Em Janeiro 2012, num dos primeiros dias do novo Belcanto, José Avillez foi chamado à sala por um cliente que acabara de jantar. Com uma breve troca de olhares, David Jesus tomou a sua posição na roda (o lugar de onde saem os pratos para a sala) e continuou a missão com a maior naturalidade do mundo. David já era o braço direito de Avillez, no Tavares. Porém, José saíra primeiro e passaram largos meses até voltarem a reunir-se junto ao calor dos fogões, pelo que aquele momento revelava uma cumplicidade e sincronia que surpreendeu quem observava o serviço. David Jesus refere que desde que começaram a trabalhar juntos houve logo uma empatia pessoal e profissional e que nunca existiu um mínimo de desentendimento entre os dois. “O José sempre sentiu um grande respeito e admiração pelo meu trabalho e eu pelo dele.”
No percurso de vida de um cozinheiro há quase sempre uma mãe, uma avó ou outro familiar com dotes para a cozinha. Foi o que aconteceu com o chef executivo do Belcanto. Nascido e criado na Bobadela, onde ainda hoje vive, David Jesus, 38 anos acabados de completar, viveu a infância à volta da cozinha, entre os aromas das receitas lusas da mãe e os caris indianos do pai, natural de Damão. Porém, a ideia de se tornar cozinheiro só surgiu por altura dos seus 15 anos. “Não andava a portar-me muito bem na escola e os meus pais começaram a questionar-me sobre o futuro.” Foi aí que as memórias de criança fizeram “o clique” e o seu destino começou a adivinhar-se.
David haveria de fazer a escola de hotelaria (em Lisboa), estagiar num hotel e passar pelos seus primeiros restaurantes, entre eles o Massima Culpa e o Galeria, em Lisboa, onde esteve com Augusto Gemelli. Após 18 meses com o chef italiano, surgiu a hipótese de entrar como cozinheiro de segunda no Carlton Valle Flôr (actual Pestana Palace Lisboa). Seria a sua primeira experiência de cozinha portuguesa, logo num restaurante de fine dining, e com um chef ultra-exigente como Aimé Barroyer. David Jesus acabaria por permanecer seis anos e meio e evoluir, tornando-se um dos cozinheiros nucleares do chef francês.
Foi por essa altura que conheceu José Avillez, que por lá passou num curto estágio. Mais tarde, quando este aceitou ficar à frente do Tavares e buscava um “número dois”, alguém lhe falou de David. A sintonia entre os dois foi imediata. “As coisas sempre funcionaram muito bem. Foi muito fácil”, refere David, hoje sócio de Avillez no grupo que marca forte presença no Chiado.
David Jesus assume-se mais como um chef executivo do que como um criativo, embora também participe no processo, sobretudo na parte de testes e implementação. As suas funções no dia-a-dia da cozinha, além da presença no Belcanto à hora do serviço, “são basicamente as mesmas do José: gerir e organizar as cozinhas, formar cozinheiros, ajudar os chefs de cada um dos restaurantes do grupo a organizar a sua semana, assim como as suas equipas”. Quando se lhe pergunta se ambiciona ter o seu próprio restaurante, responde de pronto, com tranquilidade: “Eu sinto que já tenho vários restaurantes. Somos sócios desde 2011. Estes já dão muita dor de cabeça.”
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Texto publicado originalmente como parte do artigo "Não têm 'o nome no cartaz' mas os chefs não passam sem eles" na revista Fugas Especial Gastronomia, do Público, em 29 de Outubro. Foto retirada do site do Belcanto.