 19h. (sempre no dia seguinte à encomenda).
Entregas em Lisboa (valor minimo de 50€) e em Cascais, Estoril e Oeiras (valor mínimo 75€)
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